Meu pai, Luiz Edmundo Appel
Meu pai, Luiz Edmundo Appel (1924-2006), ainda era um jovem e recém formado engenheiro de minas, metalurgia e geologia, quando em 1950 andou pelo Espírito Santo. Naqueles idos, num vai-e-vem entre Linhares, Colatina, São Mateus, Nova Venécia, Vitória e outros lugares menores, realizou um trabalho de levantamento topográfico, de mapeamento e demarcação, com cálculo de distâncias percorridas, em algumas estradas de rodagem. Para essa tarefa virava-se com um teodolito, um cronômetro e o velocímetro do “jeep”. Não me perguntem o objetivo desse levantamento. Ele nunca me contou e desconfio de que tampouco soubesse.
Gaúcho, “apenas nascido em Santa Maria”, como gostava de informar, cumpria aqui, logo depois de formado, sua primeira missão em seu primeiro e único emprego público. Falava que tomou verdadeira ojeriza das repartições técnicas do governo e da Petrobras (na época, Conselho Nacional do Petróleo) onde, dizia, “só advogados e políticos dirigem assuntos de engenharia”. Em 1953 ele já trabalhava para a iniciativa privada, de onde nunca mais saiu.
Enquanto escreve o seu diário, distante de suas duas amadas – a “noivinha” e a sua querida cidade de Porto Alegre, onde moravam meus avós –, deixa claro que suportar as saudades era uma tarefa colossal, muito mais penosa do que passar fome e sede nas estradas esburacadas, rios sem pontes ou com pontes quebradas e nas canoas furadas em que, vira e mexe, se via metido.
Naqueles tempos qualquer um que saísse de casa para ganhar a vida como engenheiro era um Indiana Jones. Diferente de hoje, havia muitos. Meu jovem futuro pai certamente foi um deles. Muito entediado, apaixonado e melancólico, mas um deles.
Enquanto realizava seus trabalhos de campo sempre escrevia uma espécie de diário. Essas poucas anotações sobre sua passagem por terras capixabas foram retiradas de uma das suas cadernetas. Daqui seguiu para o sul da Bahia, Minas Gerais e interior de São Paulo, sempre no levantamento das estradas, sempre escrevendo sobre o tédio e suas saudades.
Antes de voltar a Porto Alegre ainda passou pelo Rio de Janeiro, onde encontrou-se com meus avós e uma de suas irmãs, para uns poucos dias de férias. Só então, finalmente, pode voltar para a sua amantíssima “noivinha” (nove anos de noivado) com quem afinal não se casou. Pois, passado um ano e durante uma crise de origem religiosa (a família da noiva era católica apostólica romana e ele e nossa família gaúcha eram anglicanos episcopais), num baile no Colégio Sacre Coeur de Porto Alegre, conheceu e foi fulminado por minha mãe – sabemos bem como essas coisas acontecem – para casarem-se três meses depois.
Quem o conheceu (e não foi um de seus companheiros de aventuras) jamais imaginaria que aquele sujeito pacato, educadíssimo – um verdadeiro lorde –, apegado à família e ao conforto sossegado, é o mesmo que ainda se pode ver em dezenas de fotos, tiradas durante suas andanças, onde sempre está lá, em suas roupas cáqui suadas, botas de cano alto e chapéu na cabeça (estilo Indiana Jones, claro) montado num jegue, pendurado num vagão de trem em algum lugar na Amazônia ou no lombo de um autêntico “jeep”.
Entremeadas com períodos de empregos mais calmos no Rio de Janeiro, em Porto Alegre (não tanto quanto ele adoraria) e uma breve volta a Vitória, nos idos de 1970, suas andanças se repetiram até sua aposentadoria, que aconteceu logo depois de sua última aventura: a complicada gerência de uma operação de prospecção de água, para uma empreiteira brasileira a serviço da Petrobras, no meio do deserto, nos cafundós da Líbia do finado Kadafi.
SANTOS NEVES – O viés sócio-historiográfico de um diário escrito no Espírito Santo em meados do século XX.
APPEL, Luiz Edmundo – 1950: Diário de um engenheiro no Espírito Santo.
1-Luiz Edmundo Appel, próximo a Linhares, ES, abril de 1950. |