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Entrevistado: Arlindo Mariani





Pescador da Praia da Costa, Vila Velha, ES.
Entrevistador: Fernanda de Souza
Data da entrevista:  23/01/2014

Local / data de nascimento: São João, município de Alfredo Chaves, ES, 03/03/1935
Nome do pai: […] Mariani, lavrador
Nome da mãe: Angelina Laquini, do lar

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Quando eu era pequeno meus pais me chamavam de Putinho, uma forma de tratamento que as famílias italianas se referiam às crianças pequenas. Hoje graças a Deus não tenho mais esse apelido. Sou de origem italiana.  Meus avós vieram da Itália. Minha avó quando veio da Itália tinha treze anos. Meus pais nasceram aqui no Brasil. Sou solteiro e nunca fui casado. Não tenho filhos, moro sozinho e minha casa é própria.

[O senhor possui barco?]

Eu não tenho barco. Eu pesco de carona com os outros e minha pescaria é de tarrafa para pegar isca para os pescadores.


[Quem são os pescadores que costumam ir com senhor quando vai pescar?]

Qualquer um deles me leva, é só eu pedir. Eu vou de carona, mas eu vou aqui perto, não vou lá fora em alto mar. Vou de manhã e mais ou menos às 10:00h estou chegando em terra. Pesco mais de tarrafa.


[Como foi a sua infância?]

Minha infância não foi muito boa. Comecei a escola com sete anos, mas vivia muito gripado. Eu tinha problema de respiração, e não respirava muito bem. Então era difícil aprender as coisas. Chegava da escola subia o morro (era meia hora para subir) para capinar café, plantar milho, arrancar feijão e mandioca. Eu trabalhava na lavoura.

Meu pai tinha uma roça com 10 alqueires de terra e plantava de tudo, milho, arroz, feijão, café, banana. Cuidava de porco, galinha e tinha um gado. Depois vendeu o terreno e não comprou mais e ficamos morando de meia com os outros. Nós morávamos em São João de Alfredo Chaves, e vendeu para comprar outro terreno e quando acabou não comprou. Passamos a trabalhar assim: o que a gente plantava de cerais brancos: arroz, feijão, milho e mandioca eram da gente, mas o café era a meia. Se apanhasse 200 sacas, 100 eram nossas e 100 eram do patrão.

Moramos em Alfredo Chaves até quando eu tinha 11 anos e depois fomos para Alto Liberdade, município de Colatina, e morei no Alto Liberdade quatro anos, que fica a 4 horas depois de Colatina […] mais oito anos. Servi o Exército em 1954 e depois fui morar em Nova Venécia, em Patrimônio do Meio. Lá moramos quatro anos e voltamos para Bananal de Linhares, onde moramos mais quatro anos. Já estava com 31 anos. Aprendi a profissão de relojoeiro e vim morar na Glória e comecei a trabalhar por minha conta.

[Há quantos anos o senhor mora aqui em Vila Velha?]

Eu vim para cá em 1966, tem mais ou menos 46 anos, por aí. Trabalhando por minha conta consegui, com cinco anos, comprar um lote e construir uma casa. Eu morava na Glória e depois fui morar em Soteco. Estou lá há mais de 40 anos.

[Quando o senhor começou a ter contato com a pesca?]

Desde criança tive contato com a pesca. Eu ainda usava sainha. Eu roubava a peneirinha de fubá da mamãe e ia pegar barrigudinho no brejo, nos córregos, onde ficam aquelas bolsinhas de água. Com 5, 6 anos eles me colocavam para vigiar os passarinhos, para não arrancarem arroz na beira do rio São João. Eu escapulia e ia à vendinha para comprar linha e anzol e ficava na beira do rio pescando lambaris, espantando passarinho para não arrancar o arroz, porque logo que nasce o passarinho arranca, e eu ficava vigiando. Comecei a trabalhar na roça com sete anos. Antes eu já tratava das galinhas, tirava mantimento de porco, banana, desde criança e não parei até hoje.


[Quando o senhor começou a trabalhar com a pesca como fonte de renda?]

Comecei a trabalhar com a pesca como fonte de renda depois que eu vim para Vila Velha. Eu pescava anchova no farol e pegava cada anchova!  Tinha dia de pegar 14 enchovas.

[Como foi seu início na pesca como trabalho aqui em Vila Velha?]

Logo que eu vim para cá ouvi falar dessa pescaria de enchova, que tinha no Farol. O pessoal pescava com um anzol e eu comecei a pescar com galhateira e começaram a me criticar. Aí eu vi que estava dando mais certo do que eles [e eles] começaram a fazer tudo aquilo que eu fazia. O pessoal até me vigiava para ver como é que eu pegava mais enchovas do que eles.

Eu levantava de madrugada e vinha ali (no Farol), e quando dava 7h eu saía, e quando dava 7:30h eu estava na oficina trabalhando, consertando relógios. Eu cheguei ali (no Farol) em três dias pegar 75kg de enchovas e consertar 35 relógios.

Eu trabalhei na relojoaria dos 31 aos 67 anos de idade e durante todo esse tempo eu continuava pescando de barco, que eu comprei.

Minha intenção era ser pescador mesmo, então comprei um barco a motor de centro e ia lá fora sozinho, mas como eu passava muito mal eu vendi o barco e passei a ir uma vez ou outra. Agora embarcado eu não passo mais mal, mas naquela época passava mal. Eu enjoava, uma vez vomitei sangue lá fora e foi quando eu desisti da pesca no alto, lá uma vez ou outra, ficava só nas beiras, de tarrafa, pegando isca.

Tainha ali, é tainha demais. Só que outros chegaram e tomaram a minha frente.  Eu pegava 15, 20, 30kg de tainha, agora chegaram mais uns quatro ou cinco e correm um na frente do outro.

Hoje eu sou aposentado. Desde que me aposentei, com 67 anos para cá, só trabalho com a pesca e faço uns servicinhos de casa.

[O senhor sempre ficou aqui nesse ponto da Praia da Costa?]

Primeiro eu ia no farol, agora foi fechado e as ruas também foram fechadas, querendo cercar até embaixo, o terreno que ia até na maré.

Tinha uma senhora que tinha um casarão ali, que nos deixava passar, mas eles começaram a cercar e acabou lá ficando fechado e mudei de posição para pescar. Depois vim para o ponto da Praia da Costa, pesco aqui, aqui jogo tarrafa. Fico olhando e esperando o cardume  quando vem e jogo a tarrafa em cima para pegar as tainhas. Se eu pego, vendo, se não pego…


[O que é a tarrafa? Como é o procedimento de pesca com a tarrafa?]

É uma espécie de rede. Tem gente que coloca nas costas. Eu coloco nos dentes e jogo. Ela roda e cai em cima do peixe. É tarrafa de argola. A gente puxa e ela fecha em baixo. Tarrafa é uma espécie de rede que se joga sozinho.

Eu venho para a praia às 4, 5h, às vezes às 3h. Vou lá atrás do Moreno. Hoje, já fui no Moreno, mas hoje está ruim. Aqui na Praia da Costa eu jogo lá de cima da beira da pedra. Elas passam na beira de pedra. Mas não é toda época. Agora… em dezembro deu bastante.

No morro do Moreno é a mesma coisa. Fico em cima da pedra olhando. Mas hoje quando fui lá elas estavam passando longe e não deu para jogar a tarrafa. Vou mais para passar o tempo. Eu só pesco tainha. Só quando eu vou aí fora de carona, que eu vou à pescaria, que pego pescadinha, espada. Tem uma baixa grande que dá enchova […] Nessa batera aqui nós pegamos seis enchovas.

[Qual é a época da tainha?]

A tainha é do mês de abril e maio, quando começa vento sul. Esse ano deu muito em dezembro, mas o mês dela, a época que elas migram […] depois de três, quatro dias de vento sul, no mês de abril e maio, elas vêm com força.

Às vezes a gente não pega muito porque quase não tem vento nessa época. A tainha é mais vendida para isca. Tem gente que gosta. Eu prefiro uma tainha a uma pescadinha. Eu vendo para os pescadores daqui. Às vezes quase dá briga, quando pega pouco, um quer, outro também quer.


[Qual quantidade de tainha que senhor pega?]

A quantidade depende da época. Agora não estou pegando nada. A semana passada dei duas tarrafadas e apanhei 14kg, mas depois o máximo que eu consegui pegar foi 5, 6, 2kg. Hoje eu faço mais por esporte, para passar o tempo.

Quando eu trabalhava na roça, eu trabalhava em três lugares. Na hora do almoço almoçava e meus irmãos iam descansar. Eu ia visitar uma lavoura, ia a outra, e minha mãe falava assim – Meu filho? Você não vai descansar? E eu respondia: quando eu morrer, eu descanso.


[Há quanto tempo o senhor só pesca tainha?]

Tem uns 8 a 10 anos, desde que aposentei, que só pesco tainha e sempre vendo tudo. Quando eu vejo que não dá […] quando dá 10kg, eu vendo os 10kg, quando  são umas tainhas menores eu pego para fazer conserva que eu mesmo faço.

[Como é o processo de fazer a tainha em conserva?]

Pega a tainha, limpa, tira a cabeça e as nadadeiras (limpo na praia). Chego em casa coloco em uma vasilha com água e uma garrafa de vinagre e coloco na geladeira. No dia seguinte, limpo de novo, sai todos aqueles pretinhos que tem na barriga dela e coloco na panela de pressão. Tiro da panela de pressão e coloco um papel alumínio no fundo para não pegar e vou colocando as camadas de temperos: cebola, alho, coentro, tomate e 1 litro de óleo no meio. Coloco as camadas de tainhas e de tempero até o final. Coloco o óleo, tampo a panela de pressão e quando começa a ferver deixo por 40 minutos. Quando eu abro, se tiver muita água, abro a tampa e deixo secar a água. Fica uma delícia. Eu faço para meu consumo ou dou para os outros. Chama-se conserva de tainha. A gente pode fazer de manjuba ou sardinha.

Quando eu morava em Nova Venécia, que pescava no rio do Norte, fazia com piau pequeno, piabão. Minha mãe fazia e eu aprendi. Uma delícia!


[O senhor tem parentes aqui?]

Tenho meus irmãos. Meu pai morreu com 63 anos e minha mãe com 84. Perdi um irmão com 53 e outro com 63, de coração. Nós somos doze irmãos. Morreram dois até agora. Tem uma que morreu recém-nascida. Só tem um que mora em Recife, os restantes moram aqui, em Vila Velha. Tenho uma irmã que morreu há pouco tempo e uma que é minha vizinha, tem o Egídio, que é o mais velho que […] casa dos expedicionários, o Avelino, que mora em Itapuã, e esse, que mora em Recife, que é capitão do Exército aposentado.


[Como é sua rotina como pescador?]

Eu acordo às 3h, tem dias que é às 4h. Eu, em casa, durmo de dia, tomo um banho, deito e durmo. Às vezes nem almoço, como alguma coisa que passa a fome. Espero para depois almoçar. Tem dias que almoço 14, 15h.

Depois que acordo preparo o café para trazer para a praia e arrumo algum troço para eu comer aqui. Trago cafezinho e uma água. Olho em volta de casa para ver se tem algum bandido rondando. Às vezes, espero clarear o dia quando eu vejo que não está muito bom e olho o tempo como está. Dificilmente como alguma coisa antes de sair. Quando venho comer, como aqui, quando tenho fome. Venho de bicicleta e gasto de 20 a 25 minutos de lá até aqui. Quando estou com pressa, venho mais acelerado. Venho para a praia todos os dias. Só não venho se eu estiver doente. Se estiver chovendo venho em baixo de chuva. Mesmo com chuva eu venho. Por onde eu passo costuma dar muita água quando está chovendo. Se eu desconfiar que tem muito água, dou a volta na Glória. Eu fico aqui até às 10, 11h. Às vezes, quando está passando tainha, fico até às 14, 15h. Não tem hora certa para ir embora.

[Quando chega aqui na praia qual a primeira coisa que faz?]

A primeira coisa que eu faço quando chego aqui na praia é abrir o barracão e pego a tarrafa.

[Quem faz a tarrafa?]

Eu mesmo faço a minha tarrafa. Ela é feita de nylon seco. Compro a linha e faço. Antigamente, eu comprava, mas depois […] pescando eu ensinei a ele como preparava a linha para pegar enchova – Arlindo você me ensina a fazer tarrafa? – Você quer aprender a fazer tarrafa? – Eu quero.

Apanhei dois palitos de picolé e é assim. Ele fez o começo. Olhei e comecei a rir, ele fez uma em seguida da outra…

[Para se fazer a tarrafa precisa de dois palitos de picolé?]

Não. Para se fazer a tarrafa a gente tem uma tabuleta, mas como a gente  não tinha, ele apanhou dois palitos de picolé .Eu aprendi assim, ali na pedra. Hoje tem uma espécie de agulha quadradinha, coloca a linha nela e vai soltando e vai preparando…

Uma tarrafa grande pega dois, três meses para fazer. Era para custar pelo menos uns R$2.000,00. Eles fazem ali e vendem […] Eu mesmo faço, mas não faço para vender. Tenho dez tarrafas. Aqui só tenho três, as outras estão em casa. Hoje mesmo vou preparar outra para ver se melhora a pescaria. Se quebrar as malhas a gente vai remendando. Quando ela fica velha, muito cheia de nós ou apodrece a linha, a gente descarta e aproveita só a chumbada. Se o cara tiver cuidado, se não jogar em cima de pedra, dura 5, 6 anos.

[Como era esse ponto da Praia da Costa antigamente e como está hoje.]

Essa praia era metade de areia?[…] Lá naquela passagem da pedra, quando dava aquela maré de 1,8m a gente passava com água aqui. Hoje, com a maré cheia, você passa quase no seco. Depois que fizeram aquela ponta do Tubarão tirou a correnteza que levava essa areia de volta de Itapuã para lá. Agora não tem mais correnteza, e quando vem do sul a correnteza trás a areia para cá. Daqui para lá não tem mais correnteza, aí fica acumulada aí. No trampolim, quando não era seco podia nadar. Hoje você vai no seco, onde era o trampolim. Eu cansei de passar ali, onde tem aquele prédio escuro, com a maré no asfalto. Nem mais onda tem como antigamente. Chegava aqui, ninguém entrava na maré, era uma ressaca que fazia medo […]

Aqui ajudei a puxar rede de oito toneladas de sardinha. Você olhava aí para dentro e só via cardumes, aqueles roxos. Em Itapuã e Itaparica eles pararam de puxar porque não tinha mais… Aquele caminhão de Belo Horizonte, de Brasília, do Rio […] na praia. Pararam de pegar porque não tinha mais saída, de tanto que tinha. Você olhava, só via roxo de sardinha, manjuba. Hoje você não vê mais.


[Que tipos de peixes eram pescados?]

Antigamente, pescava todos os tipos de peixes: sardinha, manjuba, tainha, pescadinha, espada, enchova, dava muito olho de boi em abril e maio, na época da tainha. Ele vinha para atacar a tainha e a gente pegava. Xaréu, hoje você quase não vê mais. É muito difícil ver olho de boi aqui na beira.


[Hoje, quais os peixes que mais se pesca aqui?]

Hoje costuma pegar aqui pescadinha e espada. Na época da enchova dá umas enchovinhas aí fora. Os que pescam à noite, perto dos navios, pegam umas sardas aí, mas não é mais como era antigamente. Está muito diferente.


[Quais as lembranças que o senhor tem daqui e de outros pontos de pesca?]

Na Glória eu pescava de tarrafa e a última vez que eu fui lá voltei por causa de tanta poluição e mau cheiro. E tem gente que pesca lá, não sei como. Eu não tive coragem de jogar tarrafa lá, nem de entrar na água.

Na Barra do Jucu não era proibido. Eu saía na ponta do rio, pegava peixe à beça. Mas depois saiu a proibição, se for lá com a tarrafa e se pegarem, eles prendem. Naquela época, que não prendiam, tinha muito mais peixe do que hoje.  Mas assim mesmo tem gente que pesca lá à noite. Depois que proibiram, eu nunca mais fui lá.

Aqui, na ponta da barrinha, eu pegava tainha na beira do quartel à noite. Mas o meio ambiente disse que ali é boca de rio. Ali não tem nada de boca de rio. O rio que passava ali tiraram dali tem mais de 40 anos. Ali é só esgoto também, esgoto feio mesmo. Não sei como gastaram tanto dinheiro ali. Fizeram a rede de esgoto e a maioria não limpou. Vai tudo para dentro da água…


[Por quanto tempo o senhor acha que ainda vai continuar pescando?]

Eu pretendo continuar pescando até eu aguentar, até quando estiver respirando.


[Qual é a sua maior renda?]

A minha maior renda é da aposentadoria. A pesca quase não dá nada, é só para passar o tempo. Eu pesco porque eu gosto, por prazer mesmo. Se me tirar a pesca eu não aguento um ano mais. Eu não aguento ficar sem pescar… Desde criança, se eu ficasse uma semana parado, começava a adormecer perna, braço, o corpo todo. Quando tinha 18 anos, acordei com o corpo todo adormecido, só a cabeça é que estava boa. […] Eu não posso ficar parado, se eu ficar parado começa a adormecer braço, perna…


[Tem alguma coisa que o senhor gostaria de acrescentar?]

Só queria que eles tomassem providências para liberar mais os pescadores. O cara, para tirar uma carteira de pescador, ele tem que ir a cinquenta lugares. Eu tenho um protocolo para melhorar minha carteira, para eu poder ir pescar embarcado, e já tem um ano e ainda não me deram a solução ainda. Tem mais de um ano que estou com o protocolo que dei entrada e não deram nem sinal. Eu e outro.  Não estão nem ligando. O negócio deles é que querem acabar com os pescadores artesanais. Esses barcos que estão aí, a maioria são de pesca. Outra coisa que deveria de ter é a marcação para o barco subir.  Você chega aqui com o barco para subir, o banhista ainda acha ruim, […] para controlar subida e descida de embarcações que aqui não tem. Quando chegam (os barcos) os banhistas acham ruim. Eles acham que tem mais direitos do que os trabalhadores, e é só.

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