Vitória, 21 de julho de 1943.
Senhor Presidente:
O minucioso e expressivo relatório apresentado a V. Excelência, em 31 de dezembro do ano passado, pelo meu ilustre e digno antecessor, major João Punaro Bley, como síntese das brilhantes realizações de um período governamental de doze anos, deixa bem claro e patente que o intercâmbio comercial do Espírito Santo repousa, principalmente, sobre a estrutura das suas tradicionais relações com os mercados externos.
Ao passo que o total exportado para o estrangeiro atingiu, de 1931 a 1942, Cr$ 1.525.373.000,00, o movimento de cabotagem para as demais unidades da Federação apenas totalizou, em idêntico lapso de tempo, Cr$ 690.283.000,00, ou seja, menos da metade daquele valor.
É bem de ver que, nessas condições, profunda repercussão deveria ter sobre a economia do Estado a conjuntura de guerra mundial na qual foi o Brasil forçado também a intervir para castigar e repelir o vandalismo totalitário. Desde o seu início, em 1939, um a um foram se fechando os mercados consumidores dos nossos produtos, até chegarmos à situação atual de mantermos transações, mesmo assim precárias, em virtude dos empecilhos à livre navegação, apenas com três países (Estados Unidos da América, Inglaterra e Argentina) dos quarenta e um que habitualmente se abasteciam em nosso porto.
Dessa situação, exclusivamente, nasce a série de dificuldades que defrontamos no momento, traduzida pela estagnação do nosso comércio, a apatia da nossa produção rural e o desequilíbrio evidente das nossas finanças com o seu cortejo alarmante de sucessivos déficits orçamentários.
Ao assumirmos o governo da minha terra natal, em 21 de janeiro último, um só e deliberado propósito me animava: contribuir, com o máximo de esforço, em prol do ressurgimento econômico do Espírito Santo, corrigindo os males dessa situação anômala e restaurando sua prosperidade, de modo a corresponder, assim, à desvanecedora e honrosa confiança de Vossa Excelência.
Na impossibilidade material de sanar as causas primárias dessa fase de depressão e afastada também a hipótese pouco simpática de ingressarmos no regime draconiano de uma feroz compressão das despesas, restam-nos somente dois caminhos a palmilhar: aguardar pacientemente o decorrer dos acontecimentos, numa atitude passiva, ou vencer esse “compasso de espera” fortalecendo as nossas forças econômicas e adotando uma política positiva de sadia atividade administrativa.
Escolhemos, sem vacilação nem temores, a última diretriz. Porque confiamos plenamente nas reservas inexauríveis do Espírito Santo, porque acreditamos cegamente no seu radioso porvir e, sobretudo, porque nada nos pode empecer o ânimo quando se trata de servir aos interesses maiores do Brasil e colaborar na obra ingente e patriótica de seu esclarecido Presidente.
Nessa disposição consciente e firme foi que procuramos expor, recentemente, a Vossa Excelência os nossos projetos de governo, que mereceram a sua imediata aprovação e o precioso e inestimável apoio de suas palavras e estímulo. Estruturamos o nosso plano administrativo sobre a base triangular: saneamento — produção — transporte, encarando assim, de frente, o problema fundamental da nossa futura expansão econômica.
Providências iniciais já foram tomadas para a instalação dos serviços de saneamento no rico e florescente vale do rio São Mateus, no norte do Estado, enquanto obra de maior vulto será empreendida em todo o Estado, graças ao beneplácito supremo de V. Excelência, pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento.
Um detalhado Plano Especial de Fomento já se encontra em fase preparatória e medidas inadiáveis para sua fiel e breve execução foram ultimadas, de modo a se aproveitar a estação que se aproxima, propícia ao plantio.
Continuam também em acentuado progresso os trabalhos de construção da rodovia Vitória a Campos, que ligará a nossa capital ao Rio de Janeiro com um percurso-tempo de nove horas e uma quilometragem total de 540 km, aproveitando os trechos da modelar Rodovia Ernani do Amaral Peixoto, recentemente inaugurada. Obra vultosa mas urgente, cuja feitura incumbiria, quiçá, ao próprio serviço federal, pelos aspectos estratégicos de que evidentemente se reveste, será mais uma contribuição valiosa do Espírito Santo ao esforço de guerra do Brasil.
Para fazermos face a tais empreendimentos, além dos elementos próprios com que contamos, estimamos em Cr$ 10.000.000,00, aproximadamente, as necessidades de auxílio ao Estado. Buscando uma fórmula prática de consegui-lo, sem tardança, tivemos ocasião de nos entender com a digna Presidência do Banco do Brasil, mediante prévia autorização de Vossa Excelência, sobre a possibilidade de ser restabelecido o limite inicial de crédito da conta mantida entre aquele estabelecimento oficial e o nosso Estado.
O débito atual do Espírito Santo àquele banco está reduzido a Cr$ 12.100.000,00, com o serviço de juros rigorosamente em dia, até 30 de junho do corrente ano. Restabelecido o limite de Cr$ 22.000.000,00, teríamos um disponível de Cr$ 9.900.000,00, quantia suficiente para cobrir as necessidades do plano administrativo que empreendemos.
Por outro lado, conforme se depreende das condições detalhadas no memorial anexo, dirigido ao Exmo. Sr. Dr. João Marques dos Reis, teríamos oportunidade de retomar, a partir de junho de 1945, o pagamento dos nossos serviços de amortização daquela conta, suspensa desde o ano de 1937, dentro de um esquema exeqüível e perfeitamente estudado, honrando assim os compromissos em atraso do Estado.
Submetendo o assunto à elevada e esclarecida atenção de Vossa Excelência, que, por certo, bem alcançará a justeza dos nossos argumentos e a sinceridade dos nossos propósitos, confiamos plenamente nas providências que julgar por bem adotar para a objetivação do nosso apelo, cujo sentido único é o de bem servir ao governo de Vossa Excelência e aos interesses supremos do Brasil.
Com as homenagens do meu elevado apreço e mui distinta consideração, tenho a honra de apresentar a Vossa Excelência as mais
Atenciosas Saudações
[In Cartas selecionadas – Jones dos Santos Neves. Vitória: Cultural-ES, 1988.]
Jones dos Santos Neves graduou-se em Farmácia no Rio de Janeiro e, de volta a Vitória, casou-se, em 1925, com Alda Hithchings Magalhães, tornando-se sócio da firma G. Roubach & Cia, juntamente com Arnaldo Magalhães, seu sogro, e Gastão Roubach. A convite de interventor João Punaro Bley, em 1938 funda e dirige, juntamente com Mário Aristides Freire, o Banco de Crédito Agrícola (depois Banestes), tendo depois disso seu nome indicado juntamente com o de outros dois, para a sucessão na interventoria. Foi então escolhido por Getúlio Vargas como novo interventor, cargo em que permaneceu de 1943 a 1945. Em 1954 retomou seu trabalho no banco, chegando à presidência, sendo, em 1950, eleito governador do estado. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)