Voltar às postagens

A Guilherme Santos Neves (Rio de Janeiro, 17/02/1957)

Rio, 17 de fevereiro de 1957.

Guilherm’zinho:

Tenho duas cartas suas a responder. Uma ferindo a tecla safada da política e outra, mais prática, anunciando a remessa de algumas latas do nosso saboroso café. Repita, quando puder, as doses do último, mas poupe também o meu pobre estômago das náuseas que, cada vez mais, lhe provocam as primeiras notícias.

Junto incluo um prospecto do último balanço semestral do [Banco] Operador. Se V. guardou o anterior (o que não acredito) poderá comparar e conferir o grau de prosperidade dos negócios. Vamos navegando. E com ventos favoráveis, de popa. Graças a Deus. Acredito, piamente, nas possibilidades de progresso da organização a que me consagro, hoje, à falta de mais relevantes missões. Pelo menos vivo tranqüilo, sem as ferroadas dos maruins da Ilha, embora, vez por outra, me assalte a nostalgia dos pagos e dos bons amigos que aí deixei. Mas vou criando raízes por aqui, vivendo, como Portugal, das glórias do passado, e sem nenhuma veleidade de ir a Macarangalha, nem só, nem acompanhado. Tenho pena, somente, das tristes perspectivas do nosso Estado. Como já se avizinha o pleito, parece que se assanham os candidatos, em busca dos afagos eleitorais, na dança lúbrica das cobiças desenfreadas. Mas sem qualquer pensamento mais alto em torno dos interesses coletivos. Tudo muito rasteiro e mesquinho, voltejando à toa, em redor de tristes aspirações de mando pessoal. Nada de programas e planos de trabalho que possam sacudir o Espírito Santo para o alto, onde, em meus sonhos, quis colocar, um dia, os seus destinos.

Mas os figurinos agora são diferentes, mais objetivos e práticos. E talvez os meus estivessem fora da moda e não se usem mais. Os exemplos vêm de cima e se traduzem, com muita propriedade, no conselho da marchinha carnavalesca que vai fazendo sucesso por aqui: “a gente tem que rebolar”… É um símbolo da época.

Contamos como certa a sua visita, com Marília, em junho, já que não vieram em janeiro. Comemoraremos e bebemoraremos, condignamente, a grande data.

Lembranças a todos e um forte abraço do mano velho

[In Cartas selecionadas – Jones dos Santos Neves. Vitória: Cultural-ES, 1988.]

———
© 1957 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
———

Jones dos Santos Neves graduou-se em Farmácia no Rio de Janeiro e, de volta a Vitória, casou-se, em 1925, com Alda Hithchings Magalhães, tornando-se sócio da firma G. Roubach & Cia, juntamente com Arnaldo Magalhães, seu sogro, e Gastão Roubach. A convite de interventor João Punaro Bley, em 1938 funda e dirige, juntamente com Mário Aristides Freire, o Banco de Crédito Agrícola (depois Banestes), tendo depois disso seu nome indicado juntamente com o de outros dois, para a sucessão na interventoria. Foi então escolhido por Getúlio Vargas como novo interventor, cargo em que permaneceu de 1943 a 1945. Em 1954 retomou seu trabalho no banco, chegando à presidência, sendo, em 1950, eleito  governador do estado. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

Deixe um Comentário