Transpondo a boca do Rio Doce de Regência a Povoação. Foto Gilson Soares, 2014. |
De onde desembarquei – na margem norte do Rio Doce – até o povoado de Povoação, é um pulo.
A partir daí, no entanto, as distâncias tornam-se longas e as estradas ficam povoadas de solidão: estamos transpondo o Vale do Suruaca, entre o deserto e o mar.
Deserto, eu disse?
Aqui no nosso Estado – ali pertinho – e justamente em um trecho que está dentro da área de jurisdição geológica do lacustre e abundante Delta do Rio Doce?
Sim, pode acreditar.
Pontal do Ipiranga. Foto Gilson Soares, 2014. |
O Vale do Suruaca que já foi, até meados do século passado, uma planície costeira prenhe de biodiversidade e que foi descrito e saudado, pelas pessoas que ali moravam ou que por ali passavam, como o Pantanal Capixaba, vem, sim, inexoravelmente, adquirindo uma compleição de deserto.
À medida que vou me afastando de Povoação, a paisagem a noroeste de mim vai se esmaecendo.
Por Cacimbas e Desterros vou pedalando solitário nesta manhã outonal de segunda-feira, até chegar a Pontal do Ipiranga, onde paro para rever o mar e almoçar.
Urussuquara. Foto Gilson Soares, 2014. |
O meu plano, nunca rigoroso, de viagem, admitia para aquele dia duas possibilidades de pernoite: Urussuquara ou Barra Nova.
Como tanto a minha meio, como sempre, contrariada saída de Regência tinha acontecido um pouco mais tarde do que o previsto, quanto, também, porque a minha parada pra almoço em Pontal do Ipiranga tinha sido um tanto mais folgada, expansiva e contemplativa do que tinha planejado, considerei que seria melhor aportar mesmo em Urussuquara, onde cheguei ao meio da tarde.
Claro que contribuiu também para a escolha desta opção, o meu interesse por essa vila.
A riqueza sonora do seu nome – seja grafado com ss ou ç, como tenho visto – e a sua localização à frente da passagem lenta e longitudinal do rio Ipiranga quase tangenciando o Oceano Atlântico, determinam que eu guarde uma antiga atração por – grafemos assim – Urussuquara.
Por ali, então, fiquei naquela tarde e naquela noite, em conversas e passeios destituídos de limites e sem nenhuma outra intenção que não fosse conversar e passear.
Já do outro lado do Rio Doce, farol de Regência ao fundo. Foto Gilson Soares, 2014. |
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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)