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A Pedra d’Água

Segundo o historiador Levy Rocha, o Sítio Pedra D’Água (onde está a Penitenciária Estadual), pertence ao Município de Vila Velha ficando a cerca de meia légua do centro urbano. Deste sítio o visitante descortina todo o prolongamento mais estreito da baia de Vitória. O nome Pedra D’Água originou-se da grande pedra isolada que aflora na margem da baía. Desde o tempo das Capitanias a região ficou sendo parada obrigatória dos viajantes que aqui passavam com destino ao norte e ao sul do país. Só em 1848 o Vice Presidente da Província lamentou o desconforto dos viajantes que perdiam tempo aguardando por uma embarcação que os ajudasse na travessia, razão pela qual sugeriu a criação de um sistema de barcaça apropriada, tipo daquela usada no rio Paraíba.

Dentre os viajantes ilustres que por ela passaram destacamos o renomado naturalista e zoólogo, o príncipe alemão Maximiliano de Wied-Newied, no dia 19 de dezembro de 1815 que pernoitou na cabana de um antigo morador enquanto esperava por transporte para a margem oposta.

Em 10 de outubro de 1818, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, por ali passando registrou observações sobre a extensão da baía e suas ilhas internas, o Morro do Moreno, o Monte do Convento da Penha, o Morro Jaburuna com o Sítio de Santinho, a pujante elevação do Mestre Álvaro, as inúmeras choupanas na margem oposta e a bela residência do Capitão-Mor em Jucutuquara e a Pedra dos Olhos, para onde deveria seguir. Divisou o Rio Aribiri e deteve-se nos detalhes da sua embocadura. O Capitão-Mor Francisco Pinto o recebeu com alegria e prometeu alojá-lo em sua casa, porém, sugeriu que retornasse para o Sítio de Santinho e que, no dia seguinte mandaria buscá-lo com toda sua gente e bagagem. Nesta oportunidade o proprietário do sítio revelou grande ódio aos Botocudos dizendo: “são como os franceses, só gostam de guerra”. Até então não conhecia a identidade do ilustre visitante.

Hospedaria dos Imigrantes

A imigração no Espírito Santo teve início com a chegada dos açorianos que foram estabelecidos em Viana no ano de 1813. Depois vieram os alemães, os italianos, os poloneses, os americanos do norte etc. Para recebê-los era indispensável a construção de uma hospedaria para os alojar durante o período de quarentena. Mais tarde essa edificação foi adaptada para servir à Guarda Nacional e, por último, foi transformada em Presídio Estadual.

Em 1910, foi ela considerada pelo Diretor de Agricultura, Terras e Obras, Dr. Antônio Francisco de Athayde, como uma das mais importantes obras que André Carloni projetou para o governo estadual, passando a aquartelar a Sétima Companhia de Caçadores Isolados e, após receber instalações elétricas, recebeu o contingente da Força Federal. Depois de reformada no governo Nestor Gomes (1920-1924) e administrada pelo Diretor de Obras Dr. Florentino Avidos, o edifício ressurgiu definitivamente como Penitenciária Estadual, tal como está hoje.

Morro da Manteigueira

Por se tratar de terras pertencentes ao Governo do Estado, o sítio da Pedra D’Água teve uma parcela de sua área desmembrada a favor de Charles Darcell conforme planta datada de 10 de outubro de 1892, onde foi construído o imóvel que devido à sua forma recebeu a denominação de “Manteigueira”. Em 1925 esta nova propriedade ressurgiu como pertencendo à firma Hard Rand & Cia, conforme planta topográfica existente.

A Manteigueira não foi obra dos jesuítas como disseram este e aquele depoente porque esses sacerdotes deixaram o Brasil no ano de 1759 enquanto a construção da Manteigueira é obra posterior ao século XVIII.

Lendas da região – Depoimentos

Inúmeras foram as histórias que os moradores das adjacências da Manteigueira criaram, sendo umas dirigidas às crianças. Outras do mais terno amor para as donzelas núbeis, além daquelas cheias de mistério e medo com episódios de assombrações da Meia Noite e etc. É o que destacamos entre alguns depoimentos dados pelos moradores dessa bonita região, hoje transformada em Sítio de Preservação Ambiental por via de Decreto Municipal.

Dentre os depoentes está o “professor Jofre”, assim conhecido em Vila Velha. Jofre, filho do comerciante Manoel Martins de Abreu e dona Maria Lucas de Abreu, ele comerciante estabelecido na esquina da rua Santa Terezinha com Jerônimo Monteiro, na Glória. Tendo Jofre nascido e sido criado no sítio do Morro da Manteigueira relatou coisas de quem ouviu todo tipo de histórias contadas pelos diversos vigias da velha edificação do alto do monte. Dentre os contadores de histórias conheceu João Gomes, casado com dona Lola que nele residiu e se tornou freguês da venda do seu pai. O segundo zelador foi um tal Messias com esposa e seus dois filhos que vieram do Rio de Janeiro a serviço da firma Hard Rand & Cia. O terceiro zelador, foi o senhor Henrique Marques que residiu em casa próxima à fábrica de cal de Joaquim Rodrigues Pereira de Freitas, por fim, o senhor Queiroz que foi guardião tanto da Manteigueira como da caieira a quem cabia comunicar a firma Hard Rand & Cia sobre qualquer anormalidade naquele local.

Além das lendas havia entre os moradores das proximidades o costumeiro zelo ante a presença de qualquer criança porque o morro sempre foi coberto de mata de restinga onde ocorriam picadas de cobras e, por se tratar de encosta íngreme, era lugar de precipício, com pedreiras, além de ponto de correnteza do rio Aribiri.

Uma das bonitas lendas que teve como palco a região da Manteigueira foi narrada pela historiadora Maria Stella de Novaes sobre um trágico amor vivido entre um português e uma índia, filha de um cacique goitacás chamado Iuramatã que conta o seguinte:

A bela índia Iara, filha do cacique, seguindo costume tribal, aguardava a decisão do conselho da tribo para escolher o guerreiro com quem deveria se casar. O português João- Maria, tinha por costume pescar no estuário do rio Aribiri, celeiro de robalos e outros peixes que subiam o rio no período da piracema. Um dia, ao contornar o Penedo e se aproximar do Sítio da Pedra D’Água, viu uma jovem índia deitada sobre uma laje que aflorava na margem e ali aquietar-se após o banho e ficar sob a luz do luar. Encantado, João se aproximou e ao ser visto pela índia, esta fugiu para o interior da mata. O jovem português fez da aventura um hábito e, toda tarde para lá se dirigia na esperança de encontrar a graciosa jovem. A freqüência fez com que Iara se aproximasse nascendo assim o primeiro grande amor entre as duas raças. Subiram a encosta do morro e, de lá Iara mostrou o domínio do seu povo e a aldeia com suas malocas. Um dia, esse amor às escondidas foi descoberto e, numa cilada foram capturados e levados ao conselho tribal e condenados à morte na fogueira. Os índios da aldeia fizeram um amontoado de troncos e galhos e sobre eles colocaram os dois amantes abraçados e crivados de flechas.

Desta história nasceu a seguinte lenda local:

A partir do conhecimento desse trágico romance vivido entre o colono português e a bela índia Iara, passou a surgir na Casa da Manteigueira as almas penadas (assombrações) de João-Maria e Iara nas altas horas transitando na sala e nos corredores da velha casa, de onde se ouviam gemidos e gritos que aumentavam ou diminuíam conforme o ciclo da lua.

[Reprodução autorizada pelo autor.]

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Jair Santos é arquiteto e professor aposentado, natural de Alegre, ES, autor dos livros Vila Velha, onde começou o Estado do Espírito Santo e A igrejinha do Rosário.

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