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A oferta e o altar, de Renato Pacheco

Já em 3ª edição, este livro límpido e encantador, que constitui, pode-se dizer, “o primeiro romance capixaba da literatura brasileira”, vem comprovar algo extremamente consolador nos dias de hoje: que ainda é possível um livro ter êxito, fazer carreira e atingir o público, sem nenhum apoio publicitário e até mesmo à revelia da crítica, baseado apenas em sua qualidade literária.

Quando surgiu a 1a. edição, graças ao espírito pioneiro das Edições GRD, a amizade que nos ligava ao autor nos conferiu o privilégio de saudar A oferta e o altar como uma obra de ficção que se impunha por sua originalidade e por apresentar uma qualidade artística à altura dos padrões universais. Ressaltamos, então, que o Espírito Santo já havia sido cenário para romances marcantes de autores de fora, como o célebre Canaã, de Graça Aranha, ou o ingênuo Cabocla, de Ribeiro Couto, porém era a primeira vez em que, ao invés de fornecer apenas incidentalmente uma paisagem para um enredo sem compromisso com a realidade local, tornava-se ele próprio o assunto da história, revelando-se, de dentro para fora, em sua realidade profunda de caráter social e político.

Naquela oportunidade, se bem nos lembramos, o livro de Renato Pacheco, além de dois ou três registros na grande imprensa do país, que deixaram transparecer uma superioridade distraída e condescendente para com o autor novo e sua obra, somente Rubem Braga dedicou ao livro uma leitura atenta e o elogiou com justeza e seriedade: “Nossa modesta literatura capixaba se engrandece muito com este livro de excelente feitura.” E acrescentava que seu autor soubera retratar o Espírito Santo como verdadeiro romancista, mas com um olho de sociólogo ou de repórter social.

Esgotada a 1a. edição, que foi muito bem lançada e a 2a., que não foi tão bem feita por outra editora, mas alcançou idêntico resultado, a 3a. surge agora, num primoroso trabalho gráfico da Editora Ática, quando o tempo nos proporcionou uma perspectiva suficiente para confirmar o óbvio: este livro é, sem dúvida, a revelação de um novo escritor. Tanto por esta fábula sobre Ponta d’Areia (que, apesar de seu sentido construtivo e conciliador não conseguiu fugir às chamas de um auto-de-fé em praça pública na cidade que lhe serviu de modelo), como por dois outros romances que se lhe seguiram (Fuga de Canaã, entrecho entrelaçado com a problemática étnica e histórica da obra-prima de Graça Aranha, e Reino não conquistado, primeiro volume de uma trilogia sobre uma família capixaba em evolução desde o século passado), Renato Pacheco se afirma como um valor autêntico da nova geração de escritores brasileiros, capaz de apreender a interação cósmica da terra e do homem e de desentranhar, na complexa tessitura de influências recíprocas, as grandes linhas que exprimem o desafio de um destino coletivo.

Compenetrado de fermento evangélico, o autor mostra uma igreja que ainda não havia se renovado em sua dimensão sociológica para assumir o atual papel transformador pós-conciliar. Renato Pacheco coloca como cerne de sua mensagem uma interrogação crucial e complexa que põe em questão o próprio destino de um povo: “O que é maior: a oferta ou o altar que santifica a oferta?” Com isso, ele compara o altar à natureza (em sentido amplo) e a oferta ao próprio ser humano, racional e vivente, que deve sacrificar-se e aproveitar os dons de Deus para valorizar a vida e transformar o mundo. O curioso é que essa mensagem profundamente cristã venha de um autor que se pretende incrédulo. Cremos que Renato Pacheco é um cristão que se ignora.

Outro aspecto curioso são os pontos de contato desse romance com outro romance de enredo e destino semelhantes, o Trepandé, de Plínio Salgado. Não estamos sugerindo que o livro do fundador do Integralismo, anterior pela criação e posterior pela publicação, tenha tido qualquer influência sobre o de Renato Pacheco. O que pretendemos assinalar é a impressionante coincidência de temática e de certas circunstâncias retratadas em ambos os romances, especialmente no que diz respeito à descoberta do petróleo, no livro de Renato, e à fraude que envolveu o falso petróleo, no livro de Plínio. Considerando que a antiga “Terê-pandê” retratada por Plínio continua a ser hoje uma “cidade morta”, na acepção lobatiana em que a vê o crítico Nereu Correia, enquanto a cidadezinha de Ponta d’Areia “mais sonha do que vive” sob o influxo da “febre do ouro negro”, torna-se oportuno repensar as raízes do Brasil em face da realidade poética e dolorosa dessas comunidades municipais entregues a si mesmas e a ocasionais tentativas de libertação econômica e política.

[In Revista Convivium, n. 4, 1983, p. 298-300.]

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Alfredo Augusto Rabello Leite (autor).

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