Capítulo II – As colônias de alemães
1. O território[ 1 ]
O povoamento alemão cobre uma superfície de 5.000 km², mais ou menos, o que representa a nona parte de todo o território do estado.
Ao norte e a leste, toca a linha férrea que une Vitória a Minas (atinge, assim, o rio Doce); a oeste, estende-se até a margem ocidental do Guandu, raiando pela fronteira de Minas; ao sul, abarca todo o vale do rio Jucu.
A rede dos afluentes meridionais do rio Doce — o Guandu, o Santa Joana e o Santa Maria — e a rede hidrográfica tributária do curso superior do Jucu e do Santa Maria da Vitória, que fluem para o Atlântico, banham o território onde se desenvolve, atualmente, a colonização teuta. Por muito tempo, os colonizadores ficarão contidos nessa área, pois grande parte dela, ou não está cultivada, ou é, apenas superficialmente, trabalhada pela população nativa.
A topografia é a típica de todo o estado. A altitude dessa região oscila, predominantemente, entre 300 e 1.000 metros, sendo cheia de enrugamentos, cortados, ao fundo, por inumeráveis torrentes. Vai declinando na direção da orla marítima, ou quando se aproxima do rio Doce. Os vales interiores do Santa Joana, do Guandu e do Santa Maria estão de 100 até 300 metros acima do nível do mar. Aí, dispõe a exploração agrícola de áreas amplas e sem acidentes, enquanto, na zona alta, escasseiam os vales que ultrapassam de muito a largura dos apertados leitos fluviais, de modo que é difícil dispor-se de uma área plana.
A paisagem, de modo geral, assemelha-se à de uma região da Alemanha, medianamente montanhosa, com vegetação tropical. A flora, aí, quase nunca atinge a magnificência gigantesca das florestas virgens da Amazônia, mas o sol empresta-lhe paradisíaca beleza. Graça Aranha, um dos mais destacados escritores brasileiros, no começo do seu romance Canaã, que se desenrola no Espírito Santo, descrevera com as seguintes palavras:
Nessa região a terra exprime uma harmonia perfeita no conjunto das coisas: nem o rio é largo e monstruoso precipitando-se com espantosa torrente, nem a serra se compõe de grandes montanhas, dessas que enterram a cabeça nas nuvens e fascinam e atraem como inspiradoras de cultos tenebrosos convidando à morte como um tentador abrigo… O Santa Maria é um pequeno filho das alturas, ligeiro em seu começo, depois embaraçado longo trecho por pedras que o encachoeiram, e das quais se livra num terrível esforço, mugindo de dor, para alcançar afinal a sua velocidade ardente e alegre. Escapa-se então por entre uma floresta sem grandeza, insinua-se no selo das colinas torneadas e brandas, que parece entregarem-se complacentes àquela risonha e úmida loucura… Elas por sua vez alteiam graciosas, vestidas de uma relva curva que suave lhes desce pelos flancos, como túnica fulva, envolvendo-as numa carícia quente e infinita. |
2. O clima da região
A região povoada pelos imigrantes alemães é cortada pela linha dos 20º de latitude, já estando, por conseguinte, situada na zona dos trópicos. As condições climáticas variam extraordinariamente com as diferenças de altitude.
Infelizmente, são muito deficientes as informações disponíveis a respeito. Em 1912 e 1913, na sede da paróquia de Santa Leopoldina, a temperatura foi medida diariamente[ 2 ] embora com instrumentos simples. Esse lugar dista 2 horas a cavalo do Porto do Cachoeiro, e sua altitude, segundo se teria verificado, é de 520 a 530 metros. Das tabelas que se encontram no apêndice extraímos os dados abaixo:
Temperatura em graus centígrados | Índice pluviométrico | Número de dias chuvosos |
|||
Média | Mínima | Máxima | |||
Janeiro | 23 | 31 | 18 | 251 | 15 |
Fevereiro | 24 | 30 | 17 | 339 | 12 |
Março | 22 | 30 | 16 | 279 | 20 |
Abril | 21 | 28 | 16 | 103 | 13 |
Maio | 20 | 26 | 14 | 85 | 10 |
Junho | 19 | 27 | 11 | 117 | 12 |
Julho | 18 | 25 | 11 | 78 | 6 |
Agosto | 19 | 28 | 11 | 68 | 6 |
Setembro | 18 | 28 | 8,5 | 128 | 12 |
Outubro | 20 | 27 | 10 | 152 | 16 |
Novembro | 24 | 32 | 18 | 96 | 10 |
Dezembro | 23 | 32 | 15 | 214 | 19 |
A diferença entre o máximo e o mínimo no ano foi de 23º ½.
Temperatura em graus centígrados | Índice pluviométrico |
Número de dias chuvosos | |||
Média | Mínima | Máxima | |||
Janeiro | 25 | 33,5 | 16 | 279 | 19 |
Fevereiro | 24 | 31,5 | 15 | 397[ 3 ] | 18 |
Março | 25 | 32 | 15 | 5 | 3 |
Abril | 23 | 30 | 15 | 118[ 3 ] | 17 |
Maio | 20 | 28 | 12 | 22[ 3 ] | 14 |
Junho | 19 | 26 | 12 | 127[ 3 ] | 14 |
Julho | 19 | 26 | 12 | 51 | 8 |
Agosto | 19 | 26 | 10 | 97 | 6 |
Setembro | 21 | 31 | 14 | 105 | 18 |
Outubro | 22 | 32,5 | 10 | 150 | 14 |
Novembro | 23 | 33 | 14 | 170 | 23 |
Dezembro | 23 | 32 | 13 | 331 | 26 |
22 | 1.852[ 3 ] | 180 |
Entre o máximo e o mínimo houve uma diferença de 23º ½. Como vemos, a temperatura anual é em média de 21 a 22 graus centígrados. De acordo com as observações até agora feitas, não ultrapassa, em regra, de 33º. No período de 1910 a 1913 Inclusive, só uma vez (em fevereiro de 1910) se verificou 37º à sombra. A temperatura mínima ocorrida em 1912 e 1913 foi de 8½. Durante 4 anos, a saber, de 1910 a 1913, nunca se verificou menos de 8º. Mesmo no verão, as noites são, de ordinário, agradáveis. As seis horas da manhã, o termômetro marcou mais de 20 graus:
1912 | 1913 | |
Novembro | 8 vezes | 7 vezes |
Dezembro | 11 vezes | 12 vezes |
Janeiro | 20 vezes | 17 vezes |
Fevereiro | 15 vezes | 9 vezes |
Março | 4 vezes | 2 vezes |
Raras vezes, a temperatura matinal subiu acima de 22º, e, assim mesmo, apenas em alguns dias de janeiro.
Só se experimentam noites realmente desagradáveis, opressivas, nos primeiros dias da época principal das chuvas, que se inicia com trovoadas diárias, sobrevindo, em seguida, chuvas gerais. Chove de novembro a abril, meses de verão, interrompendo-se esse período de quedas pluviais por uma estiagem quente e seca. O calor, então, não molesta, justamente por causa da secura do ar e porque do meio dia, vem do nordeste, uma viração marítima que, freqüentemente, sopra forte.
No inverno de maio a outubro as quedas pluviais minguam de volume. Quando sucedem, tendem a durar dias inteiros, embora sejam mais chuviscos. As chuvas da estação fria distinguem-se das da sazão quente em que as primeiras sobrevêm após os ventos meridionais e as do verão, geralmente, seguem ao vento que sopra de leste.
Segundo os números apresentados, o índice pluviométrico anual médio é de cerca de 2.000mm.
Em Califórnia, sede paroquial, a temperatura mais baixa observada foi de 6º, e a mais alta, 32º. Choveu em 172 dias, e em 63 deles, a chuva foi ininterrupta.[ 4 ]
Em 1860 verificou-se no núcleo de Santa Isabel, segundo os cálculos do então diretor da colônia, uma média anual de 18º R.[ 5 ]
Pelo que fica exposto, o clima da região alta tem, em geral, uma temperatura anual média que o situa como tropical; por outro lado as oscilações térmicas, diárias e anuais, são bem marcantes, o que faz o clima nos parecer um tanto temperado. Mas para avaliarmos quão diverso é do da Alemanha, basta considerarmos que a época mais fria dessa região corresponde ao fim da primavera teuta, quando não ao verão.
3. O clima da região baixa
Na região baixa predomina o clima tropical, que se acentua, particularmente, no vale inferior do Santa Joana.[ 6 ] A temperatura, durante o dia, não se eleva excessivamente; raramente sobe a 38º C ou mais, à sombra, às 2 horas da tarde. Quase não esfria às noites. Freqüentemente tem caído, à meia noite, a 28º e 29º, e, nessas ocasiões, não desce, pela madrugada, além de 26º. No inverno prevalece uma atmosfera seca, branda e suave, mas não são raros os dias abafados. Mesmo nessa sazão, porém, só raríssimas vezes, a temperatura cai, pela madrugada, abaixo de 14º a 16. Em tempestades, diminui de 8º, mais ou menos, no breve espaço de 10 minutos, para se elevar com igual rapidez.
Enquanto na região alta há, com abundância, a linfa deliciosa das fontes, aqui só se encontra a água morna dos rios, que pouco refrigera. Em março de 1913, nunca se chegou a verificar, nas correntes fluviais, uma temperatura inferior a 28º. A água, nas cubas, refrescava, apenas, até 26º.
Quanto ao regime pluvial, não chuvisca lá como na região alta. As chuvas são torrenciais e acompanhadas de trovoadas, mesmo no inverno, quando, no planalto, quase nunca troveja.
O regime de chuvas durante o ano é o seguinte: nos meses de abril a setembro, chove pouco, muito menos que na região alta. Em outubro, há um período de quedas pluviais, de 7 a 14 dias. Daí até o Natal, as chuvas caem algumas vezes, curtas, acompanhadas de trovões. A época de chuvas propriamente dita, estende-se do Natal até fins de janeiro ou meados de fevereiro. Antes de começar o tempo hibernal, relativamente seco, há de 7 a 14 dias de chuvas nos meses de março a abril.
De vez em quando, ocorrem estiagens, absolutamente secas, que podem trazer resultados econômicos funestos. Não houve nenhuma chuva, por exemplo, do 3º dia depois do Natal de 1910 a 5 de novembro de 1911, portanto, durante mais de 10 meses.(?) Por fim, o gado faminto, só encontrava alimentos nas florestas, quase desnudas, a espaços.
No vale do Guandu reinam condições climáticas menos desfavoráveis, embora não seja muito maior a altitude das colônias de lá. Apresento, abaixo, os números que encontrei na direção do núcleo Afonso Pena (162 metros acima do nível do mar).
Temperatura em graus centígrados | Umidade relativa (%) | Índice pluviométrico (mm) | Dias chuvosos | |||
Média | Mínima | Máxima | ||||
Janeiro | 27,4 | 35 | 19,5 | 67 | 70 | 6 |
Fevereiro | 29 | 40,5 | 18,5 | 61 | 54 | 4 |
Março | 28 | 35 | 18,5 | 67 | 96 | 8 |
Abril | 20,1 | 31 | 19,7 | 72 | 0 | 0 |
Maio | 24,9 | 31 | 16 | 76 | 12 | 2 |
Junho | 24 | 30 | 11 | 64 | 0 | 0 |
Julho | 22,5 | 29 | 8 | 62 | 0 | 0 |
Agosto | 23 | 30 | 14 | 64 | 0 | 0 |
Setembro | 24,8 | 33 | 15 | 63 | 23 | 5 |
Outubro | 25 | 34 | 19 | 61 | 22 | 5 |
Novembro | 29,3 | 32,6 | 22,3 | 63 | 89 | 3 |
Dezembro | 30,1 | 35 | 24,4 | 64 | 125 | 9 |
25,7 | 65 | 491 | 42 |
Núcleo Afonso Pena – Ano de 1912
Temperatura em graus centígrados | Umidade relativa (%) | Barômetro (mm) | |||
Média | Mínima | Máxima | |||
Janeiro | 27 | 33 | 22 | 78 | 754 |
Fevereiro | 27 | 32 | 22 | 72 | 754 |
Março | 27 | 31 | 23 | 75 | 755 |
Abril | ? | ? | ? | ? | ? |
Maio | 24 | 29 | 18 | 79 | 756 |
Junho | 22 | 29 | 15,5 | 81 | 756 |
Julho | 20 | 27 | 13 | 77 | 758 |
Agosto | 21 | 27 | 16 | 76 | 758 |
Setembro | 21 | 26 | 14 | 74 | 758 |
Outubro | 20 | 29 | 17,5 | 85 | 756 |
Novembro | 27 | 33 | 22 | 74 | 754 |
Dezembro | 24 | 26 | 20 | 75 | 753 |
Dessas tabelas inferimos que o índice pluviométrico de Afonso Pena é consideravelmente maior que o de Santa Leopoldina. Enquanto nessa localidade se observaram, em todos os meses, precipitações pluviais, naquela, decorreu um trimestre sem chuvas. Em Afonso Pena, a temperatura anual média, é alguns graus mais alta, e a diferença entre os extremos da temperatura média, é de 31º ½.
Não parece conveniente tirar outras conclusões dos dados disponíveis, pois muito pouco se sabe dos instrumentos utilizados e da exatidão científica das observações.
A temperatura média anual de Vitória é, segundo informação genérica, 23ºC.
4. A fundação da colônia de Santa Isabel
As colônias alemãs se espraiam pelo território do estado, partindo do rio Jucu e do Santa Maria da Vitória.
Primeiramente se fundou, em 1847, à margem do rio Jucu, cerca de 30 quilômetros distante da costa, a colônia de Santa Isabel (Isabel era o nome da herdeira presuntiva do trono). Os primeiros imigrantes que lá chegaram, em número de 163, formando 38 famílias, eram originários do Reno, das elevações do Hunsruck.[ 7 ] Mais tarde, ajuntou-se-lhes um contingente do Hesse do Reno.[ 8 ]
Foram, após a chegada no Rio, transportados, por via marítima, para Vitória. Ficaram aí, algum tempo, e foram pagos para limpar e calçar a praça fronteira ao palácio presidencial. Daí foram levados a Viana,[ 9 ] lugarejo situado a meio caminho do local onde iriam se radicar. De 1813 a 1818, formara-se aí uma colônia de famílias açorianas, a qual, após dificuldades iniciais, progrediu muito e viria a ser, para os imigrantes alemães, o povoamento mais próximo.[ 10 ]
Finalmente, de Viana, rumaram os teutos — os homens a pé, as mulheres e crianças em canoas pelo Braço do Sul para o seu lugar de destino, onde confluem o Jucu e o Braço do Sul — “Lá encontraram, — narra o pastor Urban,[ 11 ] — “algumas dúzias de botocudos, com mulheres, crianças e o inspetor que servia de intérprete. Os índios tinham feito um roçado na mata e construído choças… Quando os alemães, trazendo, às costas, colchões, trem de cozinha, instrumentos de trabalho e vitualhas, quiseram tomar conta dos respectivos terrenos, foram surpreendidos com a notícia de que só a metade deles fora demarcada e de que não havia nem caminho nem vereda que rompesse a espessa mata que cobria os lotes. Na demarcação das terras somente os limites extremos foram assinalados por meio de uma picada… Os colonos tinham de abrir veredas através de suas terras, até alcançar um riacho, e, ao mesmo tempo, estabelecer ligação entre os lotes… Pela picada aberta, transportavam, às costas, para a nova moradia, vitualhas e instrumentos de trabalho. Mal começaram a tornar o lugar habitável, quando receberam ordem de Vitória, de voltarem para as cabanas de emergência, de Viana, onde se tinham abrigado antes. Os índios tinham fugido para a floresta, e o governo temia que atacassem os colonos… Os soldados da polícia deviam, antes, aprisionar os índios e distribuí-los por diversos lugares… Os alemães ficaram, durante algum tempo, sob proteção armada. Os selvagens permaneceram nas proximidades das terras dos colonos e, freqüentes vezes, assustavam-nos; mas, pouco a pouco, foram-se retirando para o interior, deixando os alemães em paz”.
Os imigrantes eram naturais de região montanhosa e estavam acostumados, de casa, aos árduos trabalhos de lavrador e jornaleiro, o que os qualificava, excelentemente, para a tarefa colonizadora nas florestas virgens brasileiras. Demais, o clima da terra não lhes era desfavorável. Contudo, no primeiro ano, foram acometidos de graves doenças. A alimentação que lhes era estranha (em regra, não tinham outra coisa para comer além do feijão preto e farinha de mandioca, segundo fui informado), as habitações precárias, a praga de insetos, em particular, que, antes da derrubada da mata, era muito grande, tudo isso pôs de cama a maioria dos 163 imigrantes, e ceifou nove deles, conforme verifiquei nos assentamentos da igreja paroquial de Campinho. Tifo, malária e febre amarela são dados como causa mortis. Esse período de sofrimentos, porém, passou rapidamente, em virtude da ação enérgica do Governo, que lhes proporcionou assistência médica, remédios e alimentos.
No princípio, pelo menos, muito foi feito pelo estado, a favor dos colonos; dirigia, então, a província, um presidente que os olhava com simpatia. Cada família recebeu, no começo, um lote de 120.000 braças quadradas,[ 12 ] ou seja mais de 50 ha. Vários receberam, “mediante pedidos, subterfúgios, heranças simuladas e outros recursos dessa espécie, 2 ou 3 lotes, dos quais, naturalmente, só parte muito reduzida podiam cultivar. Os sítios ficaram, assim, demasiadamente grandes, o que, em face das condições de transportes, não era desejável.[ 13 ]
Reconhecendo isso, o Governo ordenou que só se outorgassem, a futuros pretendentes, lotes de 62.500 braças quadradas (25 a 30 ha), ao preço de 93¾ mil réis, cada um. O imigrante não era, entretanto, obrigado a pagar essa quantia, imediatamente.[ 14 ]
Os colonos receberam, além de terras, ajuda financeira que, inicialmente, era demasiada, “desviando-os para a vagabundagem e para a dissipação, — razão por que seu valor foi diminuído, posteriormente, no fim do decênio de 1850. Então, dava-se a cada família, conforme o número de pessoas, de 24 a 59 mil réis por mês.
Nos anos de 1846 a 1863, gastou o Governo, ao todo, com a colônia Santa Isabel, a importância de 261.000 mil réis.[ 15 ]
Apesar disso, os colonos sofreram fome, de vez em quando. Os sérios obstáculos que se antepunham às vendas e aos aprovisionamentos, explicam o fato, parcialmente. A população católica de Viana, em virtude de inimizade confessional, ou por outro motivo, não queria vender aos colonos qualquer espécie de alimentos, nem comprar-lhes os produtos. A administração inicial, bastante falha, era, também, muito culpada dessa situação de penúria. Os negócios da colônia foram confiados a um capuchinho austríaco que não estava à altura da missão e que, ao deixar o lugar, passou-o, com o consentimento do Governo, a um colono,[ 16 ] totalmente incapaz para o cargo. Talvez houvesse, no meio, prevaricações de funcionários.
As coisas só melhoraram, em 1858, quando Adalberto Jahn, ex-oficial prussiano, assumiu o cargo de diretor da colônia; no exercício de suas funções, desenvolveu uma atividade muito fecunda.
Em 1860, Tschudi achou os colonos numa situação remediada. Disse a respeito:[ 17 ] “Os colonos antigos alcançaram um nível de vida confortável, em que se sentem livres de preocupações, e à maioria cabe o elogio de ativos e corretos. Formulou-se um julgamento menos favorável relativamente a uma porção dos chegados mais tarde, entre os quais havia muitos preguiçosos e beberrões”.
No fim de 1860, a população, em virtude de imigração e crescimento natural, elevou-se a 628 pessoas:[ 18 ]
Alemães (entre os quais 174 prussianos) | 410 |
Suíços | 8 |
Franceses | 2 |
Sardos | 24 |
Brasileiros (filhos dos colonos nascidos no Brasil) | 184 |
Total | 628 |
No fim de 1862 existiam 801 pessoas, sendo 424 masculinas e 377 femininas Em 1862, foram colhidas 10.000 arrobas (150.000 kg) de café.[ 19 ]
Santa Isabel emancipou-se em 1865: deixou de se subordinar a um diretor de colônia, ficando sob administração municipal.[ 20 ]
5. A fundação da colônia de Santa Leopoldina
Conforme os números, há pouco, apresentados, Santa Isabel era uma colônia quase inteiramente alemã. À margem do rio Santa Maria da Vitória, porém, estabeleceu-se uma colônia de nacionais de diversos países, à qual denominaram Santa Leopoldina (Leopoldina era o nome da segunda princesa imperial).
A fundação efetuou-se na década de 1850, quando o Governo brasileiro, ardorosamente, começou a incentivar a colonização. Então, criaram-se numerosos núcleos de imigrantes, nas províncias meridionais do Império. Ainda no Espírito Santo, surgiu outra colônia, à margem do rio Novo. Era constituída de famílias suíças, não havendo alemães. A respeito, algumas palavras, de passagem: Foi criada, em 1865, por uma sociedade privada, cujos atos fraudulentos levaram o Governo a tomar conta da colônia, onde se instalara a desorganização. Mais tarde, prosperou.[ 21 ]
Santa Leopoldina foi fundada, exatamente um decênio depois que surgiu Santa Isabel, isto é, em 1857. A direção se sediou em Porto do Cachoeiro, à margem do Santa Maria, apesar desse lugarejo estar na periferia da colônia.
Em 1857, chegaram os primeiros colonizadores, 140 suíços e, no ano seguinte, 222 pessoas de diversas nacionalidades. Em outubro de 1860, viviam, em Santa Leopoldina, 232 famílias de colonos, com 1.003 indivíduos. Esse número, segundo a procedência, se compunha como se vê abaixo:
Prussianos | 384 | Holandeses | 120 | |
Saxônios | 76 | Suíços | 104 | |
Hessienses | 61 | Tiroleses | 82 | |
Badenses | 27 | Luxemburgueses | 70 | |
Holsacianos | 13 | Belgas | 8 | |
Nassauenses | 13 | Franceses | 1 | |
Alemães de outras regiões | 19 | Ingleses | 1 | |
593 | 386 |
Filhos de colonos nascidos no Brasil: 24.
Em 1866, a colônia contava 1.016 habitantes dos quais 542 do sexo masculino e 574 do feminino; 320 eram católicos e 696 protestantes.
Tschudi visitou a colônia, em 1860, encontrando-a em péssimas condições. A causa, segundo ele, estava, por um lado, no terreno ruim e estéril e, por outro, na má gestão dos funcionários brasileiros. Transcrevemos, a seguir, algumas passagens marcantes do relatório de Tschudi, vivaz e objetivo.
O engenheiro que devia demarcar os lotes dos colonos, em vez de seguir as instruções precisas do Governo, delimitou as parcelas a olho; não obstante, embolsou as custas apreciáveis estabelecidas para medição regular. O sucessor devia corrigir a fraude que prejudicou muitos colonos. Começou a trabalhar de acordo com as instruções, retirando de uns o terreno já cultivado para entregá-lo a outros, ficando aqueles com mata virgem, de modo que tinham de reiniciar a árdua tarefa de derrubada. Veio um terceiro, que se amancebou com a filha de um colono prussiano e, por sua vez, passou a praticar bandalheiras em beneficio de alguns favorecidos; reinavam arbítrio indiscutível e injustiça. Durante a minha permanência na colônia, três anos inteiros após a fundação, nenhum suíço chegou a possuir a parcela legal de 62.000 braças quadradas; cada um deles dispunha de muito menos, havendo alguns com seis a oito mil braças quadradas, apenas, e, assim mesmo, terreno ruim![ 22 ] A verdade é que nenhuma família teria podido viver, se, para a alimentação, contasse apenas com os produtos de seus sítios. Colonos que, havia 4 anos, se tinham fixado lá, lavrando a terra, ativa e irrepreensivelmente, não eram ainda capazes de se sustentar e vestir com os resultados da colheita e teriam ficado em extrema penúria se não biscateassem em serviços do Governo, como o de construção de estradas, ou não ganhassem como auxiliares de agrimensores ou, finalmente, não lhes fossem proporcionados, pelo estado, subsídios diretos (diários)…[ 23 ] |
Desde a origem até o começo de 1860, a direção da colônia era, a todos os respeitos, lamentável. O diretor provisório morava em Porto do Cachoeiro, onde foi construída uma hospedaria, um armazém e diversas moradias. Aí instalou-se um pessoal de raças diversas, na maioria brasileiros. Nesse meio cresceu, pouco a pouco, um paul de lascívia e de fraudes, que fazia a colônia submergir em desordem cada vez maior. Os subsídios oficiais quando não eram subtraídos pelos diretores, eram pagos a favoritos, mas sempre com a máxima impontualidade… Entrementes, aumentavam, na colônia, a fome e as doenças. Quando a fome entra pela porta, o pudor foge pela janela. Mulheres e filhas de colonos entregavam-se a brasileiros, por uma ou algumas patacas, com o fim de comprar alimentos, arrastando, mais tarde, um corpo carcomido de sífilis. Pessoas de bem, dignas de todo o crédito, relataram-me histórias de arrepiar cabelo, desse tempo da colônia. Mesmo os colonos trabalhadores e esmerados levavam penosa existência, uma vez que só obtinham uma fração dos subsídios do Governo que lhes eram tão necessários, quando não acontecia, corno era freqüente, levarem muitos meses sem nada receberem. Apenas aqueles que consumiam os restos do pequeno pecúlio trazido da Europa, conseguiram viver sofrivelmente.[ 24 ]
Tschudi não vai a ponto de desconhecer que os colonos, em muita cousa, também tinham sua parcela de culpa. Diz com relação aos holandeses:
Em 1859 chegaram os holandeses que foram lançados às maiores privações em parte por causa do próprio desmazelo. Na maioria, eram degenerados, indolentes, submergidos na imundície. Alimentavam-se, quase que exclusivamente, de uma papa feita de farinha de mandioca, óleo de rícino e água. A falta de limpeza em muitas dessas famílias era tão grande que nem sequer se davam ao trabalho de lavar a panela em que tinham de preparar a comida; ao resto da refeição anterior juntavam a farinha, o óleo e a água da que iam fazer, cozinhando tudo junto. É de se admirar que, com esse nojento repasto, grande parte dessas famílias exibisse lamentável aspecto?[ 25 ] |
Como os holandeses, parece que os suíços não eram, embora Tschudi silenciasse nesse ponto, o material humano mais adequado à colonização, segundo se afirmava da parte brasileira.[ 26 ] Tschudi não avaliou com exatidão a qualidade do terreno, que, mais tarde, se revelou melhor do que parecia inicialmente. Mas não se deve pôr em dúvida a fidedignidade do que Tschudi refere sobre a situação social e econômica dos colonos.
As condições, entretanto, melhoraram rapidamente. Já é diverso da descrição de Tschudi, o relatório do cônsul geral prussiano, Haupt, publicado em 1867.[ 27 ] Este confessa, numa observação acrescentada ao fim:[ 28 ] “Não quero deixar de dizer que as informações mais recentes que recebi, relativas à colônia de Santa Leopoldina, são algo mais propícias que minha descrição acima. Aí reside, desde 1864, o pastor protestante Reuther, a cujo zelo o lugar deve muitos melhoramentos”. Parece que o botânico alemão, doutor Rudio, concorreu, no exercício do cargo de diretor da colônia, para melhorar a situação.
Força é convir que os pomeranos, chegados, às centenas,[ 29 ] de 1870 a 1879, apesar do Rescrito de Heydt, incentivaram, com a sua energia colonizadora, o progresso posterior. É verdade que não estavam acostumados, de casa, a vencer as dificuldades de regiões montanhosas, mas tinham sido jornaleiros de tarefas pesadas e distinguiam-se pela sobriedade, força de vontade e capacidade de trabalho. Constituem, hoje, a parte principal dos povoadores protestantes alemães do Espírito Santo. De Santa Leopoldina, expandiram-se para o sul e para o oeste e, recentemente, também para o norte, penetrando em terreno acentuadamente baixo.
Santa Leopoldina emancipou-se em 1882.[ 30 ] Sede do município: Porto do Cachoeiro.
6. A expansão do povoamento: as formas de aquisição da terra
Apesar de os colonos, nas últimas décadas, não terem recebido da Alemanha, nenhuma quota humana digna de menção, espalharam-se por extensões cada vez maiores, de um lado, por causa da proliferação natural, muito intensa, e, de outro, em virtude do esgotamento progressivo do solo nos lugares onde se fixaram inicialmente, do que ainda falaremos.
Esse povoamento se distende irregularmente; todavia, procura-se combater o apossamento das terras devolutas do Governo.[ 31 ]
Freqüentemente o colono adquire, para se estabelecer, um terreno que já está ocupado por um nativo, naturalmente sem nenhum título jurídico. Este, para se tornar proprietário da terra, procede de modo muito simples. Escolhe um trato de terra que lhe parece melhor, finca aí algumas estacas para determinar o limite (com essa providência está certo de que será respeitado de todos os lados). Levanta um telheiro de palmas, onde fica morando, no começo; derruba e, depois queima uma nesga da mata, onde passa a plantar tudo o que é possível: banana, café, tubérculos, feijão; cada coisa, evidentemente, na mais reduzida escala. Três a quatro meses depois quando a plantação está concluída, constrói, com paus brutos, roliços, uma choça que cobre com palmas e, em alguns casos, com tábuas. Nessas condições vive alguns anos. Às vezes amplia a derrubada e aumenta a plantação. Em regra, porém, continua com uma lavoura minúscula que pouco húmus suga da terra.
Essa terra já desbravada, mas ainda plenamente explorável, é, para o colono alemão, um excelente ponto de partida para uma atividade agrícola mais intensa. O homem de cor a seu turno, se desfará, de bom grado, de sua propriedade, para penetrar mais a fundo na floresta e recomeçar tudo; só negociando pode satisfazer diversas das suas necessidades e, além disso, está habituado a um nível de vida muito primitivo. Vem a ser, portanto, o pioneiro da colonização teuta. Também costuma instalar-se sobre os restos de um sítio alemão, formado de terras esgotadas e, por isso, abandonadas, desempenhando então o papel de retaguarda. esse procedimento foi inamistosamente comparado com o dos urubus.
O preço que se paga pela terra depende da qualidade do terreno, da abundância de águas, da situação e, principalmente, da cotação do café, embora o objeto da compra seja, em última análise, apenas o trabalho realizado. O preço freqüente de toda a propriedade oscila entre 70 e 80 mil réis, mas têm ocorrido compras de 100 a 300; mesmo 1.000 a 2.000 mil réis já foram pagos.
Depois de se apossar da terra, o colono alarga a derrubada e dedica-se à plantação. De início, não pode pensar em comodidade, alimentando-se e morando em condições quase idênticas às do nativo. Também não providencia logo a medição, porque os recursos não bastam para tanto. De ordinário, só trata disso após o decurso de vários anos e, como acontece freqüentemente, em virtude de exigência oficial. Não existindo uma tabela de custas de medição, o colono é, multas vezes, lesado, quando paga esse serviço. Além disso, incorre no perigo de lhe ser retirada, e substituída por um trato não cultivado, uma parte da área onde plantou, em virtude de se fazer a demarcação segundo determinados princípios que, às vezes, estão em desacordo com a escolha arbitrária do terreno. Um curso d’água, sempre que possível, é uma das divisas; duas perpendiculares a essa corrente estabelecidas com a ajuda da bússola, constituem dois outros limites, que são marcados com veredas. A ligação dos seus pontos extremos forma a quarta linha demarcativa que, às vezes, não se assinala com uma picada.
Assim que o colono paga as despesas de medição, recebe o título de propriedade. O preço da compra, devido ao Fisco (este era, até então, o proprietário legal do terreno), só é pago, em regra, muito mais tarde.
Vão rareando as terras do estado. As vistas dos colonos se voltam cada vez mais para a colonização em propriedades particulares. Um exemplo disso é o loteamento da Fazenda Palmeira, em Afonso Cláudio, à margem do Guandu superior. O fazendeiro não podia mais administrá-la, e pôs as terras à venda, exigindo 600 mil réis a um conto, por 25 ha de terreno coberto, inexplorado. Levantou uma capela e demarcou uma praça onde cada um poderia escolher, gratuitamente, uma área para construir a residência. Em Afonso Cláudio e em outros lugares há alemães trabalhando como meeiros. A meação possibilita aos desprovidos de meios a defesa contra a completa proletarização e, até, a alcançarem, com o emprego de muita energia, independência econômica.
Ultimamente voltou-se a uma colonização planejada e orientada oficialmente, com imigrantes alemães. Há vários anos, o estado adquiriu de alguns fazendeiros grandes superfícies à margem do Guandu inferior, aí fundando a colônia Afonso Pena, que, em 1908, foi transferido ao Governo Federal. Ela está dividida em lotes de 50 ha, cada um com uma casinha modesta, sendo vendidos ao preço de 500 mil réis, sob certas condições, com obrigação de plantar, etc.
Embora a colônia, segundo me convenci, esteja bem instalada e os imigrantes que lá se fixaram, tenham sido assistidos com abundantes recursos, o empreendimento teve pouco êxito ou não alcançou, por certo, o resultado que se pretendia. Talvez fossem protegidos demais, como, anteriormente, os colonos de Santa Isabel. Mas houve, principalmente, erro na escolha do material humano. Conforme se verifica no número de 1º de abril de 1911 do jornal teuto-brasileiro Germânia, eram “trabalhadores de fábrica ou sem atividade fixa, os quais escolhiam o lote não tendo em vista a qualidade do solo, mas as casinhas mais bonitas, astuciosamente construídas nos piores terrenos… Muitos já desapareceram, abandonando o árduo trabalho”. Contra determinações expressas, os teutos das antigas áreas de colonização de Afonso Pena vieram tomar o lugar de imigrantes recentes, e aí se firmaram, e prosperaram, de modo que hoje florescem naquela região duas novas comunidades alemãs, a saber, Guandu e Criciúma.
7. A formação das comunidades
Já vimos que os imigrantes alemães eram, em parte, católicos e, em parte, protestantes.
Logo de início, os católicos receberam assistência religiosa. Formaram-se as comunidades de Santa Isabel, no município do mesmo nome, e de Tirol, no município de Santa Leopoldina. A sua frente estão os religiosos alemães, enviados pela Missão de Steyl (Irmãos do Verbo Divino). Essas paróquias, cujo âmbito coincide, mais ou menos, com o território municipal que lhes corresponde, abrange também os católicos que não falam alemão. Em regra, os filhos dos nativos e os dos imigrantes freqüentam, juntos, as aulas, e põem-se à margem as distinções de nacionalidade e de raça. Uma vez que os assentamentos eclesiásticos são feitos sem essas distinções, não é possível se formular uma estatística dos católicos alemães. O seu número avalia-se em 5.000, cabendo cerca da metade a cada uma das duas comunidades.
No começo, os protestantes foram vivamente hostilizados pela população católica; quando construíam a capela, por exemplo, foram-lhes criadas toda sorte de dificuldades. Entretanto, graças à tolerância do Governo brasileiro que se opôs,[ 32 ] energicamente, às contendas entre os dois grupos, — as comunidades evangélicas puderam desenvolver-se sem obstáculos.
Em 1857, depois de já terem estabelecido, por si mesmos, certa organização religiosa, os protestantes alemães de Santa Isabel receberam os primeiros pastores do Consistório Evangélico.[ 33 ] O nome da comunidade é Campinho, como se chama o local onde a igreja se ergue desde os sessenta do século passado, onde surgiu uma pequena aldeia de alemães.
Ambos os primeiros pastores, enviados à comunidade, morreram subitamente, e a suspeita — provavelmente sem base — de terem sido envenenados pelos católicos dá-nos uma idéia de quão forte era a animosidade confessional, ainda pelos fins dos cinqüenta.
Em 1864, por intermédio de Tschudi, Santa Leopoldina recebeu, da Casa Missionária da Basiléia, os primeiros religiosos.[ 34 ] Em 1873, formou-se a comunidade de Califórnia, com ex-membros da comunidade de Campinho e, principalmente, da de Santa Leopoldina (no caso influíram desavenças de qualquer natureza). Constituíram-se, desligando-se, igualmente, de uma matriz, as comunidades de Santa Leopoldina II, também chamada Jequitibá, em 1879, de Santa Joana em 1903 e Santa Maria, em 1904.
Esse fracionamento se processa mais ou menos da seguinte maneira: A comunidade cresce tanto em número de fiéis e em extensão territorial que, por fim, a parte que fica longe demais da sede da paróquia, se desagrega para viver independente, o que nem sempre sucede sem violentas lutas internas.
Atualmente, há, portanto, seis comunidades protestantes, das quais Campinho, Santa Leopoldina, Califórnia e Jequitibá estão ligadas ao Consistório Evangélico, e as duas restantes são assistidas por religiosos da Obra Missionária Luterana.[ 35 ]
Além das comunidades que possuem organização completa, com pastor próprio, há aquelas que, embora levem uma existência à parte, ainda não são ou deixaram de ser bastante fortes para subsistir sem apoio numa paróquia. Podemos chamá-las de comunidades filiais. Está nessa categoria a de São João de Petrópolis, também chamada Santa Cruz ou Santa Maria, cujos membros moram no vale do Santa Maria do Rio Doce. Ela teve, outrora, organização própria e, depois, perdeu para Santa Joana, uma parte dos fiéis, ficando, por isso, incapaz de se manter às suas custas. Hoje, está ligada — Santa Leopoldina, Vinte e Cinco de Julho, Guandu, Criciúma e Afonso Pena se incluem, também entre as comunidades filiais; as três últimas estão-se formando, enquanto Vinte e Cinco se encontra em situação semelhante à de Santa Cruz.
As comunidades evangélicas poderiam ser consideradas entidades que exercem império nas áreas por que se estendem. Em face da lei brasileira, são, naturalmente, simples sociedades privadas, além disso na área de sua jurisdição, moram muitos que não são seus fiéis; em Campinho e Santa Leopoldina encontram-se muitos católicos alemães. Mas os sítios ou colônias evangélicas que medram, a espaços, se ligam e se fecham, inteiramente, principalmente nas terras altas, como Jequitibá, onde esse fenômeno mais se patenteia, e que, por isso, pode ser olhada como o baluarte dos alemães evangélicos no Espírito Santo. É ainda mais significativo que a organização enlace e prenda os fiéis com extraordinária força coerciva. Quem está fora dela é taxado de “democrata”, palavra que usam em sentido injurioso, e é tido como proscrito.
Esse papel desempenhado pelas e comunidades decorre, pelo menos em parte, da fraqueza das autoridades estaduais e municipais. Já me referi à frustração completa da Justiça; descuram-se o policiamento das estradas e muitas outras cousas. Evidenciando o princípio de que o órgão que falta, ou perturbado em suas funções, é, em certa medida, substituído por outro, a comunidade religiosa se arrogou diversas tarefas próprias do estado e do município, como, por exemplo, o ensino e, até, acrescente-se, a manutenção da ordem pública.
8. A topografia das áreas onde se situam as comunidades[ 36 ]
A superfície das comunidades oscila em regra, entre 300 e 1.000 quilômetros quadrados.[ 37 ] Campinho, Califórnia e Jequitibá são as maiores; abstraindo as comunidades filiais, Santa Leopoldina é a menor.
Infelizmente, as informações relativas à altitude são tão pouco precisas como as disponíveis sobre a extensão territorial. Os povoados de Jequitibá se espalham pela área, predominantemente, de maior altitude; a sede paroquial evangélica já se encontra a cerca de 700 metros acima do nível do mar. A sede de Califórnia está, aproximadamente, a 600 metros, e seus povoados a uma altitude de 500 a 800 metros. A sede de Santa Leopoldina situa-se pouco acima de 500 metros, e a de Campinho, a 450; a altitude dos povoados oscila, em regra, entre 300 e 500 metros. Santa Joana e as comunidades filiais de Guandu, Criciúma, São João de Petrópolis e Vinte e Cinco se encontram, apenas, numa altitude de 100 a 400 metros, portanto, em terra baixa.
No que diz respeito à configuração do terreno, dificilmente se distinguirão, umas das outras, as áreas das comunidades da terra alta. São formadas de elevadas montanhas, muitas vezes alcantiladas e íngremes, e de vales mais ou menos estreitos. A orografia é provavelmente menos propícia a Santa Leopoldina, onde a exploração agrícola só dispõe, em geral de apertados desfiladeiros. Os vales por onde se estendem as povoações da planície, ao contrário, são bastante amplos e as encostas das montanhas decaem menos abruptas.
Também a qualidade do solo é péssima em Santa Leopoldina e ótima na terra baixa; segundo se afirma, o vale do Guandu, principalmente, é muito fecundo. Mas, sobre essa matéria, faltam dados pormenorizados e exatos.
Com relação a transportes, as velhas colônias estão melhor servidas. Campinho, cuja sede paroquial evangélica dista cerca de 30 quilômetros da costa, alcança-se de Vitória, pela via férrea que lhe toca a periferia. O rápido gasta, até a estação de Germânia, 1 hora e 45 minutos; o trem ordinário de passageiros, 2 horas.
Liga Santa Leopoldina a Vitória, o rio Santa Maria, navegável até Porto do Cachoeiro. A viagem rio abaixo dura 12 horas. Para a condução de pessoas dispõe-se aqui, ainda, de estrada de ferro que, embora não atinja Porto do Cachoeiro, corta o Santa Maria abaixo dessa cidadezinha. Todo o percurso, a cavalo e a trem, dura 5 horas.
A via férrea só penetrou, a mais, na zona à margem do Guandu inferior: todas as outras partes do território das colônias alcançam-se, apenas, a cavalo.
9. Lugarejos e sítios
No Espírito Santo, a maioria dos alemães vive dispersa em sítios, ou seja, em colônias-família; somente algumas centenas se concentram em localidades, de modo que, em todo o território, não se encontram mais de três delas.
Em Santa Leopoldina há a cidadezinha de Porto do Cachoeiro, que, embora já existisse antes da imigração teuta, só depois adquiriu alguma importância. Aí, provê-se de mercadorias a maioria dos colonos alemães e muitos italianos. A cidadezinha é a sede de uma câmara municipal e ostenta uma igreja católica (ainda não tem uma protestante). A população pode ser estimada em 1.200 almas estando os alemães em minoria. Mas eles desempenham o papel dominante: o comércio e a indústria estão em suas mãos; quase todos são negociantes e artífices. Alguns deles conseguiram, no comércio apreciáveis recursos.
Em Santa Isabel, território de colonização antiga, há duas localidades bem menores: Campinho e Santa Isabel.
Em virtude da situação geográfica e de ser a sede da paróquia luterana, lá se erguendo a igreja protestante, Campinho tornou-se o centro comercial da comunidade do mesmo nome. Passa-lhe, próximo, a estrada de ferro, isto é, a menos de uma hora a cavalo. Tem 100 a 120 moradores, e 20 moradias. Em 1913, além do pastor e de um professor de música, estavam lá domiciliados:
6 negociantes (vendeiros), dos quais um era, também, padeiro, e outro, simultaneamente, hoteleiro;
6 artífices (dois seleiros, um sapateiro, um latoeiro, um marceneiro e pedreiro, um ourives);
2 hoteleiros, dos quais um era, ao mesmo tempo, agricultor e o outro era um brasileiro casado com uma alemã;
1 estafeta que exercia, ainda, as funções de cobrador de impostos;
1 jornaleiro (brasileiro);
1 agricultor, morando a alguns minutos da localidade.
Ao contrário de Campinho, onde os habitantes, com umas duas exceções, são protestantes, Santa Isabel tem uma população constituída apenas de católicos, ao todos 200 a 300 alemães e brasileiros. É a sede da câmara municipal, da paróquia, aí se alçando a igreja matriz. A distribuição profissional nesse lugarejo é semelhante à de Campinho. Como lá, não vivem aí alemães agricultores, e a maioria absoluta dos residentes são artífices e negociantes.
Não podemos classificá-las de aldeias, se adotarmos o conceito de Schmoller: aldeia é “a povoação constituída de certo número de agricultores, peixeiros, jornaleiros rurais, etc., que no seu seio, tem no máximo, alguns artífices e outros elementos (religiosos, professores e vendeiros)”.
Todos os imigrantes alemães que se dedicam a atividades agrícolas se esparzem em sítios, isto é, cada família mora isoladamente em meio a seus pastos e plantações. O vizinho mais próximo costuma morar a uma distância de um quarto de hora a cavalo, mais ou menos.
Segundo Meltzen, o sistema de aldeias, e não a colonização por unidades familiares, corresponde ao caráter étnico germânico. Essa concepção, entretanto, não se harmoniza com os fatos, no Espírito Santo, os quais parecem mais concordar com a idéia antiga de constituírem as quintas isoladas o agrupamento originário e por isso, sempre encontráveis onde não ocorram circunstâncias especiais, como a necessidade de facilitar a defesa contra o inimigo externo, estabelecendo moradias juntas umas das outras. A criação do gado e o nomadismo, quando constituem a base da economia, talvez provoquem uma estruturação social em aldeias, o que, aliás, não sucede entre os colonos.
A região montanhosa favorece, naturalmente, a colonização por famílias isoladas. Mas nos territórios das comunidades da planície, não há nenhuma localidade. A praça de Afonso Pena, um empreendimento artificial, não é propriamente uma povoação, uma vez que daí saíram diversas famílias teutas, remanescendo, apenas algumas. Mas nessa região encontram-se diversos lugarejos não alemães.
Menciono somente Patrimônio de São Francisco, com três vendeiros e seis agricultores, e Figueira, com 170 a 200 habitantes, na maioria italianos, sendo 10 a 12 vendeiros, 2 padeiros, 1 alfaiate, 1 ferreiro, 1 médico, 1 farmacêutico, e uma casa de beneficiar café.
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NOTAS
Ernst Wagemann (autor) nasceu em 18 de Fevereiro de 1884, em Chañarcillo, Chile, faleceu em 20 de Março de 1956, em Bad Godesberg, Alemanha. Foi economista político e estatístico muito atuante na Alemanha a partir dos anos de 1920. Para mais informações sobre o autor clique aqui.
Preciso muito de mais informações sobre os franceses que aqui chegaram neste tempo. Onde posso encontrar?