Posição atual do problema de aclimatação
Conforme foi reconhecido nas reuniões de 1909, 1911 e 1912, respectivamente em Haia, Brunswick e Bruxelas, do Instituto Colonial Internacional, e no Congresso Colonial Alemão de 1910, ainda está muito longe de ser resolvido o problema da aclimatação.[ 1 ] Nessas ocasiões, a divergência foi a ponto de atingir muitos aspectos da proposição do problema.
Considerou-se necessária a distinção clara entre aclimatação do indivíduo e aclimatação da raça. A Comissão nomeada pelo Instituto para tratar da matéria (membros: Hubrecht, Dryepondt, conde Hutten-Czapski e Rathgen) definiu ambas as idéias assim: aclimatação de indivíduo é “la possibilité pour un individu déterminé de s’adapter physiologiquement aux conditions du nouveau milieu, pour un terme déterminé qui peut même être la durée de son existence”. Aclimatação de raça, por sua vez, é “l’adaptation au climat de toute une population non seulement pour la durée de la vie des premiers arrivants, mais aussi de leur progéniture, conservant de génération en génération les qualités distinctives de leurs ascendants, sans aucun mélange de sang indigène”.[ 2 ]
Segundo esse conceito, só haverá perfeita aclimatação se a população transplantada para os trópicos e seus descendentes não experimentaram mudanças fisiológicas ou psicológicas em virtude das novas condições de vida. A observação antropológica, principalmente, influiu no sentido de se adotar uma definição menos rigorosa, a saber: aclimatação de raça é “l’adaptation à un climat équatorial…, de manière à produire une race adaptée au nouveau rnilieu, modifiée peut-être quelque peu dans son organisme, mais conservant les qualités essentielles des ascendents, et qui soit en outre vivace et prolifique”.[ 3 ]
Esse ponto de vista moderado foi defendido também no Congresso Colonial Alemão de 1910; Nocht, por exemplo, conceitua, então, aclimatação racial a “adaptação sadia não só dos primeiros imigrantes, mas também dos seus descendentes, de modo que estes se reproduzem de geração em geração sem mistura de sangue nativo”.[ 4 ]
Outra questão é a de determinar até que ponto fazem parte dos característicos da aclimatação a capacidade e a possibilidade de esforços físicos. A Comissão conclui o seguinte: “Ou o clima é obstáculo à colonização e, então, esse obstáculo é absoluto e não se limita aos trabalhos físicos, ou o clima não é nenhum obstáculo fundamental e, então, a possibilidade de povoar uma região com brancos acarreta, simultaneamente, a possibilidade de trabalho físico dos que lá se fixarem”.[ 5 ] Steudel vai mais longe: só considera aclimatado, o europeu que, nos trópicos, levar uma vida exatamente igual à de sua terra natal; o camponês, por exemplo, deverá ser capaz de realizar, anos a fio, 10 a 12 horas de trabalho pesado.[ 6 ]
Essa concepção foi combatida como ultrapassada por Nocht,[ 7 ] Ziemann,[ 8 ] Dempfwolff[ 9 ] e outros, os quais a acharam em desacordo com as necessidades práticas.
Se já reinavam diferenças de pontos de vista quanto à maneira de propor o problema, essas divergências se acentuavam ainda mais nas respostas às questões suscitadas.
Em geral, acordou-se em que era perfeitamente possível a aclimatação do indivíduo, ou que se poderia pelo menos, favorecê-la com medidas higiênicas, capazes de proteger os europeus durante o tempo que permanecessem nas colônias. Houve divergência com relação a quase todos os pontos do problema de aclimatação racial. A sua possibilidade nas terras altas tropicais foi admitida pela maioria; todavia Steudel e outros, e parcialmente Daenhler, contestaram-na, aludindo à influência dos raios solares sobre o sistema nervoso.
Não se formulou nenhuma conclusão sobre as perspectivas de aclimatação na planície tropical. Levando-se em conta as experiências havidas, os pareceres apresentados eram predominantemente negativos. Mas uma série de observações parecia demonstrar a possibilidade de bons resultados, em certas circunstâncias, como em clima insular (por exemplo, nas Antilhas, nas ilhas Maurício, Bourbon, etc.)[ 10 ] Os êxitos obtidos até hoje com o povoamento da parte setentrional da Queenslândia, parecem demonstrar que é possível a aclimatação permanente dos europeus mesmo na planície tropical com clima continental.[ 11 ]
Não se chegou a determinar quais são propriamente os obstáculos à aclimatação. Até que ponto influem as causas econômicas e sociais? Ou, só os fatores fisiológicos são decisivos? No corpo humano durante a permanência nos trópicos, ocorrem alterações de natureza apenas funcional ou também orgânica, provocadas pelas propriedades físicas e químicas da atmosfera (umidade, calor, eletricidade, etc.), ou pela intensidade dos raios solares, ou por certas doenças tropicais?[ 12 ]
O aspecto econômico e social do problema não foi objeto de pormenorizado exame. O fisiológico, entretanto, foi analisado aprofundadamente, sem que fossem conseguidos resultados satisfatórios. Duas correntes se entrechocavam: uma, constituída principalmente pelos médicos coloniais, atribula às epidemias próprias das regiões tropicais o malogro da colonização européia nas terras baixas da zona tórrida; a outra, em que predominavam antropólogos, considerava os elementos climáticos, principalmente os raios solares, a causa predominante, e via neles o obstáculo à colonização desses países por populações brancas.[ 13 ] Se a corrente dos médicos tem razão, existem para a colonização boas perspectivas, uma vez que a medicina já tem feito grandes progressos no combate às doenças tropicais. O ponto de vista dos antropólogos representa a orientação pessimista, uma vez que é impossível modificar os fatores climáticos.
Mas considerando que as afirmações apresentadas não podem ser provadas por nenhum dos dois grupos antagônicos, deve-se deixar a questão em suspenso: “Nossos conhecimentos ainda são muito limitados. O que sabemos, indubitavelmente, é que a raça branca tem de lutar com dificuldades para se adaptar aos trópicos, mas não sabemos se estas dificuldades são insuperáveis ou relativas”.[ 14 ]
Em suma, devemos reconhecer que falta material para se formular um julgamento definitivo.
Este trabalho, embora se ocupe menos do aspecto fisiológico que do econômico, pretende ser uma contribuição para o preenchimento dessa lacuna. As colônias de alemães no Espírito Santo constituem interessante campo de pesquisa para a questão em foco. Abrangem uma população de cerca de 18.000 colonos e representam, numericamente, o maior povoamento alemão nos trópicos. Além disso, oferece a visão retrospectiva de uma história de 70 anos; assim é que já cresce lá a terceira geração de colonos. Na verdade, as colônias se situam distantes do equador, isto é, abaixo de 200 de latitude, por assim dizer, na borda da zona tórrida. Demais, as colônias estão, em regra, de 400 a 800 metros acima do nível do mar. Mas, ponderando-se que a temperatura anual média, lá, ultrapassa, pelo menos até a altitude aproximada de 600 metros, vinte graus centígrados, pode-se classificar o clima como tropical, de acordo com a definição do Instituto Colonial Internacional: “Os países em que a temperatura anual média não cai abaixo de vinte graus centígrados, estão na categoria dos tropicais”.[ 15 ] Levando-se em conta, entretanto, as fortes oscilações de temperatura, anuais e diárias, que caracterizam o clima dessa região, tende-se a considerá-la subtropical. Só pequena parte das colônias se situa em lugares de clima de planície, acentuadamente tropical.
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NOTAS
Ernst Wagemann (autor) nasceu em 18 de Fevereiro de 1884, em Chañarcillo, Chile, faleceu em 20 de Março de 1956, em Bad Godesberg, Alemanha. Foi economista político e estatístico muito atuante na Alemanha a partir dos anos de 1920. Para mais informações sobre o autor clique aqui.