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Capitania do Espírito Santo, julho de 1816

Viagem à Província do Espírito Santo – imigração e colonização suíça 1860, Vitória. Foto de Jean Victor Frond.
Viagem à Província do Espírito Santo – imigração e colonização suíça 1860, Vitória. Foto de Jean Victor Frond.

Autor:Tomás Antônio de Vila Nova Portugal

Transcrição e notas: Maria Clara Medeiros Santos Neves

Distrito de Rio Doce



Divide-se da capitania de Minas pelo espigão das serras que corre de norte a sul entre os rios Guandu, e Manhuaçu;[ 1 ] e da outra parte do rio a serra, que está defronte do quartel do Porto de Souza. Este registo[ 2 ] está a duas léguas da foz do Guandu, que entra no rio Doce por baixo do último degrau de cachoeira das Escadinhas: tem 1 inferior e 20 soldados. Depois vai uma estrada por 3 léguas até o quartel de Lorena, que tem pontes e estivas para a passagem. No Porto de Souza se embarcam os gêneros em canoas para o quartel de Linhares, aonde trocam os seus gêneros, e voltam com sal e ferro.

Do Porto de Souza, até a foz do rio Santa Joana, que entra do sul, há 5 léguas — deste ao rio Pancas, que entra da margem do norte — 2 ½, defronte está a ilha Santa Joana que tem ¾ de léguas de comprido; desta ao quartel de Anadia,[ 3 ] do sul, 2¾, e aqui há um inferior, e 12 soldados, e deste à povoação de Linhares há 11½ léguas.

A povoação fica sobre uma barreira elevada sobre o rio em forma de meia lua: terreno aprazível, muito fértil, de boa vista sobre as muitas ilhas que tem o rio, e livre de formiga: é infestado dos botocudos. Tem 36 fogos, e 234 almas. Um hospital militar no que foi quartel, e um alferes-comandante destes destacamentos. Tem-se feito um cercado de quase uma légua, até o 2o quartel, ao pé da lagoa; e se continuam para defender as lavouras das incursões do gentio. Este tem um inferior e 24 soldados.

Do outro lado defende o rio da lagoa Juparanã:[ 4 ] esta fica a légua e meia da povoação; é muito grande e abundante de peixe, e tem dentro uma ilha aonde se refugiam os pescadores.

Do lado do sul do rio, defronte da povoação, está a fazenda Bom Jardim, com engenho de açúcar; é de Felipe de Almeida Calmon, que aí vive em 22 pessoas de família. Desta segue uma estrada até o quartel de Aguiar por 4 léguas, que tem 3 pontes fortes, e podem os gêneros ir sair pela Barra do Riacho; e evita-se 8 léguas de volta pela praia.[ 5 ]

De Linhares à barra do rio Doce há oito léguas, uma légua acima está a fazenda de gado de José Miz, com 16 pessoas de família; desta à estrada geral para a Bahia vai a 4 léguas ao quartel de Monsarás,[ 6 ] de 1 inferior e 6 soldados, que serve de registo; e daí 3 léguas, é o sítio de Barra Seca, extrema da capitania, e divisa do distrito de São Mateus.

A barra do rio Doce admite sumacas, pode navegar em barcos por 20 léguas, tem porém a corrente muito violenta em tempo de águas: da margem do sul a 8 léguas do Bom Jardim, está o quartel Regência Augusta com 1 inferior e 10 soldados; deste pela costa há 4 léguas ao quartel do Riacho, 1 inferior e 6 soldados, e serve de registo. Subindo o rio está a 3 léguas a aldeia do Campo do Riacho, de índios com 200 almas, que outras vezes vão para o pé do quartel de Aguiar.

A ¾ de légua da aldeia, está a lagoa do Campo, e desta para o sudeste, a 2½ léguas está a lagoa Dourada. O quartel de Aguiar fica 4 léguas para o sertão, na altura da povoação de Linhares. No Riacho deságua o rio dos Comboios, e três léguas para o sertão está o quartel deste nome, com 1 inferior e 4 soldados. Tem muitas mais lagoas e rios, mas ainda não estão descobertos.

Vila Nova de Almeida

No Riacho começa o distrito desta vila, em uma concessão de 12 léguas feita aos índios em 1610 pelo antigo donatário. Três léguas ao sul do Riacho está a Aldeia Velha, porto de mar que admite sumacas no rio Piraquê-açu, em que conflui o Mirim que vem mais do norte. Tem 14 fogos com 22 habitantes. Na margem do rio, 4 léguas, está a povoação de Piraquê-açu com 52 fogos e 355 almas.

Duas léguas ao sul da Aldeia Velha, está Almeida em um sítio alto, ao pé do regato Piraú,[ 7 ] e pelo norte tem o rio Savanha,[ 8 ] que só admite lanchas. Tem um convento que foi dos jesuítas, por orago “os Reis Magos”, 152 fogos e 553 habitantes.

Entre estes dois povos tem o lugar de Traíras, com uma engenhoca de açúcar; e outra na vila, na Capuba. Há três pontes até o Jacaraípe, limite da vila, que são na ladeira Grande, no rio Novo, e no Jacaraípe; dista a vila da vila da Vitória 7 léguas.

Vila da Vitória — Capital

Principia o distrito na barra do rio Jacaraípe, em que só entram canoas; deste à povoação da Serra são 3 léguas, e deste à margem do norte do rio Santa Maria são duas e meia. Aquela é freguesia da Conceição da Serra: abaixo do morro da Serra, chamado “Mestre Alvo”,[ 9 ] que serve de baliza aos que demandam pelo norte a barra da Vitória. Desde a barra do Jaguaripe[ 10 ] norte-sul, até à margem do rio norte do Santa Maria são 5½ léguas, e de largura da freguesia 2 — nesta povoação há 23 engenhos de açúcar, 14 engenhocas, 312 fogos e 2.410 habitantes.

De Jaguaripe à vila pela costa do mar há 6 léguas (da Serra são 7) e uma légua antes da vila, se passa a ponte de Maruípe de 65 braças, sobre um braço do rio Espírito Santo[ 11 ] que cerca a ilha em que está a vila: neste território tem uma igreja, 2 engenhos de açúcar, 4 engenhocas, com 120 fogos, e 2.146 habitantes.

A vila terá 400 braças de comprido, e 200 de largo, situada em uma ilha de 4 léguas de circunferência, na ponta do monte Vigia, à margem do norte do rio Espírito Santo, que faz a barra a uma légua, e admite galeras e bergantins; tem muitas ilhotas, e bom ancoradouro, chegado exceto do leste: tem muitos cais, e no grande atracam sumacas.[ 12 ]

A freguesia é do orago da Senhora da Vitória, a Igreja do Colégio é contígua à do governo, e ao pé a Misericórdia, dois conventos: do Carmo e São Francisco; duas fortalezas, a de São João tem 3 baterias. Dois corpos de tropa de linha, um de pedestres, e três de milicianos; um batalhão de artilharia, e uma companhia de Henriques. Tem 937 fogos e 4.171 habitantes.

Pelas costas da vila vem o rio Santa Maria que desemboca no do Espírito Santo, povoado até a parte Cachoeira, a 6 léguas; nestas até a barra do rio Cariacica que também desemboca no do Espírito Santo, meia légua abaixo do de Santa Maria, tem 4 engenhos de açúcar e 2 engenhocas, 345 fogos e 2.186 habitantes.

Deságuam neste rio o de Mangaraí,[ 13 ] e Mulundu, e o de São Miguel em que principiam a estabelecer-se, e há 14 fogos e 150 habitantes. Desde a cachoeira principia a nova estrada de Minas;[ 14 ] com 1½, aonde se passa para a vila, podendo também descer-se pelo rio embarcado.[ 15 ]

Da barra do Cariacica ao porto de Tauba, e deste pela margem do sul da vala que vem do rio Jucu,[ 16 ] e depois pela margem deste à foz do rio Santo Agostinho são 7 léguas: e nesta extensão há 20 engenhos de açúcar, 12 engenhocas, três igrejas, 240 fogos e 2.243 habitantes.

A 4 léguas do porto de Tauba, está a povoação nova de Viana, povoada de ilhéus, nos chamados sertões de Santo Agostinho, defendido por 4 quartéis, com 36 soldados, está o melhor possível.[ 17 ] Tem 58 fogos, e 249 habitantes. Tem para a vila da Vitória o caminho do rio Santo Agostinho, deste ao Jucu e deste ao Espírito Santo 6 grandes léguas; ou por terra atravessando o rio Itaquari que deságua no Jucu, com uma ponte. Este território terá duas léguas, é muito fértil, e de muitas águas, com muitas várzeas e montes.


Vila do Espírito Santo[ 18 ]

Em Jacaraíba, defronte de Viana, principia este distrito, pela margem do sul do Jucu, até a fazenda da Caçaroca, e daí ao esteiro Aribiri, que sai um 4o de légua abaixo da Vitória, do lado do sul, junto ao penedo e perto à fortaleza de São João, e ¾ distante da vila do Espírito Santo – a 6 léguas desde Jacaroaba. Tem ao sul uma montanha em que está a Senhora da Penha: orago da vila é Nossa Senhora do Rosário.

Logo ao pé da Matriz, 200 passos do mar, principia uma campina que estava em paul com as inundações do Jucu; abriu-se-lhe uma vala antiga que tinham feito os jesuítas, e essa esgota o campo, e sai por baixo da fortaleza de são Francisco Xavier da Barra, que está entre a vila, e o monte Moreno; meia légua ao sul passa o Jucu que sai ao mar, só admite canoas; tem uma ponte de 70 braças, e da outra parte a povoação da Barra do Jucu. Duas léguas adiante fica a Ponta da Fruta, também de pescadores, como aquela; pouco adiante sai o ribeiro Doce, aonde acaba o distrito. Tem todo o termo 427 fogos, e 1.672 habitantes; a vila tem 81 fogos, 6 engenhos de açúcar, e 4 engenhocas.


Vila de Guarapari[ 19 ]

Principia o distrito no ribeiro Doce, até a lagoa de Maimbá, que são 6 léguas, e terá duas de culturas para o interior.

Tem a freguesia de Conceição, e uma capela do Coração de Jesus; a enseada e Meaípe[ 20 ] de pescadores, um porto perto à vila, e outro no Perocão, em que entram sumacas; tem três rios, nenhum navegável, o de Una, o de Meaípe, que às vezes fecha a barra, e o do Engenho Velho, que se confunde com um braço delgado do rio aonde está a principal povoação ao sul; tem três pontes em Una, Perocão e Meaípe. Tem 5 engenhos, 14 engenhocas, 280 fogos e 1.975 habitantes.


Vila de Nova Benevente[ 21 ]

Na barra da lagoa Maimbá, começa o distrito até a praia de Piabanha, perto da barra do Itapemirim, tendo seis léguas, e terá outro tanto para o sertão.

A 2 léguas de Maimbá está a vila sobre um monte junto ao mar a norte do rio Iritiba: serve de matriz a igreja dos jesuítas; o rio admite sumacas, e nele deságuam 7 pequenos rios — do norte, Salinas, Araquara, Curindoba, e Quatinga; do sul, Ponga, Picuari, e Jaueba. Da parte do norte da vila até à ponta dos Castelhanos há uma grande enseada abrigada do nordeste.

A uma [légua] e meia da vila desemboca o rio Piúma que corre ao noroeste, paralelo ao Iritiba, admite canoas, e nele entra do sul, uma légua da sua foz, o rio Novo, e outra légua mais o de Tapuano. Entre Benevente e Piúma faz a costa outra enseada, em que há pequenas ilhas, e nela se abrigam embarcações maiores. Tem 324 fogos, e 1.872 habitantes, seis engenhos de açúcar, e 4 engenhocas. A estrada corre sempre ao mar.

Vila de Itapemirim

Este distrito começa na praia de Piabanha até Santa Catarina das Mós, em que faz de distância 8 léguas.

A meia légua de Piabanha entra no mar o rio Itapemirim, em que entram lanchas; e meia légua da foz está a povoação de Itapemirim, criada em vila em 1815, a 27 de junho, orago Nossa Senhora do Amparo. A parte cachoeira do rio dista 6 léguas, e aí há dois quartéis: o do norte com tropa da capitania, e o do sul com tropa de Minas, até onde chegaram com a picada em 30 de agosto de 1814 e segunda divisão. Até os quartéis há 8 engenhos e uma engenhoca.

A 3 léguas fica o quartel de Boa Vista, que serve de registo com um alferes e 20 soldados, sobre uma alta barreira à borda do mar. Quatro léguas para o sul se atravessa o rio Itabapoana, aonde há outro quartel para os passageiros, e tem 3 praças. A fazenda da Moribeca dista pouco deste quartel pelo rio acima, e aí há engenho de açúcar, e muitos gados de criar. E meia légua ao sul de Itabapoana, fica Santa Catarina das Mós, que é extrema.

As margens de Itapemirim ficaram incultas pelas invasões do gentio, que obrigou a fugir os habitantes das minas do Castelo, aonde houve cinco povoações: Barra do Castelo, Caxixe,[ 22 ] Arraial Velho, Salgado e Ribeirão, e vieram estabelecer-se a uma légua do mar, trazendo imagem da Senhora do Amparo, começando a povoação haverá 30 anos. Parece porém que os limites da capitania pelo sertão devem ser aonde existem as ruínas das povoações do Castelo. Tem a povoação 140 fogos, e 2.000 habitantes.

Tem por tudo: 5 vilas, 7 povoações, 7 freguesias, 5 igrejas filiais, 3 colégios dos jesuítas, 4 capelas, 4 conventos, 7 portos de mar, 10 rios, 76 engenhos, 68 engenhocas, 3.523 fogos, 22.527 almas.

Campos de Goitacases

O distrito chega até o rio parado,[ 23 ] na forma do Alvará de 27 de julho de 1813, pelo sul, e pelo sertão, chega até aldeia da Pedra defronte da qual se acha o rio da Pomba, aonde há um destacamento de Minas: terá de extensão 14 léguas, e para o sertão 19, há as vilas:

São João da Barra

Distante uma légua da barra do Paraíba, está situada esta vila e terá quatro léguas ao lugar chamado Valetas.

São Salvador dos Campos

Todo o mais distrito é desta vila, e compreende os lugares em que há 6 freguesias, três [em] São Gonçalo, São Sebastião e São Salvador, e três mais [em] Aldeia e São Fidelis. O lugar de São Sebastião dista de São Gonçalo 2 léguas; desta a São Salvador, légua e meia; desta à Aldeia, 2 léguas; e desta a São Fidelis, 6 léguas.

Tem este distrito: fogos, 2.268 casais; habitantes, 31.923, destes são escravos 20.900; engenhos, 360; [fogos] nas vilas, 1.457; [fogos] no campo, 2.570; fogos [total], 4.027.

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NOTAS

[ 1 ] No original, Maynassu.
[ 2 ] Segundo Brás da Costa Rubim em seu Dicionário topográfico da província do Espírito Santo, passaria pelo espigão de uma pequena serra próxima do porto e de mesmo nome, uma linha divisória entre as províncias do Espírito Santo e Minas Gerais.
[ 3 ] Ainda segundo Rubim, este quartel estava situado na foz do rio de mesmo nome, que deságua na margem direita do rio Doce.
[ 4 ] No original, Giparanam.
[ 5 ] Estrada, ao que tudo indica, utilizada pelo bispo do Rio de Janeiro, D. José Caetano da Silva Coutinho, quando voltava de sua visita ao Espírito Santo, em 1812 ( D. José Caetano da Silva Coutinho, O Espírito Santo em princípios do século XIX).
[ 6 ] Quartel localizado na margem da lagoa desse nome, na margem do rio Doce.
[ 7 ] Provavelmente trata-se do regato denominado Piraém, que consta no Dicionário Topográfico, de Brás Rubim.
[ 8 ] Ou Sananha, conforme Rubim.
[ 9 ] Ou Mestre Álvaro, como conhecemos hoje.
[ 10 ] No original, Jacuaripe.
[ 11 ] Na verdade trata-se do canal da Passagem, um braço-de-mar, que os antigos confundiam com um rio.
[ 12 ] O autor se refere possivelmente ao cais que ficou conhecido como do Imperador, situado em frente à Igreja de São Tiago, atual Palácio do Governo.
[ 13 ] No original, Mangaiari.
[ 14 ] Estrada do Rubim, ou de São Pedro de Alcântara.
[ 15 ] A esse porto, assim como ao rio, se refere Brás Rubim, em seu Dicionário topográfico.
[ 16 ] Canal artificial, cuja construção é atribuída aos jesuítas.
[ 17 ] Povoação criada na época em que era presidente da província Francisco Alberto Rubim.
[ 18 ] Hoje município de Vila Velha.
[ 19 ] No original, Guaraparim.
[ 20 ] No original, Mihahipe.
[ 21 ] Hoje município de Anchieta.
[ 22 ] No original, Caixeixe. Segundo Brás Rubim, foi destruída pelos índios.
[ 23 ] Leitura duvidosa.

[Documento que faz parte do acervo do IHGB, original manuscrito com seis páginas. Localização: lata 21, doc. 22.]

Tomás Antônio de Vila Nova de Portugal foi ministro à época de D. João VI.

Maria Clara Medeiros Santos Neves, coordenadora do site ESTAÇÃO CAPIXABA, é museóloga formada pela Universidade do Rio de Janeiro e pós-graduada em Biblioteconomia pela UFMG, autora do projeto do Museu Vale e de diversas publicações. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

1 Comment

  • Anônimo
    14/04/2018

    acredito que o porto de Tauba, na verdade seja "porto de Taciba" [Itacibá]

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