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Apresentação do livro O despedaçado ao espelho

Na noite de 15 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, Menotti del Picchia, em conferência muito vaiada, pedia uma “arte genuinamente brasileira, verde e amarela, filha do céu e da terra; do homem e do mistério”. E, se insurgindo contra todos os cânones e dogmas sem mais razão de ser, de uma poesia anacrônica, cheia de ritmos, rimas, metros, cesuras e hemistíquios, exigia muita luz, ar, ventiladores, aeroplanos, motores, reivindicações de todo o tipo, idealismo e chaminés. E terminava por renegar definitivamente a frauta dos pastores da Arcádia e os divinos seios de Helena.

Embora antecedida, ainda no século passado, por pioneiros quase anônimos, como Joaquim de Campos Leão, o Qorpo Santo do Teatro do Absurdo, a Semana de Arte Moderna de 22 foi, sem dúvida, a franquia aberta no corrido do tempo para que Oscar Gama Filho engendrasse esse seu importante O Despedaçado ao Espelho, paradoxalmente comparável, não ao escorrer leve ou intuitivo de uma inspiração, mas ao trabalho exaustivo de um monge, ao criar suas iluminuras de mil faces, ao fundo de sua cela.

Evidente, não será empresa fácil o decifrar a beleza destes poemas, exoticamente entrosados ao redor do homem sido e a ser. Uma vez dominado o livro totalmente pelo leitor, possivelmente numa segunda ou terceira leitura, sempre agradável, descobrirá ele o enorme e vago melancólico que Oscar atinou em extrair da vida (pelo menos a de nossos dias). Só o encarreirado dos títulos dos dez diferentes “Cacos” já bastariam para enfeixar todo o tema a que o autor se propôs, sobretudo o “Caco” do amor, sobretudo “Tempo de Aridez”, sobretudo o poema “Velhice”, isso, para dar um exemplo.

Oscar Gama Filho, confessando-se posse e dono de três mães em sua “Dedicação”, de certa forma justifica todo o seu compromisso poético-filosófico para com seu ego, ele mesmo poeta na vasta insatisfação de ser. Três vezes humano, Oscar não teria maneira diversa de cantar o Homem, outra vez paradoxalmente, dentro do incomensurável trabalho que adivinhamos e avaliamos ter tido o poeta com esta sua obra. “Carta à Minha Geração” bem explica a temática e o autor, tanto em sua essência, como em seu se mostrar. Oscar busca a elevação do homem em sujos patamares enquanto que, paralelamente, transpira sua decepção com o meio em que vive seu semelhante e seu comportamento ante a existência ascética, ou seja: ainda pura e intocada, para, no final da obra, contar, num derradeiro lampejo de esperança, todos os impossíveis do amor, apenas inaugurado, travestido em loucura na rendada roda de Aquarius. Com segurança muito profissional, Oscar atina em justo-empregar, sempre inesperadamente, uma e outra palavra destacável em certos poemas, coisa que lhes dá, de imediato, uma beleza e um significado singulares.

Possivelmente nesta tática, mais do que técnica, reside a maior força da produção de Oscar.

Para terminar, resta-nos fundir tudo o que ficou dito nas palavras de inconformação do poeta: — “… no mistério do corpo que some, / Some o verso que mora no corpo e no mistério”.

Rio, 1985.

[In: O Despedaçado ao Espelho. Vitória, Fundação Ceciliano Abel de Almeida/UFES, 1988.]

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João Felício dos Santos, romancista especializado em história, nasceu em Mendes, RJ, 1911, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, RJ, em 1989. Teve vários livros publicados entre os anos de 1949 e 1985.

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