Era uma pequenina praia situada entre o monte Jaburuna e a desembocadura do rio Aribiri. À sua frente e a curta distância está a Ilha das Cobras sempre coberta de verdejante vegetação. No lado oposto da Praia da Glória, estendem-se, na ilha de Vitória, o mangue de Bento Ferreira e a Praia do Suá, uma das partes mais estreitas do canal de acesso ao porto da capital da província do Espírito Santo. A travessia desse trecho, foi feito inúmeras vezes pelo jesuíta José de Anchieta, pelo donatário Vasco Fernandes Coutinho e tantos outros que aqui viveram nos primórdios da nossa colonização.
A origem do seu nome reside no fato de ter sido ali, na frente daquela pequenina praia, que o primeiro donatário manteve ancorada a caravela Glória que o trouxe de Portugal com cerca de sessenta homens para colonizar o solo Espírito-santense. E, ali mesmo ela foi-se acabando pelo desuso e pela ação do tempo. Enquanto ali esteve foi referência do lugar e todos que por ela passavam diziam ter ido à Glória, referindo-se à caravela do senhor capitão. Desse modo acabou dando nome àquela pequena praia e á grande região que é hoje o bairro da Glória.
Por volta de 1920/1930, foi construído no pé do monte Jaburuna um galpão onde funcionou a única fábrica de cal de Vila Velha, de propriedade de João Freitas, filho do “coronel” Joaquim Rodrigues Pereira de Freitas, primeiro prefeito do município. Por várias vezes este autor testemunhou o trabalho de humildes pescadores que, quando não iam pescar, trabalhavam como fornecedores de matéria prima para a fábrica de João, e cujo trabalho consistia no seguinte: nas horas de maré baixa o fornecedor amarrava sua canoa a poucos metros de distância da praia. Com uma pá e em movimentos lentos, tirava sedimentos do fundo do mar, que nessa hora lhe cobria até a região do quadril, e o lançava na peneira que assentara no fundo. A cada duas, três ou quatro pás de material bruto colhido, a peneira era balançada, realizando a primeira seleção. Em seguida, a peneira era apoiada nas bordas da embarcação para a segunda seleção que consistia na cata de pedregulho, paus, folhas etc., sendo o resto despejado no fundo da piroga. Repetia-se esse trabalho quantas vezes se quisesse. Quando a canoa estivesse cheia, era levada para a praia e a matéria prima era transportada para o interior da fábrica. No transcorrer da semana, outros fornecedores vinham trazendo matéria prima da banda de Vitória, mais precisamente do mangal de Bento Ferreira e da praia do Suá.
Sobre essa matéria prima abundante nas margens do canal de entrada para o porto da capital, vejam o que disse o cientista canadense Charles Frederick Hartt quando passou por Vila Velha em 1866: “Quando em visita às praias de Vila Velha, Hartt notou a quantidade de corais serem ali mais abundantes do que em qualquer outra praia que conheceu na América do Sul. A espécie mais vulgar, cachimbo ou bergigão, era usada pelos habitantes da vila no fabrico de cal”. Realmente, ainda na metade do século XX, era esse molusco vendido de porta em porta, já fora da casca e em pratos. Um costume de longa trajetória no tempo porque o povo vila-velhense o apreciava desde longo tempo atrás.
Enquanto existiu, essa modesta fábrica de cal foi uma das coisas mais importantes na vida da vila porque toda sua produção era imediatamente consumida pelo mercado de construção de casas. A cal era empregada tanto no preparo da argamassa como no da tinta, principalmente depois que apareceu o pó corante. Da mesma forma que a cal era indispensável na vida da cidade, também o era o proprietário da fábrica que muito se alegrava com o reconhecimento da população. Não havia uma só pessoa que não o conhecesse.
[Reprodução autorizada pelo autor.]
Jair Santos é arquiteto e professor aposentado, natural de Alegre, ES, autor dos livros Vila Velha, onde começou o Estado do Espírito Santo e A igrejinha do Rosário.
Muito bom sua postagem , sou bisneto do coronel Joaquim Rodrigues Pereira de Freitas, meu pai morou na ilha das cobras por varios anos e lá nesceram alguns dos meus irmãos .
Prabens