Caiu-me às mãos o número doze do jornalzinho O Itapemirim, órgão oficial do Grêmio Domingos Martins, do Colégio Pedro Palácios, dezembro de 1926, com importante achado: a colaboração do terceiro-anista ginasial Rubem Braga: “A Lágrima”. Essa crônica é considerada como a primeira estampada em letra de fôrma, do intelectual capixaba. Ocupa metade superior da segunda coluna, na folha de rosto do jornalzinho estudantil. O redator, por medida de cautela, estranhando provavelmente a precocidade do seu colega, teria acrescentado as aspas, nas quais a colaboração está fechada. Não pretendo alongar comentário, com a intenção de mostrar uma precocidade. O estudante era meio malandro. Mesmo em português, conforme os resultados finais dos exames efetuados perante as juntas examinadoras nomeadas pelo Departamento Nacional de Ensino, publicadas noutra parte do mesmo jornalzinho, fora aprovado com as notas seis e cinco, havendo alcançado sete em francês e, por um claro significativo, deixando de figurar o seu nome ao lado dos seis colegas aprovados, parece que ficou, em álgebra, para a segunda época. O insucesso não seria motivo inspirador da “pérola de amargura”, “própria essência do sofrimento”, “gota de água ardente”. Abaixo da famosa crônica, o diretor do Colégio, Prof. Aristeu Portugal Neves, publicou a carta que dirigiu ao embaixador da Itália junto ao nosso governo. Vale a pena transcrever o início da mesma: “No momento em que a alma italiana vibrando de comovedora emoção genuflexa perante o altar da Pátria de Dante agradecia a Deus ter livrado Mussolini do atentado anarquista do tresloucado Anteo Zamponi, a sociedade mais culta desta cidade, reunida no seu principal teatro, ouvia de pé o coral do hino fascista cantado pelos alunos do ginásio Pedro Palácios, filhos da ilustre e laboriosa colônia italiana aqui domiciliada e no meio da mais entusiástica demonstração de alegria.” É também publicada a resposta de agradecimento do Embaixador, a “tutta la popolazione di Itapemirim per la manifestazione entusiastica di giubilo fatta”. Imagino os dissabores da vida desse pedagogo que viu, anos depois, alunos do seu colégio publicarem outro jornalzinho, A Flama, quase anarquista; que assistiu à cidade repelir heroicamente a visita do chefe nacional do integralismo e que teve notícia da vitória das tropas da Democracia, de cujo contingente brasileiro fazia parte o cronista de “A Lágrima”, como correspondente de guerra na Itália. Mas, justiça se faça ao grande educador, de saudosa memória (toda uma vida em holocausto ao ensino); se alguma convicção política ele pôde despertar nos seus ex-alunos, a mais patenteada em público foi bem diversa da que conservou através das suas vicissitudes. O maior atestado dessa afirmativa é Rubem Braga, o cronista que Cachoeiro de Itapemirim deu ao Brasil.
[In Crônicas de Cachoeiro. Rio de Janeiro: Gelsa, 1966. Reprodução autorizada pela família.]
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Levy Rocha nasceu em 14 de merco de 1916, em São Felipe, então distrito de São João do Muqui. Graduado em Farmácia, residiu em Cachoeiro de Itapemirim e no Rio de Janeiro, interessando pela história de seu Estado natal. Publicou vários livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)