Vitória, 18 de julho de 1963
Kaçuquinha
De minha mesa de trabalho na CIEC, divisando, através das vidraças inteiras da janela, o nosso movimentado porto e acompanhando, às vezes, as manobras dos navios, inicio, hoje, a nossa correspondência para suavizar as saudades e responder, agora, a sua carinhosa cartinha de 13 do corrente.
Começo por dizer-lhe que me sinto inteiramente satisfeito com a nova vida que reiniciei na velha Ilha. Sinto que estou sendo útil à organização dos filhos. Vejo-os mais tranquilos frente às grandes responsabilidades de suas construções, tendo a impressão de que encontraram, agora, o suporte de que necessitavam para trabalhar mais confiantes. Já iniciei a minha colaboração, chamando a mim vários encargos e estabelecendo alguns controles práticos que a experiência me aconselha. É uma estranha e agradável impressão. Parece que recuei no tempo e voltei aos velhos tempos de G. Roubach, muito antes dos episódios políticos. Pelo menos, saio de manhã para o trabalho, volto para almoçar, retomo o serviço e regresso ao lar, às 7 horas da noite, mal sentindo o tempo passar. Depois da vida atropelada na grande metrópole, é um prazer a ida ou a vinda ao escritório em apenas 8 minutos, numa só chispada pela nova avenida Beira-Mar, sem paradas, sem guardas, sem sinais e sem apitos…
Salto à porta do escritório e subo, retorno à casa sem lá depender de elevador, nem de racionamento de luz. Quase nunca saio pela cidade e assim não vejo certas caras. Só raramente passo a pé pela praça Oito, em demanda da Livraria Âncora, muito bem organizada e simpática, onde até me servem um cafezinho… ou para comprar o que preciso. E esse modesto passeio o faço sem nenhum constrangimento, sentindo-me à vontade, sendo muito cumprimentado e, parece, olhado com simpatia. Ajo com naturalidade, como se nada tivesse acontecido, desejando apenas que aprendam uma lição de democracia com a minha simples presença na Ilha. Não dou bola para as conversas políticas, nem me intrometo nas fofocas da terra.
Apenas não retomei as pinturas, nem as encadernações. Por falta de tempo e por falta de espaço. Aos sábados e domingos, visitamos Thaís, Joel e Aldinha, na Praia da Costa. Sinto que, realmente, fomos inspirados na compra daquele terreno. É magnífico, sob todos os aspectos. Estou ansioso para começar a construção da nossa casinha lá. Mas isso depende da venda do apartamento aí, o que já me está desanimando. Procure apertar o Guerra, para ver se apressa a venda. Mesmo reduzindo o preço, se necessário.
De política nada posso dizer, nem daí, nem daqui. Ando fora do ar… Fico hoje por aqui, com espaço apenas para traduzir toda a imensa saudade que sinto de V., Maurício e dos queridos netos.
[In Cartas selecionadas – Jones dos Santos Neves. Vitória: Cultural-ES, 1988.]
Jones dos Santos Neves graduou-se em Farmácia no Rio de Janeiro e, de volta a Vitória, casou-se, em 1925, com Alda Hithchings Magalhães, tornando-se sócio da firma G. Roubach & Cia, juntamente com Arnaldo Magalhães, seu sogro, e Gastão Roubach. A convite de interventor João Punaro Bley, em 1938 funda e dirige, juntamente com Mário Aristides Freire, o Banco de Crédito Agrícola (depois Banestes), tendo depois disso seu nome indicado juntamente com o de outros dois, para a sucessão na interventoria. Foi então escolhido por Getúlio Vargas como novo interventor, cargo em que permaneceu de 1943 a 1945. Em 1954 retomou seu trabalho no banco, chegando à presidência, sendo, em 1950, eleito governador do estado. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)