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A Estrada de Ferro Caravelas

O privilégio para a primeira via férrea projetada, no Espírito Santo, foi requerido em agosto de 1872, mas, os esforços no sentido de se concretizar a ideia da primeira estrada de ferro capixaba começaram a coroar-se de êxito, quando o historiador e jornalista Basílio Carvalho Daemon apresentou, como deputado, à Assembléia Provincial, em 31 de outubro daquele ano, o projeto para a construção de uma estrada em Cachoeiro de Itapemirim. Entretanto, quatorze anos haveriam ainda de transcorrer, até que fosse batida a estaca inicial da Estrada de Ferro Caravelas.

A concessão, que no princípio fora dada ao Capitão Henrique Deslandes, foi transferida ao Visconde de S. Salvador de Matosinhos, proprietário do jornal fluminense O País, e presidente da Companhia de Navegação Espírito Santo e Caravelas, a qual mantinha vapores que ligavam o Itapemirim à Corte.

A dita Companhia fretou um vapor para transportar, de Antuérpia, à Barra do Itapemirim, parte do material da Estrada de Ferro. Os primeiros trilhos, bem como as peças da primeira máquina, foram levados, rio acima, até a vila do Cachoeiro, na prancha Tarcília, em fins de outubro de 1886, desembarcando no porto João Marques.

A 8 de dezembro daquele ano, o engenheiro Pedro Scherer iniciou a montagem da locomotiva e o assentamento dos trilhos.

Do local do porto, onde mais tarde se erigiu o prédio do Centro Operário, até a estação do Cachoeiro, onde hoje se ergue o Grupo Escolar Bernardino Monteiro, extensão de 780 metros, através da rua 25 de Março, os trabalhos andaram rápido, durando pouco menos de um mês.

A 6 de janeiro de 1887, dia de São Benedito, ouvia-se o sibilo festivo da Itapemirim, que era, então, inaugurada, e o seu primeiro serviço prestado foi o de conduzir a pedra fundamental do edifício (iniciativa particular) do Grêmio Bibliotecário Cachoeirense e Escolas Primárias de ambos os sexos, presidido pelo Dr. Novaes Melo.

O terreno dessa construção situava-se em frente à casa do Dr. Novaes (antiga casa Gama), e fora doado por um fazendeiro e negociante da vila, o português Manoel José de Araújo Machado. Encarregou-se de dirigir e fiscalizar aquela construção o engenheiro Rodolfo Henrique Batista.

Não só a rua 25 de Março se beneficiava com os aterros e melhoramentos: no mesmo dia seis, era inaugurada a iluminação das ruas de Cachoeiro, às expensas da municipalidade. Vinte e quatro lampiões do sistema belga deviam ser cuidados por um fiscal, com o ordenado estabelecido de doze mil réis mensais.

A. E. Figueiredo e J. Praxedes, empreiteiros da Estrada de Ferro, acolitados pelos seus colegas, Rodolfo Henrique Batista e Hermann Schindler, com mais oito meses de trabalho, davam a estrada em condições de ser inaugurada. Compreendendo 71 quilômetros de extensão, partia ela da vila do Cachoeiro até a estação de entroncamento de Matosinhos (Coutinho), nas Duas Barras, donde seguia um ramal para o Castelo e outro para o Alegre.

A inauguração, que deveria ser festa de muitos convidados, não estivesse o rio Itapemirim tão seco, sofreu ainda outro contratempo, pois fora marcada para o dia 12 de setembro de 1887 e teve de ser adiada para quatro dias depois, em virtude do naufrágio do vapor Imperial Marinheiro, ocorrido na Barra do Rio Doce, uma vez que o vapor Maria Pia, fretado para conduzir a comitiva de Vitória à Barra do Itapemirim, se mobilizou para socorrer os náufragos.

Afinal, no dia 14, o Maria Pia aportava, às nove horas da manhã, na Barra, levando o Presidente da Província, Dr. Antônio Leite Ribeiro de Almeida; seu Chefe de Polícia, Dr. Dídimo Agapito da Veiga Júnior; o Oficial de Gabinete; o Ajudante de Ordens; um Alferes; o representante do jornal O Espírito-Santense, Major Domingos Vicente; o Comendador José F. Ribeiro; o Inspetor de Higiene, Dr. Ernesto Mendo, e outras pessoas de destaque da sociedade vitoriense, dentre elas, alguns deputados provinciais.

Na Barra, o abastado comerciante e empresário do porto, Simão Rodrigues Soares, e outro comerciante da localidade, Custódio Teixeira Maia, ofereceram à comitiva um almoço, onde foram erguidos diversos brindes. Após, os visitantes cavalgaram até a fazenda Ouvidor, pertencente ao Major Joaquim Gomes Pinheiro da Silva, chefe do Partido Conservador da Vila do Itapemirim, em cuja casa pernoitaram.

Prosseguida a caminhada, na manhã do outro dia, às 10 horas chegavam ao porto de embarque João Marques, na vila do Cachoeiro de Itapemirim. Ali, saudou-os festivamente a banda de música Estrela do Norte e começou a festa do povo, com vivas, girândolas de foguetes e muita alegria. Flâmulas, galardetes, arcos, flores, enfeitavam a rua 25 de Março, desde o porto, até o palacete de residência do Juiz Municipal, Dr. Pedro Carvalho de Moraes, casa escolhida para hospedagem do Presidente da Província, e outros.

À noite, o Dr. Ribeiro e comitiva percorreram as ruas da vila, cuja iluminação mais sobressaía na ponte municipal.

No dia seguinte (16), às dez da manhã, o trem inaugural, apinhado de gente, partia da estação do Cachoeiro e fazia o percurso, até Matosinhos, em uma hora e cinco minutos. Retardando a parada por vinte minutos, para dar tempo aos discursos e vivas, partiu, rumo à estação do Alegre. Explicando melhor, a vila do Alegre se distanciava légua e meia do ponto terminal da linha férrea, sito em terras do fazendeiro Vicente Ferreira de Paiva, banhadas pelo córrego Pombal, nome que tomou a estação, mais tarde mudado para Reeve [Rive]. Ali, o velho e rico fazendeiro, seu filho, genro e outros parentes ofereceram um lanche à comitiva.

Pela uma da tarde, a composição ferroviária regressava ao Cachoeiro, onde chegava às quatro e dez minutos. O povo, aglomerado na estação, levantou novos vivas e aclamações, enquanto o Presidente da Província e comitiva seguiam, em cortejo, até o palacete do Dr. Carvalho de Moraes.

Após curto descanso, foram os membros da comitiva participar da inauguração do Mercado Municipal, construído pela Câmara e localizado em frente à casa de comércio do Sr. Bento de Matos. Inaugurou-se, em seguida, o edifício do Grêmio Bibliotecário Cachoeirense, na rua então apelidada de Araújo Machado, em virtude do falecimento desse benemérito da vila, ocorrido no Rio de Janeiro, a 16 de fevereiro daquele ano.

No outro dia (17), às sete horas da manhã, a composição especial levava os convidados para inaugurarem o ramal do Castelo, onde chegava às onze horas. Naquela localidade, eram recebidos por populares e banda de música do fazendeiro Manoel Fernandes Moura, que desde a véspera os aguardava, na esperança de conduzir, pelo menos o Presidente, até a fazenda do Centro, programa que não se pôde concretizar.

Depois dos discursos e aclamações, números da banda de música e muitos foguetes, o trem regressou a Matosinhos, onde o fazendeiro Geraldo Amorim aguardava a comitiva com um lanche.

Às duas e cinqüenta da tarde, o silvo da locomotiva fazia-se ouvir, de novo, na vila do Cachoeiro.

É fácil imaginar a viva satisfação do povo com aquele melhoramento e progresso. A Estrada de Ferro Caravelas vinha ao encontro das aspirações dos fazendeiros, cuja produção de café não ficaria mais tão dependente das tropas de burros, podendo descer todo o Itapemirim e seguir até a Corte, confiada ao despacho na Companhia de Navegação e Estrada de Ferro Espírito Santo e Caravelas. Alegria, aliás, pouco duradoura, uma vez que os mesmos fazendeiros começaram a se manifestar descontentes com os preços das tarifas da estrada.

Aquela pequena estrada de ferro, bitola estreita, tinha três locomotivas Baldwin, pesando, cada uma, 27 toneladas; contava com: um carro de primeira classe; dois carros mistos; dois carros de segunda classe; dois carros de correio e bagagem; 18 vagões fechados; 6 vagões abertos; um vagão destinado ao transporte de animais; um vagão para explosivos; dois para padeiras e seis de lastro.

Decorridos alguns anos, a linha da Estrada de Ferro Caravelas passou para a propriedade do Lóide Brasileiro e em 1907 ela caiu no domínio da Leopoldina, ocasião em que se achava hipotecada a uma firma de Londres.

O traçado de Cachoeiro a Alegre tornou-se integrante do chamado Sul da Leopoldina: Cachoeiro a Espera Feliz.

A 27 de julho de 1912, era inaugurado o trecho que ligava a antiga estação de Pombal (Reeve) ao Alegre e, a 24 de novembro de 1913, era entregue ao tráfego o ramal entre esta cidade e Espera Feliz.

Quanto aos 21 quilômetros de ligação Coutinho-Castelo, trecho deficitário e obsoleto, não foi sem protestos da população que a Rede Ferroviária Nacional o extinguiu, em 1961.

O prédio da estação terminal, em pleno centro da cidade do Castelo, aguarda um aproveitamento condigno. Ele bem comportaria uma escola de alfabetização noturna, uma biblioteca e um museu.

[In Crônicas de Cachoeiro. Rio de Janeiro: Gelsa, 1966. Reprodução autorizada pela família.]

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Levy Rocha nasceu em 14 de merco de 1916, em São Felipe, então distrito de São João do Muqui. Graduado em Farmácia, residiu em Cachoeiro de Itapemirim e no Rio de Janeiro, interessando pela história de seu Estado natal. Publicou vários livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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