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A Therezinha Santos Neves Leal (Vitória, 03/4/1964)

Vitória, 3 de abril de 1964.

Kaçuquinha, querida:

Agora que tudo acabou, que reina, de novo, paz em Varsóvia, aproveito este fim de tarde, calmo e sossegado aqui na CIEC, em virtude do feriado bancário, para responder sua afetuosa cartinha de 30 de março. Vejo que V., como eu, estava com as antenas ligadas, nessa data, véspera dos funerais de um regime. Através das reticências dos jornais, de algumas notícias esparsas de rádio e de otras cositas más, sentia que algo de muito sério se estava preparando. Mesmo à distância dos acontecimentos e sem acesso a melhores fontes de esclarecimento, não me passavam despercebidos os negros prenúncios que raivavam no ar. Quando ouvi, estarrecido, a manifestação dos sargentos no Automóvel Clube, nos arrepios das provocações inúteis e precipitadas, pude perceber que o Jango, talvez num ato de desespero, entornava o caldo. Falou antes do tempo e quis colher uma fruta que ainda não estava madura. Como Getúlio e talvez também o Jânio, confiou demais no povo e subestimou as forças da reação. Pena que tal tenha acontecido assim melancolicamente. Porque, em tudo isso, havia, no fundo, alguns ideais de grande pureza e de sentido autenticamente nacionalista que agora se perdem no tempo e no espaço. O erro maior desse episódio foi o de terem deixado os comunistas arrebatarem a bandeira nacionalista. Feita a divisão das águas e açulado o espírito de indisciplina dos marinheiros e soldados, tornava-se inevitável a reação da ordem e da legalidade. E foi bom que tal acontecesse, pois, conforme se verificou, o presidente estava prisioneiro de um dispositivo sem lei e sem grandeza. Entregue aos comunistas, não havia mais salvação para ele. O ideal nacionalista que parecia encarnar teria de cair-lhe das mãos, como caiu, sem, nem ao menos, deixar uma mensagem de esperança e de fé, seguindo o exemplo do inesquecível presidente Vargas. Sobretudo me desgostam a capitulação e a fuga. Como discípulo de Getúlio, não poderia nunca dar no pé, fugir e se mandar, numa cópia grotesca de certos aventureiros sul-americanos. Lembro-me das palavras viris de Getúlio, após ler, com voz pausada, o Manifesto de Outubro de 1930: “Vencidos, não recorreremos ao exílio.”

São estas, ao correr do teclado, as palavras que desejo enviar a V. para espalhar um pouco o cineral de tantas ilusões. Espero em Deus que a lição seja aproveitada pelos políticos e pelos grosbonnets da situação. Que despertem para enxergar as injustiças sociais que aí estão ainda gritando, que acordem para sentir que o Brasil é grande demais para ficar manietado ao guante de qualquer imperialismo e, como astro que é, jamais será satélite de qualquer nação.

[…] E a casa entra em fase final de acabamentos. Já ligamos a luz, estamos em pintura e, até o dia 15, muita coisa ficará terminada. Recebemos o pano das cortinas. A velhinha foi hoje ao decorador para apressar as encomendas das cortinas. Estou quase pensando que a minha obra ficará pronta antes de suas reformas, principalmente agora que as reformas parecem ter ido por água abaixo.

[…]

[In Cartas selecionadas – Jones dos Santos Neves. Vitória: Cultural-ES, 1988.]

Jones dos Santos Neves graduou-se em Farmácia no Rio de Janeiro e, de volta a Vitória, casou-se, em 1925, com Alda Hithchings Magalhães, tornando-se sócio da firma G. Roubach & Cia, juntamente com Arnaldo Magalhães, seu sogro, e Gastão Roubach. A convite de interventor João Punaro Bley, em 1938 funda e dirige, juntamente com Mário Aristides Freire, o Banco de Crédito Agrícola (depois Banestes), tendo depois disso seu nome indicado juntamente com o de outros dois, para a sucessão na interventoria. Foi então escolhido por Getúlio Vargas como novo interventor, cargo em que permaneceu de 1943 a 1945. Em 1954 retomou seu trabalho no banco, chegando à presidência, sendo, em 1950, eleito  governador do estado. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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