Chegada à Lagoa do Aguiar. Aracruz, ES, 18 de abril de 1950. |
28/4/1950 (sexta-feira)
Chegada à Lagoa do Aguiar. Aracruz, ES, 18 de abril de 1950. |
Viajando em canoa motor durante todo este dia. Saímos de Linhares às 8h. Cruzamos em várias direções a bela e pitoresca “lagoa Nova” (oeste da cidade de Linhares). Almoçamos numa das praias da lagoa. Na volta, entramos na lagoa maior: a Juparanã. Chegamos ao hotel, finda a jornada, às 18. Bastante cansaço. A canoa em que viajamos era empenada, torta, e obrigava-nos a assentar meio de lado, para equilibrá-la. Resultado: músculos doloridos do esforço para manter tal posição todo o dia… E, o estar a gente assentado um dia inteiro num banco duro e sem encosto… A beleza da paisagem, sempre variada e colorida, trouxe um punhado de recordações e de saudades… O passado, sempre o passado, insiste em se apresentar nos bons como nos maus momentos do presente… As lembranças surgiram-me nem sei de onde; dos escaninhos recônditos da mente, derramaram-se sobre meu coração. As saudades, companheiras das minhas solidões, apertaram-me em seus braços. Como um nó, atravessaram-se em minha garganta… A outra saudade, negra, a mais dolorida delas todas, chegou, por fim… A que nasce da consciência de que as horas passadas, algumas horas que já se vão tão longe, caminham para o esquecimento, para nunca, NUNCA mais voltarem… Abençoado, bendito sejas, passado meu! Ao relembrar-te, consigo reviver aqueles sonhos, aquelas ilusões tão queridas ao meu coração de adolescente. E posso entrever, entre as nuvens da inquietação eterna do presente, que a felicidade, um momento ontem, um momento hoje, um instante amanhã, está constantemente a nos visitar… Foste hoje, bálsamo e estímulo para mim, ó passado fugidio… recordações felizes, de felizes minutos… Saudade dolorida de uma felicidade, é felicidade também!…
29/04/50 (sábado)
Luiz Edmundo Appel à entrada do Hotel Linhares, ES, abril de 1950. |
Saímos às 8 (de Linhares), em canoa-motor, rumo a Colatina, a 3ª cidade do Estado. Às 10, quebrou-se o eixo do motor de popa e… tivemos de voltar para Linhares a remo… Chegamos às 12,30 (porque, felizmente, descemos o rio, a favor da correnteza). À tarde, descanso e um pouco de estudo. À note, fui ao aniversário de um “figurão” da cidade (Calmon).
30/4/50 (domingo)
Saímos às 7,30, em outra canoa-motor, com destino a Colatina, novamente. Viajamos todo o domingo, pois chegamos às 18,30, em plena escuridão. Como os anteriores, este foi o tipo do domingo estupidamente perdido, sem descanso, meditação, sossego, enfim. Hospedei-me no Colatina Hotel. À noite, caminhei um pouco; fui conhecer, depois, o clube local. Dormir: às 24 e tanto…
1º/5/50 (segunda-feira)
Feriado: dia do trabalho… Em Colatina. Pela manhã, após o café, barbeei-me e fui aos Telégrafos. Apanhei minha máquina fotográfica e procurei (perto do hotel) algumas vistas características da cidade. Há muito poucas… Colatina é uma cidade-nova, em pleno crescimento. Muito movimento e comércio, mas não houve tempo, ainda, para a urbanização… Cidade feia, quase sem calçamento, apesar das inúmeras pedreiras passíveis de exploração, a poeira domina a atmosfera. O calor, aqui, é intenso. Sentei-me, um pouco, em um banco da praça de tênis, fronteira ao hotel. Distrai-me algo com o movimento, e com os maus jogadores… Após o almoço, descanso. O dia de hoje é que se assemelha a domingo. Somente à tardinha saí para uma breve caminhada, depois do banho. À noite, estive um pouco na rua principal. Encontrei algumas garotas presbiterianas às quais havia sido apresentado. Estivemos palestrando até 23 horas… A “leader”: Diná, ótima garota, apesar de ser dentista…
2/5/50 (terça-feira)
Escoadouro da Lagoa do Óleo, no Rio Doce. Colatina, ES, 2 de maio de 1950. |
Partimos às 7,30, pelo navio Juparanã, de volta à famigerada Linhares. A viagem é, de navio, monótona e demorada. Porém muitíssimo boa, comparada com uma viagem qualquer, em canoa… Almoçamos a bordo, durante o percurso. Encalhou, a barca, uma única vez… Chegamos, finalmente, às 16,30, e tocamos para o hotel. Recebi uma cartinha de meu amor (de 17/4…), e a notícia de que vamos (Paulo e eu, provavelmente) trabalhar no Paraná, no 2º semestre deste ano. Descansei até a hora do jantar. À noite, breve caminhada e nada mais.
O navio Juparanã, atracado frente a Regência. Esse navio faz o percurso de Colatina à foz do rio Doce. Abril de 1950.
O navio Juparanã, atracado frente a Regência. Esse navio faz o percurso de Colatina à foz do rio Doce. Abril de 1950.
O navio Juparanã, atracado frente a Regência. Esse navio faz o percurso de Colatina à foz do rio Doce. Abril de 1950. |
3/5/50 (quarta-feira)
No Linhares Hotel. Linhares, ES, maio de 1950. |
Em Linhares. Trabalhos de escritório, estudo pela manhã. À tarde, descansei e escrevi para casa. À noite, após o banho e janta, uma breve caminhada. Depois, arrumações de malas e preparativos para a viagem de amanhã. Dormir, às 22,30.
4/5/50 (quinta-feira)
Partida, de manhã, para a nova “base de operações”: São Mateus. Chegamos a esta pelas 11h 30m. Almoçamos e, à tarde, descansamos apenas. Enquanto Paulo “funcionava” com a máquina de escrever, eu li um pouco. Depois do banho, jantei. Escurece muito cedo. Às 18 já a noite domina amplamente. O céu, muito estrelado, enche-me o peito de saudades mil… Os mosquitos fazem-me voltar à realidade… Noite linda e agradavelmente amena. Sentei-me a um banco, na calçada, frente ao hotel, e fiquei pensando, lembrando, sonhando… Alguns companheiros de banco quebram, então, o encantamento. Barulho, conversa. Uma garotinha do hotel leva-me ao “clube da UDN”, para que o conheça. Bom clubezinho. Voltei ao meu quarto. Deitei-me às 22. (Dormi logo…).
5/5/50 (sexta-feira)
Às 7,30 saímos, no jipe, para o “campo”. Às 10,30 tivemos de parar e iniciar o regresso, com o carro “estropiado”, devagar e torcendo para que não acontecesse algo pior. Almoçamos (lanche) na estrada, mesmo. Chegamos ao hotel às 13,30. Escrevi para meu amor; li um pouco; descansei também, e eis passada a tarde. À noite, no hotel, lendo revistas. Dormir às 21,30.
6/5/50 (sábado)
Dia entediante e vazio. Manhã, tarde e noite sem programa de espécie alguma. Li um pouco; descansei bastante; dormi, até. Para aumentar o tédio, uma chuva, fina a princípio, forte depois, tomou conta de quase todo o dia. E, longe de casa, em terra estranha, um dia chuvoso é a encarnação da própria tristeza… À noite, ouvi um pouco de música (rádio do hotel) enquanto a Natureza chorava, lá fora, suas lágrimas incontáveis e barulhentas. Sempre, a chuva… Deitei-me às 21,30. Dormi bem, graças a Deus.
7/5/50 (domingo)
Amanheceu lindo, o dia de hoje. Céu puro azul; nuvens brancas, pequeninas, passavam preguiçosas. Uma brisa suave, acariciava os raios tépidos do sol. O dia de hoje, um convite à felicidade… Ao meio-dia, perturbou-se, porém, e a tarde, bem como a noite, passaram sob uma chuva impertinente e incessante. Grande, minha saudade. Cinzenta como o dia de hoje… O não haver “quefazeres” gera um tédio mortal.
8/5/50 (segunda-feira)
Chuvas durante todo o dia, hoje. De manhã e à tarde, li e estudei um pouco. Permaneci quase todo este dia, no hotel. À noite, para variar, no hotel também…
9/5/50 (terça-feira)
De manhã, após o café, fui até as oficinas em que o jipe está sendo consertado. Depois, um “pulo” ao Correio. De volta ao hotel, iniciei uma carta para meu amor. Depois, estudei, datilografei o Relatório de abril e aguardei o almoço. À tarde descansei (após almoço) e concluí o Relatório. Li e continuei a estudar. Pela tardezinha, sentei-me a um banco da praça. Foi a hora dos sonhos, então… À noite, permaneci no hotel. Conversei um pouco, ouvi um pouco de rádio, li algo também. No more…
10/5/50 (quarta-feira)
Monotonia. Sucedem-se estes dias, todos, sem a menor variação. Um é igual ao outro, em todos os seus aspectos. Estive nas oficinas e no Correio. Saí com Paulo, para que este gastasse o restante de um filme fotográfico. Voltamos ao hotel. Li, em continuação, a Field Geology. Tentei dormir após o almoço. Não conseguindo, saí para uma caminhada. Assentei-me ao “clássico” banco da praça. Palestrei com algumas garotas da cidade. De volta ao hotel, aguardei a janta. Depois, como sempre, esperei a hora de dormir. Cantei um pouco, para matar as mágoas… ao violão…
11/5/50 (quinta-feira)
Todo o dia no hotel, à espera do jipe. O conserto ficou pronto à noite, somente. Estudei durante todas as horas disponíveis, até cansar. Dia, em resumo, muito “interessante”… Sempre chovendo…
12/5/50 (sexta-feira)
Saímos às 9,30 pela estrada de Nova Venezia [Venécia]. Almoçamos na estrada. Chegamos, de volta, às 18. O dia foi cansativo, mas deu prazer por preencher, o trabalho, todas as horas. O extremo da jornada foi a vila de Nova Venezia (70 km. mais ou menos, a oeste de São Mateus). Amanhã continuaremos. Oxalá seja terminada esta etapa ligeiro; perdemos já 7 dias!…
13/5/50 (sábado)
Trabalhou-se, hoje, na estrada São Mateus-Nova Venécia. Saímos às 8 (do hotel), almoçamos na estrada e chegamos, de volta, às 18,15. Banho, janta, e depois de “fazer hora”, dormir. A meio caminho, entre Nova Venezia e São Mateus, tomamos por uma estrada secundária perigosa ao lado de precipícios. Fomos até a fazendo do Uratau, à margem de um barranco impressionantemente íngreme. Descemo-lo. Não me tenho por medroso, mas confesso que senti uma pontinha de “receio”… Um passo em falso significaria uma queda no abismo (60 metros ou mais). Graças a Deus nada houve, além do citado “receio”…
14/5/50 (domingo)
Saímos para o campo às 8, a fim de concluir o trabalho de levantamento (a bússola e velocímetro) da estrada para Nova Venécia. Almoçamos na estrada e chegamos, de volta, às 14. Descansei um pouco; li; pratiquei algo de ginástica antes do banho. Aguardei a janta. Hoje pela manhã saquei fora o bigode… Desde 11 de abril ele estava “proliferando”…
15/5/50 (segunda-feira)
Saímos à hora de costume, de manhã, pela estrada São Mateus-Linhares. Fomos até o rio Barra Seca (mais ou menos a metade do percurso da estrada). Voltamos, então, realizando o levantamento na direção de São Mateus.
No córrego Cachimbau (35 km para São Mateus) tomamos por uma estrada secundária, onde atolou-se o jipe logo na saída (a uns 200 metros da estrada principal). Eram mais ou menos 11 hs. Trabalhou-se até as 14,30 sem resultado. Voltei, em ônibus, para São Mateus, enquanto Paulo e o chofer tentavam o reboque do jipe por um caminhão. Nada conseguiram, e o jipe (um peso danado) está dormindo no atoleiro. À tarde, e noite, no hotel, sem novidades…
16/5/50 (terça-feira)
Passei o dia todo no hotel, lendo a Geology, e em trabalho de escritório. Somente à tarde o jipe chegou. Recebi carta de casa e de meu amor (2). Não há novidades a relatar, a não ser (e não é novidade…) que sonho com meu regresso, e conto os dias…
17/5/50 (quarta-feira)
Viajamos, pela manhã. Almoçamos no hotel, entretanto. À tarde, após descanso, trabalhei com números e cálculos… Comecei a escrever para meu amor e não foi possível terminar. À noite, como de costume, sentei-me em frente do hotel, à espera da hora de dormir.
18/5/50 (quinta-feira)
Dia da Ascensão, feriado. Para nós, aqui no mato, não foi feriado, entretanto. Saímos pela manhã, almoçamos na estrada e chegamos ao hotel às 17,30, ao escurecer. Depois da ginástica e banho, jantei. Então, à espera da hora de dormir, para variar. Noivinha querida, deves ter observado minha falta de assunto. Mas, é que o cansaço e o tédio desta minha vida decorrentes, amarram o pensamento e prendem-me as mãos. Tua cartinha, que ontem iniciei, nem pude terminá-la hoje. À noite, aqui, não é possível escrever ou ler: a luz é péssima.
19/5/50 (sexta-feira)
Saímos pela manhã rumo a Nestor Gomes, povoado a 42 km. de São Mateus, na estrada para Nova Venécia. Apanhamos cavalos e seguimos até a Cachoeira das Palmas, no córrego de mesmo nome. Voltamos a tempo de almoçar em Nestor Gomes, na casa de um fazendeiro do lugar. Percorremos trechos da estrada, rebentamos uma porteira… (e consertamos!…) e chegamos ao hotel ao anoitecer. Dia trabalhoso, enfim.
Mapa desenhado pelo autor. |
20/5/50 (sábado)
Para variar, dia cansativo. Saímos de manhã, atravessando o rio São Mateus (a balsa) e viajamos, sem parar, até as 16 hs., quando nos dirigimos a Conceição da Barra, à procura de gasolina para o jipe (e não havia…). De volta ao hotel, às 18,30. Estou sujo e barbudo. Não houve tempo para “toaletes”, hoje… Meu amorzinho, quão doce me seria tua presença agora. Os meus dias, em todas as suas horas, são tediosos e cansativos, vazios de significado assim, sem ti. Ao voltar da rotina de cansaço diária, quem me dera que te encontrasse… Faminto de carinho e de teu amor, muitas vidas eu tivesse, e todas dar-te-ia, em troca de tua presença adorável, por um pouco. Noivinha amada, já nem sei escrever. Mas, de uma coisa estou certo, de uma coisa jamais olvidarei: que te amo muito mais que a própria vida, que te quero meu amor, que te quero infinita e apaixonadamente. Para que tantas palavras, não? Todas elas, posso resumir em três, apenas… Eu te amo… E mais uma, ainda: Eternamente…
21/5/50 (domingo)
Saímos da manhã (8,30) para o povoado de Nativo, a fim de combinar a travessia de um dos braços do rio São Mateus. Voltamos à hora do almoço ou, melhor, voltávamos, quando se acabou a gasolina do jipe. Esperamos outro carro, que nos cedesse algo, durante duas horas. Chegamos ao hotel às 16… e sem almoço. Depois, banho e janta. À noite, como de costume…
22/5/50 (segunda-feira)
Todo o dia, no hotel. De manhã, aproveitei o tempo em lubrificar minha pistola, e num trabalho de datilografia. À tarde, datilografei recibos. Após banho e janta, esperei a hora de dormir.
23/5/50 (terça-feira)
Ponte (em construção) sobre o rio Itaúnas. Vista do avarandado do nosso alojamento. Conceição da Barra, ES, maio de 1950. |
Deixamos São Mateus, finalmente. De manhã cedo, arrumei minha bagagem pouca. Depois do café, saímos, rumo ao acampamento da turma q. está construindo a ponte sobre o rio Itaúnas, à margem deste, a mais ou menos 75 km para o norte de São Mateus, e próximo à fronteira baiana. Vamo-nos hospedar no “palacete” de Carlos San Gil, o engenheiro, um espanhol simpático e engraçado. Chegamos às 12,30, abaixo de chuva. Lanchamos (a fome era grande). Depois, enquanto Paulo e San Gil saíram no jipe, permaneci “em casa” lendo e copiando um mapa. O lugar é bonito, mas o próprio “fim do mundo”. Com chuva, então, é a encarnação da tristeza. Uma dor de cabeça levantou-se comigo, hoje, e me está acompanhando. Assim, não estou só… Se Deus quiser, em mais uma semana (ou 10 dias), teremos completado o Espírito Santo. Em suma: de manhã: viagem; à tarde e à noite: lendo um pouco, para distrair-me… Hoje não houve nem almoço nem janta, mas dois “lanches” regulares.
24/5/50 (quarta-feira)
Ontem à noite, Paulo e Carlos partiram, com o jipe, à procura de socorros para um caminhão, e pensavam dormir em São Mateus. Talvez cheguem, hoje, depois do almoço. Devem ser umas 10 horas, agora, e estou só de corpo e alma, no “chateau” do acampamento. Já li A vingança do judeu, um livreco que encontrei numa prateleira, aqui em casa. Já visitei as obras da ponte, e batei algumas fotos. Voltei para casa. Bebi uns goles de vinho do Porto, por não ter o que fazer… Caminhei de cá para lá, pois não quero ler de novo. Busquei socorro ao tédio mental nestas páginas amigas que, em silêncio, compartilham de minhas saudades, dos meus pensamentos, de minhas últimas ilusões… Páginas amigas, daí socorro à angústia do meu coração!… Na paisagem bela e silenciosa, lá fora, os operários trabalham e, em suas funções, preenchem suas horas. O jipe deve estar trilhando estradas, neste momento. E o vazio enche-me a vida… O silêncio é quebrado pelo ruído de um motor. Vozes ecoam através do espaço iluminado pelo sol. Um silêncio profundo domina minh’alma sem luz, anelante de uma presença carinhosa de mulher, de um carinho, de muito, muito amor… Estás tão longe, minha amada, tão longe dos meus olhos que tanto te desejam ver! Mas, tão próxima de minha vida, que meus minutos são teus, como eu mesmo te pertenço… Quando perto de ti, não sabia; agora percebo que és minha vida… As palavras exprimem tão pouco, dos muitos sentimentos que dominam o coração, e tu mesma o disseste, em uma cartinha, que me sinto impotente em revelar-te quanto te quero. As sílabas, as palavras chocam-se umas contras as outras, e escondem a grandeza do quanto eu desejava dizer-te… Não importa, minha amada, pois dentro em breve, poderás ler em meus olhos, um pouco mais, talvez, de meu grande amor.
——–
Arrastam-se as horas… Passa mais um dia de aborrecimentos, de solidão sem trabalho, sem distração. Em casa, na minha distante Porto Alegre, é um dia de festas, casamento de Isolina. Quem me dera que eu pudesse estar lá, agora, por um instante, embora!
——–
Depois do almoço, li um tanto; descansei um pouco, para tornar a ler, até que a tarde se fosse. À noite, depois da janta, esperei a volta de Paulo e Carlos. Conversamos um pouco, sobre muita bobagem… até a hora de dormir. Mais acostumado, já, com a cama dura (sem colchão, sem travesseiro), penso dormir algo melhor que ontem… Noivinha amada, boa noite! Não te esqueças de mim!
25/5/50 (quinta-feira)
Manhã de outono. Céu puramente azul, de um dia ensolarado. A paz, a tranqüilidade, o brilho e a beleza da paisagem que meus olhos descortinam, penetra pouco a pouco em minh’alma. Quão bom é o viver; como é bom sonhar! Recordo minha felicidade. Penso em meu amor… À mente, me ocorrem as palavras da canção:
Um cantinho e você
E uma rede ao luar…
Uma vela a correr
Num pedaço de mar…
Na paisagem tranquila, um sussurro,
Um beijo depois,
Para nós dois.
Basta isso… e também o que a gente não diz…
Para um quadro feliz!
Um sorriso, um olhar
E um aperto de mão…
Todo um sonho a vibrar
Numa linda canção!
Felicidade, afinal,
Vive do pouco que tem:
Um cantinho e você
E mais ninguém…
Quantos dias faltam, meu Deus, para que a vida recomece, outra vez, em meu coração?… para que o prazer dos olhos se possa aliar à alegria do coração, e que eu bendiga esta vida que Tu me deste, e a torne produtiva!
——–
Li muito, pela manhã, enchendo o tempo neste acampamento em Rio Itaúnas, enquanto o jipe leva socorro ao caminhão daqui. Ainda, antes do almoço, tentei consertar minha pistola, o q. consegui após o almoço. Dormi um pouco (até 14 hs) e li ainda mais um pouco, até a chegada do jipe e caminhão. Já estava em tempo, essa vinda, pois eu já abandonara, entediado, a leitura. Durante o resto da tarde, observei os consertos no jipe e no caminhão. Após a janta, esperei pela hora de dormir. Os pensamentos voaram para longe deste rincão perdido, para bem longe no espaço e no tempo…
26/5/50 (sexta-feira)
Acampamento de São Gil. Rio Itaúnas, Conceição da Barra, ES, maio de 1950. |
Ainda com o acampamento do Rio Itaúnas como sede. Hoje viajamos todo o dia. De manhã cedo, o jipe deu trabalho! Depois, resolveu funcionar. Saímos às 9. Voltamos às 17, quando começava a escurecer. Depois destes dias de calma, parado no acampamento, estranhei as atividades de hoje, e me sinto algo cansado. Espero a janta, agora. Depois, terei de dormir, é claro, pois aqui (além de ser, o lugar, o fim do mundo), só dispomos – como distração noturna – da cama. E esta, bem dura e desconfortável. Estou com os olhos ardendo, pela falta de luz. Está na hora de acender o lampião. E o cansaço, realmente, tomou conta de mim. Mas não tanto, que me impeça de pensar em ti, noivinha amada! Até breve, amor!…
27/5/50 (sábado)
Dia cheio de trabalho. De manhã, após as “manhas” que se estão fazendo tradicionais, o jipe resolveu partir, rumo ao “front”, às 8 mais ou menos. Voltamos às 4 da tarde, arrumamos bagagens, etc. etc. e novamente saímos para a estrada. Objetivo: jantar e dormir em São Mateus. Pois, a missão em Rio Itaúnas, está ok. Chegamos às 20 h. em São Mateus. Após algumas “abluções”, a janta. Depois, dormir… Um tremendo cansaço. Uma tremenda saudade…
28/5/50 (domingo)
Em São Mateus. Dia vazio, de melancolia. De manhã, depois do café, li um pouco. Fui até a praça, e lá fiquei até as 10. Depois, dirigi um pouco o jipe, passeando até a hora do almoço. À tarde, depois de breve descanso, escrevi para meu amor e para casa também. Após a janta, fiquei à porta do hotel “charlando” um pouco, à espera da hora de dormir. Mais um dia passado. Mais um domingo perdido!…
29/5/50 (segunda-feira)
Em viagem. Saímos cedo, para Conceição da Barra (8). Entramos na praia com o jipe, e seguimos até o lugar chamado “Guaxindiba” (5 km.), numa praia belíssima. Voltamos a Conceição, para tratar de vários assuntos. Almoçamos no hotelzinho da cidade. Voltamos para São Mateus, onde chegamos às 14,30 apenas. Aproveitei para um pouco de descanso e ginástica, então. Agora são 14,30 e me preparo para o banho. O dia está muito belo, mas bastante quente. A noite será, provavelmente fria (como nos últimos dias) e certamente banal e vazia para mim. Vou sonhar, mais outra vez (e já estou…) com a noivinha adorada, lá longe, na querida terra gaúcha… Amor meu, como são lentos esses dias de separação!
30/5/50 (terça-feira)
Penúltimo dia, de um mês interminável! Tentamos realizar, hoje, uma das nossas últimas tarefas: percorrer a praia, desde Nativo (ao sul) até Conceição da Barra (ao norte). Não conseguimos chegar ao ponto inicial do trabalho (Nativo) pela falta duma ponte que as “inteligências” (ou intelejumências?…) do município resolveram pôr abaixo para, depois, reconstruir. Saíramos do hotel às 5,30 da manhã e, às 7,30, estávamos de volta. Aproveitei a manhã descansando. Escrevi para Samuel Torres. À tarde, sesteei um pouco. Ajudei Paulo nuns cálculos de topografia. Barbeei-me. Depois do banho, fiquei à espera do jantar. À noite tentei ler. Depois, matei um pouco do tempo no bar, olhando o bilhar… 24,30: Dormir!
31/5/50 (quarta-feira)
Último dia de maio, graças a Deus! Cada dia passado é, para mim, como uma vitória… Tive, hoje, um dia cheio de peripécias. Saímos às 8, para Conceição da Barra. Em balsa improvisada, 5 km. adiante, atravessamos a barra do Itaúnas (no local denominado “Guaxindiba”). Um perigo danado, a tal travessia. Fomos pela praia até o riacho Doce, fronteira com a Bahia, cujo território divisei pela primeira vez. Voltamos com a maré enchendo, arriscados a ser presos na praia (pois hoje é dia de lua cheia, maré grande, por conseguinte). A nova travessia, na Guaxindiba, foi um pavor. Com a maré enchente, o mar e a barra do rio ficam agitados, e nossa balsa era super-à-toa… À chegada em Conceição da Barra, faltando 1 km., o jipe resolveu parar na praia (13 horas). O mar avançava, e já lavava os pneus do grevista, quando se conseguiu um auxílio de alguns homens, para colocá-lo fora do alcance do mar. Mais um pouco, e adeus jipe! (16,30 hs). Com alguns empurrões em terra firme, o miserável funcionou. Às 17,30 saímos de Conceição da Barra rumo a São Mateus. A estrada (na saída) fica coberta pelas águas, quando há marés grandes, e era o caso. Tentamos passar, molhou-se o motor e… Os “maruins”, pequenos mosquitos terríveis, começaram a chegar e, nada de se poder sair do tal mangue… Afinal às 18,30 (com alguma ajuda, empurrões etc.) safamo-nos, graças a Deus. E estávamos, ainda, a alguns metros de Conceição… Em São Mateus, às 20 horas. Passei todo o dia com uma terrível dor de cabeça que, somente às 22 mais ou menos, passou. Não jantei mas, antes de dormir, e acalmada a dor de cabeça, bebi alguns copos de leite com acompanhamentos, no bar da esquina…
1º de junho de 1950 (quinta-feira)
Começa tristemente o mês de junho. Uma chuva impertinente cai, lá fora, e faz um pouco de frio. Jipe em conserto, nada há para fazer, hoje, além de algum serviço de escritório. A monotonia deste ambiente cinzento passa a fazer parte da alma da gente, que parece se tornar vazia e sem inspiração. Não desejo ler. Não consigo escrever. Passou-se a tarde, terrivelmente triste, horrivelmente chuvosa, lentíssima. Superlativamente aborrecida. Após o jantar, caminhei pelas calçadas molhadas, até o bar “da esquina”; tomei um cafezinho. Voltei ao hotel. Às 21 mais ou menos, recolhi-me ao “bed-room”.
2/6/50 (sexta-feira)
Amanheceu um dia magnificamente chuvoso. Um céu muito azul, em que o sol domina soberano, esconde-se totalmente: ninguém o vê. As lindas nuvens escuras (um cinza-negro notável!…) abarcam-no de horizonte a horizonte, enquanto o aguaceiro rola, banhando gratuitamente a Natureza, e quem se aventura a ela, lá fora… Gotejam os beirais do hotel, gotejam os coqueiros, gotejam, gotejam, gotejam… Cai, agora, um pingo em minh’alma!… Paro de escrever, então.
——–
De manhã e à tarde, enquanto chovia lá fora, trabalhei (na parte de cálculo) em serviço de escritório. Esperava-se a chegada, pelo ônibus de Vitória, de uma peça essencial ao jipe. Não chegou!… À noite, uma noite horrível, nada para fazer; à espera da hora de dormir. Quando chegar a tal peça (induzido pelo gerador) iremos, de imediato, para Vitória e, então, estará concluída minha missão no Espírito Santo. De Vitória seguiremos para Bahia e, voltando desta, não mais passaremos por terras capixabas.
3/6/50 (sábado)
Como já é de costume, aqui, amanheceu chovendo muito, e nem sei quando sairemos daqui… De manhã, continuei meu trabalho de cálculo. À tarde terminei. Escrevi para meu amor, e não me foi possível terminar, tal a falta de inspiração. Após a janta descansei um pouco, antes de ir ao “bar” buscar distração para os olhos… À tardinha, chegou, de Vitória, Carlos San Gil. Trouxe-me uma cartinha da noivinha amada. Muito curta, mas a primeira após muitíssimos dias… À noite, no hotel.
4/6/50 (domingo)
Em preparativos para viajar – talvez – amanhã. Depois do almoço, fui ao culto da Igreja Batista. À tarde, no hotel, terminando os quefazeres. À noite idem.
5/6/50 (segunda-feira)
Saímos cedo, a fim de terminarmos o levantamento do trecho. São Mateus-Linhares, da estrada de rodagem para Vitória. Chegamos ao hotel, em Linhares, com o trabalho pronto, às 18 (65 km mais ou menos). Logo depois, jantamos. Não há luz, aqui, agora. Os lampiões a querosene funcionam, pois. Deitei-me às 20,30…
6/6/50 (terça-feira)
Trabalhou-se de Linhares até Sauaçu (63 km) e desta vila, para diante, mais 11 km (até o povoado de Grapuama). Voltamos à pensão dos Bitti; jantamos e dormimos em Sauaçu, pois. Dia cansativo. Trabalhou-se das 8 às 18.
7/6/50 (quarta-feira)
Viajamos de Sauaçu à vila da Barra do Riacho, por uma estrada miserável, e o trabalho foi na própria estrada. O jipe recomeçou com suas manhas. Voltamos de Barra do Riacho, chegando a Sauaçu às 15 h. Resolvemos tocar para Vitória, pois Paulo não quer trabalhar amanhã, “Corpus Christi”. Chegamos às 18. Pernoitamos no hotel Sagres.
8/6/50 (quinta-feira)
Rua Jerônimo Monteiro, com vista do Hotel Tabajara. Vitória, ES, fevereiro de 1950. |
Rua Jerônimo Monteiro, com vista do Hotel Tabajara. Vitória, ES, fevereiro de 1950.
Rua Jerônimo Monteiro, com vista do Hotel Tabajara. Vitória, ES, fevereiro de 1950.
Dia santificado católico-romano. Estou em Vitória. Dormira no hotel Sagres por falta de quarto no Tabajara (não havíamos avisado). Hoje de manhã nos mudamos, então, para o Tabajara. À tarde descansei algo. Após o banho, observei a procissão. Depois da janta, dei uma caminhada. Voltei ao hotel.
9/6/50 (sexta-feira)
Foz do rio Reis Magos. Nova Almeida, Serra, ES, abril de 1950. |
Um entardecer no Rio Doce, ES, abril de 1950. |
Dia de trabalhos. Saímos às 8,30 rumo a Aracruz. Na chegada a esta cidade, o jipe deixou de funcionar. Depois de muito esforço despendido em vão, rebocou-se o “doente” até Vitória (uns 65 km), onde chegamos às 18,30. Eu, tremendamente cansado e sujo… Depois de ótimo banho e boa janta, assentei-me à frente do hotel. Depois de um “guaraná”, voltei ao meu quarto, para dormir (21 h.).
10/6/50 (sábado)
Em Vitória. Dia comum, de malandragem… De manhã, descansei algo. Escrevi para meu amor e coloquei a carta no Correio. À tarde: descansei para variar, lendo um pouco também. Passou-se, monótono e triste, mais este dia. À noite andei pelo centro da cidade, fui até o clube Almirante Saldanha da Gama, onde assisti a um fraquíssimo “show”. Voltei às tantas da madrugada… (1h 30’) de domingo.
11/6/50 (domingo).
Praça Costa Pereira. Vitória, ES, maio [ou fevereiro] de 1950. |
Em Vitória. Às 9 levantei-me. Fui ao culto da 1ª. Igreja Batista e comunguei. Voltei ao hotel para o almoço. Depois, uma bela sesta… Li um pouco. Passou-se a tarde, uma notável tarde de outono, perdida… Após a janta, para variar de programa, fui até a praça Costa Pereira.
12/6/50 (segunda-feira)
Luiz Edmundo Appel em Vitória, ES, março de 1950. |
Em Vitória. Hoje, feriado estadual capixaba (dia de Domingos Martins). Passeei pela praia do Canto, de manhã. À tarde, assisti à matinê no cine Trianon, em Jucutuquara. Após a janta, à noite, caminhei mais um pouco, bebi o clássico guaraná e… toca a dormir. Estava cansado, mesmo. De Porto Alegre, estou sem notícias. Quando escrevo pouco, meu amor escreve menos ainda… E as saudades aumentam.
Tú, donde estás…
Yo quisera saber de tu vida!…
Estou necessitado de teu amor, querida minha!
13/6/50 (terça-feira)
Em Vitória ainda. Dia comum, folga… Saí a buscar um maço de fotos no fotógrafo. Voltei ao hotel, onde permaneci todo o restante da manhã, catalogando e ordenando as tais fotos. Pensei em ti… Sonhei contigo, noivinha muito amada. Amanhã faremos, Paulo e eu, uma viagem de avião, espécie de observação geral à zona em que trabalhamos, neste Estado. Tarde: no hotel. Escrevi para meu amor e para casa. Noite: idem.
14/6/50 (quarta-feira)
Vista aérea da vila de Barra do Riacho. Aracruz, ES, 14 de junho de 1950. |
Levantei às 6. Após o café, seguimos para o Aeroporto. Às 7,30 levantou vôo o “teco-teco”, no qual seguíamos em nossa missão final, neste Estado. Às 11,30 estávamos, de volta, no Aeroporto. Atravessamos todo o norte do Estado, e chegamos à fronteira baiana. Descemos na praia próxima ao riacho Doce (q. é a linha divisória interestadual). Foi boa, a viagem, e sem percalços de espécie alguma. Colhemos algumas observações interessantes. O aparelho, aparentemente frágil, não comportava mesmo, nem mais uma palha… À tarde, após o almoço, tirei uma “soneca”. Fiz algumas compras; aguardei a hora do banho e janta. À noite, com Paulo e Cláudio Cavalcanti, fui… até a praça Costa Pereira, pois não há outro lugar para se ir, aqui. Voltamos às 21,30. Então, dormir. Continuo à espera de notícias da noivinha, e… nada!…
15/6/50 (quinta-feira)
Dia banal, em Vitória. Um vento algo tempestuoso soprou com insistência, desde a manhã até a noite. Parecia que se aproximava chuva, mas a noite estrelada não está confirmando essa esperança. Para mim, a noite, quer bela, quer de temporal, há de ser, sempre, sombria e triste, e cheia de melancolia. Hoje de manhã permaneci no hotel até as 9. Depois, uma caminhada. Voltei, para descansar, pois quase não dormi à noite passada (e sem motivo). Após o almoço, novo descanso. Então, trabalhei até o escurecer (cálculo). Um pouco de ginástica e logo a seguir o banho. Depois, jantei. À tardinha recebi uma carta de meu amor de noivinha! Valeu imensamente, para mim, que estava cheio de tédio, esse presente. Mas, o manto pesado das saudades veio logo, trazido impiedosamente pela solidão. Vida vazia… Preciso de teu carinho, de tua compreensão, de teu amor, ó mulher dos meus sonhos!… E quanto me pesa esta demora, meu Deus! Por que tardas assim, vida de minha vida?… Já as nuvens sombrias da desesperança surgem-me no horizonte, e meus olhos cansados te buscam, e em vão, neste ermo. Até quando, Deus meu?…
Confia teus cuidados ao Senhor!
Confia nele, e ele tudo fará!
16/6/50 (sexta-feira)
Em Vitória. Dia banal, sem particularidades. Manhã e tarde, passadas no hotel (lendo e descansando). À noite, após a janta, ainda no hotel (sentei-me em uma das cadeiras que ficam na calçada).
17/6/50 (sábado)
Em Vitória. De manhã ainda permaneci no hotel durante quase todo o tempo. Fiz algumas compras. Lustrei as botas. À tarde: descanso de não fazer nada… À noite, caminhada pelo centro. Fui (às 22) ao Clube Vitória, onde deveria haver um “show”. Pouca animação, mas vim a deitar às 2 da manhã (de domingo).
18/6/50 (domingo)
Triste domingo cinzento. Chuva contínua alagou as ruas de Vitória hoje. De manhã, assisti ao culto na 1ª. Igreja Batista. À tarde fiquei no hotel, observando… a chuva. À noite, pensava em dormir cedo. Fui convidado a ver Casbah no cine Carlos Gomes, e terminei indo mesmo.
19/6/50 (segunda-feira)
Em Vitória, sem programa ainda. De manhã, fiz compras só, e acompanhado, mais tarde… (Sirenuza). À tarde, permaneci no hotel. Descansei e… descansei. À noite, sempre no hotel, em “minha” cadeira, na calçada. Antes de deitar, um guaraná no “Sagres”.
20/6/50 (terça-feira)
Hontem, ou melhor, ontem, ficou pronto nosso jipe (às 22 horas…) dos consertos de oficina. Hoje de manhã saímos, e corremos estradas até meio-dia, quando chegamos de volta ao hotel, para o almoço. A tarde, bem como a noite, vazias. Recebi carta de meu amor. Retribuí, escrevendo logo também, e colocando no Correio.
21/6/50 (quarta-feira)
Saímos às 6 da manhã, Viemos trazendo o levantamento da estrada de rodagem Linhares-Vitória, desde Grapuama até a encruzilhada, de onde sai a estrada para Manguinhos. Concluímos o trecho que faltava, no ramal de Aracruz. Em suma, dia trabalhoso. Voltando, chegamos ao hotel pelas 16,30. Nada mais, em questão de novidades. À noite, fui novamente ao cinema (Homem em fuga).
22/6/50 (quinta-feira)
Saímos às 8 da manhã. Trabalhamos até às 11, e concluímos o levantamento da estrada de rodagem, ao chegar à Ponte [da Passagem] que liga Vitória ao continente. Almoçamos no hotel. À tarde, saí à direção do jipe, a fim de treinar nos locais em que costuma ser feito o exame de motorista aqui em Vitória. Conclusão: na volta, fui “conduzido” à delegacia de trânsito, e tive de pagar a multa (Cr$ 200,00… azar…) por estar dirigindo sem a respectiva carteira. À noite visitei uns amigos. Na volta, li um pouco, e terminei deitando às 24…
23/6/50 (sexta-feira)
Em Vitória. Levantei às 8,30… e passei a manhã toda no hotel, em vagabundagem; à tarde, porém, trabalhei em cálculos, até as 18. Desde sábado passado, chove intermitentemente. Hoje, com alternativas, houve sol e houve chuva. Neste instante, ao escurecer, o céu está totalmente encoberto, e parece que o mundo desabará… Meu espírito parece-se, hoje, com o tempo reinante… Mais nuvens escuras, mais chuva, mais tristezas, [do] que sol, sol, céu azul, alegria. Quando tornarei a ver minha Porto Alegre?…
24/6/50 (sábado)
De manhã, trabalhando, ainda, em continuação de ontem (cálculo topográfico). À tarde descansei um pouco. Estudei; pratiquei ginástica. Depois, banho e janta. À noite fui ao Saldanha da Gama, convidado à festa joanina. Muita gente, muita animação. Muito tédio para mim. Até quando estarei só, noivinha querida?…
25/6/50 (domingo)
Dormi e descansei durante o dia inteiro. Não saí do hotel a não ser após a janta, quando dei breve caminhada. Tipo do domingo pavoroso: nem à igreja fui, hoje. Creio haver levantado “com o pé esquerdo”… Indisposto, sem graça, passei mais um domingo, destes muitos domingos perdidos. Ontem foi inaugurada uma grande exposição pecuária em Itacibá (arrabalde desta Capital), e hoje, toda Vitória parecia para lá se dirigir. Paulo e demais companheiros foram-se, no jipe, enquanto eu ficava… Enfim, terminou-se o domingo, graças a Deus!
26/6/50 (segunda-feira)
De manhã, terminei meu trabalho de cálculo. Fiz algumas compras, também. À tarde caminhei um pouco, pensando despedir-me de Vitória (pois pensamos partir amanhã, para não voltarmos jamais, provavelmente). À noite, descansar para dormir. Num impulso de momento, fui ao Carlos Gomes, ver um filme de bichos…
27/6/50 (terça-feira)
Para variar, perdemos mais um dia, e somente amanhã (talvez…) deixaremos Vitória. Visitei, de manhã, a “famigerada” exposição, em Itacibá, muito bem instalada, e interessante mesmo. Voltei à hora do almoço. À tarde, descanso. À noite, arrumação de malas.
28/6/50 (quarta-feira)
Gastamos parte da manhã obtendo os últimos recibos dos nossos gastos em Vitória. Chuva forte. Somente ficamos prontos para viajar às 10,30. Desistimos, então. À tarde descansei e fiz algumas compras. À noite, como “despedida” social, fui até o clube Álvares Cabral, assistir outra festa joanina (ou “pedrina”?…). Deitei às 3,30 de
29/6/50 (quinta-feira)
Levantei às 5,30. Às 6, após o café, saímos rumo a São Mateus. Almoçamos em Linhares, e chegamos às 5,15 em São Mateus. Sono e cansaço a valer! Mesmo assim, não foi possível dormir logo, devido ao barulho infernal dos foguetes e “busca-pés”. Em suma: viagem durante todo este dia.
30/6/50 (sexta-feira)
O jipe em frente ao Hotel Brasil. São Mateus, ES, junho de 1950. |
Saímos de São Mateus às 9,30, rumo a Nanuque (fronteira Minas-Bahia-Espírito Santo, mas em Minas Gerais). Almoçamos no acampamento do rio Itaúnas (onde já paramos alguns dias). Chegamos a Nanuque às 3,30 da tarde, nos instalando no hotel Nanuque. A cidade parece-me progressista; em franco desenvolvimento. Por ela passa um ramal ferroviário, que se dirige a Caravelas, o qual aproveitaremos, e é o porquê de nossa vinda até aqui. Mas, progressista embora, Nanuque é um verdadeiro “fim de mundo”, com ruas esburacadas, sem calçamento, formando verdadeiros lamaçais. Abraça a cidade, embelezando-a, o rio Mucuri, encachoeirado e largo, e que ontem atravessamos por uma ponte de madeira (muito boa, aliás) que se situa frente à cidade. O hotel é um belo casarão (ou foi…), agora muito mal cuidado mas conservando vestígios de um melhor passado. Encontrando Carlos San Gil, com ele demos uma caminhada, à noite, e jantamos também com ele. Deitei-me às 9,45. Não há luz em meu quarto, nem cobertor, e faz frio à noite, aqui.
1º/7/50 (sábado)
Após o café, preenchi o formulário do Recenseamento. Paulo, à procura de uma peça para o jipe. Eu, no hotel, barbeei-me e procurei descansar o restante da manhã, bem como “saquei” como lembranças algumas “fotos”. À tarde, descansei, de “papo pro ar”… Aliás, não há nada para fazer, aqui, a não ser esperar pelo embarque para Caravelas. À noite permaneci em meu quarto, enquanto Paulo e Luiz iam ao Circo.
2/7/50 (domingo)
De manhã, permaneci no hotel, sempre descansando de descansar… À tarde, com mais alguns companheiros, fiz um belo passeio até o monolito que domina a cidade; devia ter levado a máquina fotográfica. Não a levei, e lamento. Voltei quando já escurecia. Aguardei o café (aos domingos não há janta, aqui). À noite, finalmente, fui ao circo, ver as “touradas” de que todo mundo fala, em Nanuque. Um espetáculo fraquíssimo; serviu apenas para distrair e passar o tempo. Voltei para o quarto às 22,30. Meu espírito parece-me separado do corpo, atualmente, e outra vez tenho a impressão de que esta minha vida atual, nada mais é do que um sonho demorado, custoso de terminar… Falta de adaptação? Ambições outras? Saudades? Ilusões? Não tento responder a tais questões, a fim de não tornar ainda mais penosos estes meus dias de jornada. O que é certo, porém, é estar meu coração, meu pensamento, longe daqui, muito longe… Mais um domingo, mais um dia passado, de separação, de insatisfeitos desejos. Estou sempre e sempre à espera de um dia, do dia, em que receberei, enfim, o presente à minha eterna esperança…
3/7/50 (segunda-feira)
São 8,30 da manhã; dia sombrio em que pensamos viajar até Caravelas, pela Estrada de Ferro Bahia e Minas. Faço minhas malas e pacotes agora, pois a partida deve ser logo após meio-dia. Saímos às 13,15. Percorremos 4 km. e, repentinamente, o trem parou, em meio de bastante poeira. Motivo: descarrilamento do “tender”. Um pouco mais, e talvez isso ocasionasse o tombamento da locomotiva e, quem sabe, dos próprios carros… Perdeu-se 3 horas, à espera de socorros, e da colocação do “tender” sobre os trilhos. Viajando mais vagarosamente, devido ao péssimo estado da linha, fomos chegar a Caravelas somente às 2 da manhã de 4 (terça-feira), com um sono terrível.
4/7/50 (terça-feira)
Dormimos, das 2 às 6, no próprio jipe. Este, completamente carregado, tivemos de nos acomodar, os três, nos bancos da frente. Aí apertados, sentados, para descansar… Às 6 pude, graças a Deus, sair do malfadado dormitório, e procurar hotel. Instalamo-nos, após tirarmos o jipe da prancha, no hotel Caravelense, na rua do Porto. Isso pelas 9 horas. Descansei o restante da manhã. Barbeei-me. À tarde, após o almoço, fizemos uma excursão até Ponta da Areia, uma vila próxima. À noite, após a janta, fui até o cinema, ver o cartaz. Voltei ao hotel. Ouvi um pouco de rádio. Dormir às 21. Enviei um telegrama para meu amor. Escrevi uma carta.
5/7/50 (quarta-feira)
Viajando, durante todo este dia. Saímos às 7 h., no jipe, e fomos até a cidade de Alcobaça, do outro lado do rio Itanhém, o qual atravessamos em balsa. Como Caravelas, Alcobaça é uma cidade velha, com muitos casarões antigos a lhe darem um aspecto muito particular. Tocamos para frente, em uma estrada pavorosa, de areia, até chegarmos à cidade de Prado, do outro lado do rio Jucuruçu, o qual também atravessamos em balsa, ou melhor, pensávamos atravessar. Devido à maré baixa, não foi isso possível. Deixamos o jipe e atravessamos o rio em canoa, para almoçar e combinar a viagem, a cavalo, de Prado a Belmonte (“apenas” 9 dias a cavalo…). À tarde, voltamos a Alcobaça, e penetramos um pouco (40 km) na estrada para o “Sertão de Alcobaça”. Jantamos e dormimos na pensão de Alcobaça. Não há luz.
6/7/50 (quinta-feira)
Todo o dia em viagem, de jipe. Viajamos de Alcobaça para Prado. Desta vez atravessamos o jipe, para o outro lado do Jucuruçu, para a cidade. Seguimos logo pela estrada (estrada?) que vai a “Escondido” (vila), à procura do contato cristalino, que encontramos em “Córrego das Pedras”, a uns 60 km de Prado. Voltamos (sem almoço) até esta cidadezinha, onde lanchamos às 15 h. Então, ficamos à espera da hora favorável à travessia do Jucuruçu. Fizemo-la às 18 horas, já em pleno escuro, e nos dirigimos a Alcobaça. Havíamos jantado em Prado, antes de sair, e tornamos a jantar em Alcobaça, ao chegar… Dormimos outra vez na pensão, em Alcobaça.
7/7/50 (sexta-feira)
Todo o dia, ainda em viagem. Saímos de nosso pouso, e novamente penetramos, pela estrada do “sertão de Alcobaça”, desta vez até o lugar chamado “Cascata”, além da “Serraria”, a uns 70 km. da sede do município. Voltamos para almoçar, na pensão. Depois, voltamos para Caravelas, onde chegamos às 17h. Depois disso, barbeei-me e tomei um belo banho, já muito necessário… Escrevi um carta “importante” para o Presidente do C.N.P., antes da janta. Depois, tratei outra vez da “tal” carta: pedido de licença, para fins deste mês. Datilografei-a, etc. etc. Então, dormir (21,30 horas).
8/7/50 (sábado)
Paulo viajou, hoje, para Nanuque, deixando-me bastante trabalho aqui, em Caravelas. De manhã, desenhei um mapa – errado… À tarde, comecei tudo de novo, e trabalhei enquanto houve luz. À noite, tratei de dormir, isso pelas 20,30…
9/7/50 (domingo)
Ontem, aniversário da noivinha, foi um dia duro para mim. A primeira coisa que fiz, foi enviar-lhe um telegrama, de manhã cedo. Depois, não houve tempo para mais nada. Desenhando de pé, meio encurvado, em mesa imprópria, eu estava “bombardeado” à tardinha, e com os rins em miséria, além dos olhos… Hoje, para variar, desenhei durante toda a manhã e um pedaço da tarde, ganhando uma bela dor de cabeça com isso… Terminei, enfim, a tarefa, e descansei o restante do dia, já que nada há para fazer ou ver, na rua. Aliás, numa rápida saída, escutei o fim da partida de futebol Brasil x Suécia, pelo campeonato mundial (Brasil 7 – Suécia 1…). Vivo, agora, na expectativa da volta… Oxalá me seja concedida, mesmo, a licença que requeri. Assim, voltando cansado da viagem puxada, até Belmonte, poderei descansar em… Porto Alegre!…
Em viagem sobre a ponte do rio Preto, próximo a Nova Almeida. Serra, ES, junho de 1950.
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Nota da Estação Capixaba – Segundo Luiz Carlos Seara Appel, filho do autor do Diário, haveria um outro caderno anterior a este que se perdeu. É fácil concluir isso pela datação de uma das fotos e também pela ausência de relatos sobre eventos anteriores à data de 28 de abril, como, por exemplo, sua chegada ao Espírito Santo, o que o autor não deixaria de fazer, considerando que fez anotações diárias como se pode verificar a seguir. As legendas das fotografias foram produzidas pelo próprio autor, nós apenas fizemos algumas interferências que julgamos necessárias à compreensão pelo leitor.
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© 2011 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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Luiz Edmundo Appel era gaúcho de Santa Maria, nasceu em 1924 e faleceu em 2006. Engenheiro de Minas, Metalurgia e Geologia, realizou levantamentos topográficos no Espírito Santo.
Muito linda gosto muito ler sobre as coisa do passado a gente tem uma história linda sou de Unaí
Nasce em 1950 hoje vivo em mais de mim cidade obrigado.