Emissário: | Onde mora a bela condessa, Língua de França, onde nasceu? |
Condessa: | O que quer com a bela condessa Língua de França, onde nasceu? |
— Senhor rei mandou-me aqui, Buscar uma de vossas filhas E levar você também. |
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— Eu não dou as minhas filhas, Nem por ouro , nem por prata, Nem por sangue de Aragão, Para casar com esse ladrão. |
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— Tão contente que eu me vinha E tão triste que eu me vou, Por causa da bela condessa Que sua filha me negou. |
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— Volte atrás, bom cavalheiro, Por ser um homem de bem Subie naquele outeiro Escolhei daquelas três: Uma se chama Maria, Outra se chama Guiomar, A mais formosinha delas Chama-se Estrela do Mar. |
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— Assentai aqui menina, Para coser e bordar, Que do céu lhe há de vir Uma agulha e um dedal. O dedal será de ouro, A agulha será de prata, Palmatória de marfim Para a mestra castigar. |
A “Bela condessa” ou “Senhora condessa” é uma das mais antigas canções de roda. Cantam-na, ainda hoje, principalmente as crianças do interior do Estado. As variantes que conseguimos recolher são de Vitória, Conceição da Barra, São Mateus, Santa Leopoldina e doutros municípios do interior.
Trata-se de roda do tipo “escolha de noiva”, como a “Eu sou pobre, pobre, pobre”, porém muito mais característica.
Cecília Meireles, em “Infância e folclore”, dedicou a este folguedo, interessante estudo, desenvolvido em cinco artigos (A Manhã, de 7, 9, 10 e 22 de abril, e 16 de maio de 1942). Neles cita a inteligente folclorista inúmeras variantes brasileiras e portuguesas, além de versões da Espanha, Chile, Argentina, Venezuela e México — o que prova a larga difusão desta cantiga, assim em português como em espanhol.
Na versão anotada em Conceição da Barra e transcrita acima, bem como numa das variantes de São Mateus (transcrita adiante), há, segundo nos parece, evidente enxerto de fragmento de algum romance velho, o que não ocorre em nenhuma das variantes referidas por Cecília Meireles, nem em outras que também conhecemos, como a citada por José A. Teixeira, em Folclore goiano, p. 352; a por Julio Aramburu, em El folklore de los ninos, p. 87; a que registra Eduardo M. Torner, em El folklore en la escuela, p. 109. É o trecho em que a Condessa oferece as três filhas, mencionando-lhes os nomes:
Uma se chama Maria Outra se chama Guiomar, A mais formosinha delas Chama-se Estrela do Mar. (Conceição da Barra) Uma se chama Maria, |
Confrontem-se, por exemplo, estes versos com o romance de “Faustina”, e as versões da “Nau Catarineta”, in Romanceiro português, de Vitor Eugênio Hardung, I, p. 22 e 141.
A versão colhida em Santa Leopoldina substitui “Língua de França, onde nasceu”, por “Língua de prata de Dona Alença”; outra variante capixaba canta o mesmo verso assim: “Língua de prata dona Lionença” — evidentes alterações da que se canta em Ouro Preto — “Língua de prata de ouro e nobreza” (Cecília Meireles, A Manhã, 10/4/1942).
Interessante é a acentuada tendência das crianças capixabas em nasalizarem a palavra “Condessa”, pronunciando “Condensa”.
Nas versões brasileiras citadas por Cecília Meireles — variantes paraenses, carioca e mineira — em em quatro das versões capixabas, o pretendente ou emissário dirige, às filhas da condessa, “amabilidades” jocosas, o que não ocorre na variante de Conceição da Barra, que mantém, ainda hoje, o aspecto singelo e sério do folguedo.
Da “Bela Condessa”, além da melodia que aqui fixamos, conhecemos três outras — a que se vê no Guia prático, n. 39, intitulada “Condessa”; a recolhida por Juan Alfonso Carrizo, em Cantares tradicionales del Tucumám, p. 49, sob o título “Hilo de oro, hilo ‘i plata”; e a que figura, com o nome de “Las hijas del rey moro”, em El folklore en la escuela, loc. cit.
A música registrada no Guia prático, em arranjo de Villa-Lobos, além de aproveitar os motivos de outras cantigas de roda (“Constança, meu bem Constança” e “A viuvinha”), não apresenta a mais leve semelhança com a suave melodia capixaba, e como que se desatavia dos encantos naturais que, em regra, caracterizam as melodias do folclore musical infantil.
Ressalte-se aqui, mais uma vez, que a preocupação cardinal dos autores deste caderno de cantigas, primeiro de uma série, é fixar, fielmente, rigorosamente, a letra e a música das canções de roda, recolhidas diretamente da fonte oral infantil, isto porque sempre tiveram, em alta linha de conta, que “a virtude máxima do folclorista é a fidelidade” (Luís da Câmara Cascudo).
As duas outras versões musicais — ambas de procedência argentina — também diferem acentuadamente da nossa. A primeira é allegro, vivaz, com início quase marcial. A segunda, moderato e — interessante! — reproduz exatamente, na parte final, a melodia correspondente ao responso da Ladainha de Todos os Santos “Te rogamus, audi nos”, em canto Gregoriano.
Modo de brincar: Quase não difere no Brasil a maneira de brincar esta roda, segundo o depoimento de Cecília Meireles. Forma-se uma fila de crianças, de mãos dadas — é a condessa e as filhas. Do outro lado, sozinho, o emissário. Canta-se o longo diálogo, em movimentos de vai e vem, como os da cantiga “Eu sou pobre, pobre, pobre”. Escolhida a primeira “noiva”, que fica “assentada” no lugar onde estava o emissário ou o acompanha nas embaixadas seguintes — a dramatização se repete até serem todas as filhas da condessa, escolhidas como noivas dos reis.
Transcrevemos abaixo, algumas das versões capixabas da “Bela condessa”.
De São Mateus:
— Aonde mora a bela condessa, Vinda de França, onde nasceu? — O que queres com a bela condessa, — Senhor Rei mandou-me aqui, — Eu não dou as minhas filhas — Tão contente que eu me vinha — Volte cá bom cavalheiro, — Esta eu quero, esta não quero, |
De Santa Leopoldina:
— Onde mora a senhora condessa, Língua de prata de Dona Alença, Seu rei mandou buscar Sua filha para casar. |
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— Minha filha não vai lá Nem por ouro nem por prata, Nem por sangue de lagarta. Volte a cabo cavaleuri Escolhei neste monteiro |
bis |
— Esta quero, esta não quero, Come queijo, requeijão, Vim buscar meu coração. |
bis |
De Vitória:
— Senhora dona condessa, Língua de prata dona Lionença. O rei mandou buscar Uma das filhas para casar. — Eu não dou as minhas filhas — Tão alegre que vim, — Volta cá meu cavalheiro, — Esta quero, esta não quero, |
De Vitória (morro de São Francisco):
— Onde mora a bela condessa, Filha de França, onde nasceu? — Aqui mora a bela condessa, — Meu rei mandou-me aqui — Minhas filhas eu não dou, — Tão alegre que eu vinha, — Volte, volte cavaleiro, — Esta quero, esta não quero, |
[SANTOS NEVES, Guilherme (pesquisa e texto), COSTA, João Ribas da (notação musical). Cantigas de roda. Vitória:Vida Capichaba, 1948 e 1950. (v. 1 e 2).]
Guilherme Santos Neves foi pesquisador do folclore capixaba com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)
João Ribas da Costa foi professor no interior do Estado do Espírito Santo.
Bom dia senhora Condessa língua prata Maria Liondessa
O rei mandou buscar uma das filhas para casar.
Eu não dou a minha filha nem por ouro nem por prata,
Nem por ouro nem por prata, nem por sangue de lagarta
Tão alegre que eu vim, tão tristonho voltarei,
pelas filhas da Condessa que nenhuma levarei
Volta cá meu cavalheiro, escolhei desse monteiro,
escolhei desse monteiro, qual delas você quer!
Essa quero, essa não quero, essa come pão na cesta
Essa come pão na cesta, bebe vinha da galheta,
Bebe vinho da galheta, come queijo e requeijão,
come queijo e requeijão, vim buscar meu coração!
Eu era muito pequeno, mas entendia assim!
Eu criança me lembro assim:
Bom dia dona condensa lingua de prata e dona lorata o seu rei mandou buscar uma filha p casar.
Minha filha ru não dou nem por ouro nem por prata nem por sangue da lagarta.
Tão contente vinha vindo, Tão tristonho vou voltando pela filha da condensa que nenhuma vou levando.
Volta ca seu cavalheiro escolher deste mosteiro a qual lhe parece bem e qual lhe parece mau.
Esta eu quero, esta não quero. Esta por ser a melhor bebe vinho na galheta, come pão com requeijao, vim buscar meu coração