O que foi o Espirito Santo. Seu crescimento demográfico. Importância da imigração. Paulo Viana. Fundação de Santa Isabel, Santa Leopoldina e Rio Novo.
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Para se aquilatar a importância da imigração no contexto sócio-econômico do Espírito Santo, é indispensável recordar os aspectos negativos de sua história política.
Até meados do século passado, a província não passou de mera divisão administrativa. Não pesava na balança econômica nacional, não tinha densidade demográfica capaz de eleger ou prestigiar um líder que a fizesse presente na trama administrativa do Império.
Expulsos os jesuítas em 1759, os indígenas catequizados e os aldeados em Benevente, Araçatiba, Serra e Nova Almeida, que somavam para mais de dez mil indivíduos, amoleceram de costumes e voltaram quase todos ao sertão. A lavoura perdeu comando e braços que a fomentavam. Os padres estimulavam a produção agrícola e assistiam às comunidades que se iam formando aos poucos.
Suas Cartas Ânuas falavam às cortes pelas vozes de seus superiores sempre influentes. Depois da expulsão… foi a derrocada, o esquecimento, o apanágio de afilhado quase sempre obscuro. Roberto Southey, historiador inglês, na sua reputada História do Brasil, disse que, no século XVIII, Vitória era considerada uma das principais cidades da América portuguesa.[ 5 ] Depois volta à decadência. É um aspecto de difícil interpretação. Tivemos mazelas, investidas de tribos perigosas, mas não foram diferentes das que feriram as demais unidades do Brasil Colônia.
Creio que o único futurólogo, aproveitando o neologismo dos economistas modernos, foi Saint-Hilaire, que profetizou: “Contudo, quando a província do Espírito Santo for sabiamente administrada e seus habitantes tiverem mais instrução, é possível que alcance um alto grau de prosperidade.” Mas a metrópole não descuidou só da educação, relegou todo o território, com sua gente, à própria sorte. A população definhava pelos achaques climáticos, pelo terror dos indígenas, pelo insulamento resultante dos maus caminhos, pelo servilismo de suas autoridades alienígenas. A raça degenerava de geração em geração. Imperava a miséria física e moral.
Em 1856 o recenseamento levantado pelo barão do Itapemirim, vice-presidente em exercício, acusou 49.000 habitantes, atrasados, anêmicos, debilitados por constantes epidemias. Viviam isolados. Nem estradas nem escolas. Por pouco não esqueceram a língua portuguesa. José Bonifácio Nascentes de Azambuja, presidente, quatro anos antes, 24 de maio de 1852, dizia à Assembléia: “A Providência Divina vela certamente sobre a população desta província que sem o seu auxílio, estaria hoje extinta por falta de recursos de medicina.”
Mas não faltava só a medicina. Faltava o homem sadio, o caminho vicinal, a estrada de penetração. Continuidade administrativa, recursos financeiros, e ensino. Não havia quem soubesse exigir do Império para que acudisse ao soçobro da velha gleba de Vasco Coutinho. Os deputados gerais e os senadores da província, na maioria, não conheciam o Espírito Santo. Vinham indicados da corte pelo partido que estivesse no poder. E os presidentes da província os elegiam, porque comandavam os colégios eleitorais.
Administrativamente a província não mereceu cuidados do poder central. E o crescimento da população, até o meado do século passado, correu só por conta do seu coeficiente vegetativo afetado de todos os fatores negativos: elevada mortandade infantil, insalubridade dos centros urbanos, desconhecimento dos princípios de higiene. Não havia atrativo para entrada de novas famílias.
O pequeno e efêmero surto de mineração, ocorrido em 1751 nas águas do Caxixe e arredores de Castelo, não deixou saldo humano. A penetração dos baianos pelos afluentes do Mucuri e do São Mateus, dos mineiros que transpuseram a serra do Caparaó e dos fluminenses, pelas cabeceiras do Itabapoana, pouca influência inseriu no cômputo geral.
Francisco Alberto Rubim | 1817 | 24.585 | almas |
J. Lopes Silva Couto | 1827 | 35.353 | almas |
Barão de Itapemirim | 1856 | 49.082 | almas |
Conselheiro Costa Pereira | 1862 | 60.702 | almas |
Joaquim Rodrigues | 1870 | 52.931 | almas |
Este último censo não deve ter sido feito com muito rigor pelo seu responsável, chefe da política da província. Colhemos os dados do estudo de Tulo Hostílio Montenegro para a valiosa monografia elaborada pelo nosso sociólogo Renato Pacheco, em Textos de História e Geografia do Espírito Santo. No século XVII, informa Saint-Hilaire, não havia 500 homens de nossa raça.[ 6 ] Este ilustre e sábio naturalista francês colheu preciosas informações ao percorrer a província em outubro de 1819. Quer quanto à produção agrícola, quer quanto à índole do povo, número de indígenas catequizados e epidemias reinantes.
Eis uma hipótese, versão por ele aventada: “as águas ruins que bebem habitualmente os colonos do Espírito Santo podem concorrer para a magreza, essa cor pálida, esse ar lânguido, que se observam na maioria deles e privá-los de energia necessária à nossa espécie” (p. 35). Logo na p. 37 conclui: “Pelo que disse da pobreza dos habitantes da província do Espírito Santo, não se estranhará, sem dúvida, o desleixo que os indivíduos de uma classe inferior revelam no trajar, qualquer que seja, aliás, a raça a que pertençam.” Não destoa esta observação do comunicado que em 11 de junho de 1790 fizera o capitão-mor João Inácio Mongiardino ao governo superior da Bahia: “A terra é capaz de toda a produção, fazendo-a, mas os seus habitantes frouxos e nada ferrados ao interesse. Os sertões dilatados é de muitos haveres, mas cultivados só três léguas de fundo à frente deles, distância a que chegam os lavradores, com receio da hostilidade do gentio bárbaro.”
Nesse mesmo ofício-relatório, tomamos conhecimento de que a população é de 15.000 habitantes, brancos, índios e negros.[ 7 ]
Depois de 245 anos do desembarque do primeiro donatário, é muito pouco. É verdade que as epidemias, os choques com os indígenas e as invasões holandesas causaram baixas consideráveis. O doutor Inácio Acioli, presidente da província, em 1º de junho de 1824 oficia ao marquês de Queluz, ministro, com cores sombrias: “É preciso enfim que S. M. Imperial esteja cabalmente ciente de que esta província é a mais miserável do Império: não tem agricultura nem comércio, seus habitantes são pobríssimos.” [O grifo é meu]
Afina com o que escreveu o capitão Mongiardino. Os espírito-santenses não se atreviam a penetrar no sertão. É preciso, porém, ponderar que as autoridades administrativas não os estimulavam. A estrada do Rubim, construída poucos anos antes, ligando Itacibá a Vila Rica, não teve policiamento adequado à proteção do colono. Como não se estabeleceu tráfego imediato entre as duas províncias, suprimiu-se a guarda protetora e o mato encobriu a obra do comandante Duarte Carneiro. O litoral baixara de produtividade. Só dava dinheiro o corte de jacarandá e do tapinhoã. Transporte terrestre nenhum. Os colonos não tinham muares, nem bois de carro. As plantações se faziam às margens dos pequenos cursos navegáveis. Muito lógico, aliás. Assim a civilização caminhou pelos rios Santa Maria, São Mateus, Jucu, Benevente, Itapemirim e um pouco mais tarde pelo Itabapoana. Depois da exaustão do ouro das Gerais e da queda do marquês de Pombal, o príncipe regente D. João pensou em tornar o rio Doce navegável. Não teve êxito. O obstáculos foram insuperáveis. Os ensaios que se fizeram foram todos frustrados.
O destino do Espírito Santo residia no amanho das terras do seu hinterland com a penetração do homem, derrubando mata, abrindo caminho e plantando. Era preciso elemento humano.
Coube a iniciativa ao intendente de Polícia Paulo Fernandes Viana, valido de D. João VI, protetor de Francisco Alberto Rubim. O ruralismo estacionara. Era preciso sangue novo. Paulo Fernandes Viana assim externa sua intervenção: “Por minha instância, projetei e consegui que, das Ilhas dos Açores, se transportassem casais de ilhéus que viessem, com efeito, muitos à custa das rendas da Intendência, pagaram de frete 504 a 704 por cada cabeça, exceto as crianças de peito; arranjaram-se com mesadas por dois anos nesta província, na de São Paulo, Porto Seguro e capitania do Espírito Santo; a todos se deram casas, terrenos, ferramentas, carros e bois ou cavalgaduras, e, ainda que em nenhuma parte prosperassem tanto, como na capitania do Espírito Santo, pela inconstância de seus gênios e pouco amor ao trabalho, na capitania, pelos cuidados do governador que ali estava, o capitão-de-mar-e-guerra Francisco Alberto Rubim.” A redação é um tanto confusa mas se percebe que o Espírito Santo foi onde melhor resultado se obteve, graças à assistência de Rubim.
Vieram trinta casais. Foram localizados em 15 de fevereiro de 1813 às margens do córrego Santo Agostinho. Vencidas as dificuldades, sem terem recebido bois, carros e cavalgaduras, a que alude o intendente, sofreram mas progrediram e a colônia de Santo Agostinho passou, num preito de justiça ao fundador, a se chamar Viana. Teve seu esplendor. Mas despojaram-na, depois, do seu imenso território. A política a aniquilou.
Heribaldo Lopes Balestrero, ilustre vianense e historiador, nos relata toda a empolgante e sentimental história do núcleo agrícola fundado pelos pacíficos açorianos.
Foi a primeira transfusão de sangue recebida pela província. Desde o fim de setecentos, pensou-se seriamente em se colonizar o rio Doce. Era ideia prematura e que demandava recursos de monta. Só logrou a perseverança do idealista João Felipe Calmon. Nem os condenados perseveraram com a promessa do perdão. Meia centena de espanhóis, sobreviventes do bergantim Santo Agostinho, arribados a Vitória, oriundos das Canárias, com destino ao Prata, foram levados para Linhares pelo destemido Calmon. Não se registra nem o nome de seu principal para a história o reverenciar.
O paciente geólogo, de fôlego potentíssimo, Charles Frederick Hartt, nobre canadense de origem germânica, visitou, estudou e compreendeu o complexo do rio cujo vale engrandeceria não só a província, mas o Brasil mesmo. Na p. 121 da sua Geologia e Geografia Física do Brasil, ele escreve: “Em parte alguma do Brasil, nem no Pará, vi uma floresta mais exuberante do que a do Doce. As árvores todas ligadas por lianas, e reunidas a uma densa vegetação secundária de palmeiras e arbustos, curvam-se para o lado das águas, e estendem seus ramos sarmentosos sobre o rio, como se desejosos de ar e de luz.” Essa visão do rio Doce tem justamente 103 anos. Hoje, bem! Não vem a propósito comentar o sacrilégio que os capixabas cometeram contra sua flora e fauna. Mas Hartt encontrou, na sua segunda visita, uma arrojada tentativa de colonização que muito pouca gente no Espírito Santo conhece. Ouçamo-lo: “Após a minha visita ao rio Doce, um bom número de famílias americanas se tem fixado aí, formando uma pequena colônia, que, tanto quanto posso assegurar, promete ser bem sucedida. Os colonos vêm dos estados do Sul, de um clima não muito diferente do Espírito Santo, e os que vi pareciam ser homens de cujas mãos um melhor futuro poderia advir, se bem que custosamente, para o Rio Doce. Desejamos que sua empresa possa ser bem sucedida.” Ao pé da p. 134 de sua obra, Hartt cita um tópico do Highlands of Brasil, vol. 1, p. 5, que diz: “Na Primavera de 1868, havia no rio Doce, segundo Burton, quatrocentos americanos, que estavam passando bem e estudando café.” Que rumo terão tomado esses pobres ianques? O rio Doce foi também um dantesco “inferno verde”.
O intercâmbio comercial esboçado pelas tropas de Antônio Dias e arredores longínquos, sob a proteção de Tomás Marlière, o francês apaziguador dos botocudos, não teve frequência regular. Saint-Hilaire lá esteve em 28 de outubro de 1813 e estimou a situação privilegiada e os favores que se ofereciam aos colonos para se estabelecer e comerciar, de modo a garantir o povoamento do trecho, de pouco mais de uma légua, dos cachoeiros do rio Doce, entre porto do Souza e Natividade, hoje Aimorés.
O povoamento e colonização do médio e alto rio Doce é consequência da construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas e teve origem depois de 1904.
Em 1847, trinta e quatro anos depois da fundação de Viana, principia verdadeiramente o surto imigratório da província.
O presidente Luís Pedreira do Couto Ferraz, a quem Daemon tece justos louvores, funda a colônia de Santa Isabel, com 163 prussianos. Foram os primeiros elos da corrente imigratória que se prolongará praticamente até 1900.
O mesmo presidente fundou a colônia de Santa Isabel sob a inspiração da monarquia.
Foi um ensaio promissor. Eleito deputado e agraciado com o título de visconde de Bom Retiro, deve se ter interessado pelo progresso imigratório da província que governou e representava no parlamento. Seu substituto, Antônio Pereira Pinto, cumpriu o mandato do Ministério da Agricultura, Indústria, Comércio e Colonização, mandando que se construísse estrada para as bandas de Cuieté, no médio rio Doce, onde ainda se faiscava ouro. Recebeu o nome de estrada de Santa Teresa, não galgava a serra do Timbuí e nenhuma relação teve com a vila do mesmo nome. Destinava-se a unir o rio Santa Maria ao centro noroeste de Minas Gerais. Foi apenas rústica picada que o velho traçado da Estrada de Ferro Vitória a Minas aproveitou como caminho de serviço e as tropas de Peçanha e Tambacori percorreram com seus jacás de lombo de porco, toucinho, fumo e queijo, para trocar por trigo, sal e querosene com os negociantes de Vila Mascarenhas, Colatina e Pau Gigante.
Cronologicamente fundam-se as colônias de Santa Leopoldina em 27 de fevereiro de 1856 e, em maio, a do Rio Novo, sendo esta de iniciativa particular. Governava a província José Maurício Fernandes Pereira de Barros, sob a proteção do ministro Couto Ferraz, nosso conhecido e, por que não dizê-lo, amigo da província. As colônias alemãs tiveram proteção particular depois de visitadas pelo imperador Pedro II, em 1860, que as percorreu com devotado prazer.[ 8 ] Dessa visita resultou o incremento à imigração para o Espírito Santo.
Por feliz acaso a província é confiada à administração de um jovem de 28 anos. Culto, inteligente e dinâmico, ligado por laços afetivos ao Espírito Santo, por ter nascido em Campos, quando a terra goitacá estava sob nossa jurisdição, José Fernandes da Costa Pereira considerava-se espírito-santense e em toda sua longa carreira política defendeu os interesses capixabas e fluminenses. Nomeado em 20 de fevereiro de 1861, empossou-se em março. Sua nomeação não deve ter sido estranha à visita que o imperador fizera.
Constatou S.M. a pobreza da província e, visitando as colônias de Santa Isabel, Santa Leopoldina e Rio Novo, convenceu-se de que era indispensável incrementar a colonização para vencer o marasmo provincial.
Costa Pereira administrou com alma, inteligência e presença. Foi o propulsor da colonização, assistindo os núcleos com interesse constante. Demorou-se pouco na presidência da província. Dois anos. Mas sua ação foi longa porque, eleito deputado pelo Espírito Santo, foi ministro da Agricultura, Indústria, Comércio e Colonização, ministro do Império e conselheiro. Teve seus olhos sempre voltados ao progresso de sua gleba. Foi o responsável pela demarcação dos territórios coloniais, pela abertura de estradas, tais como Rio Novo, Cachoeira Alegre, Guarapari, Santa Isabel e a mais importante de todas, talvez, a estrada Costa Pereira, ligando o porto das Pedras, no rio Santa Maria, próximo a Queimado, à sede da colônia de Santa Leopoldina e prolongando-a, serra acima, até o morro do Chapéu, no flanco da velha estrada do Rubim, revigorando o traçado para Ouro Preto. A estrada Costa Pereira, margeando o rio Santa Maria, prestou relevantes serviços depois da construção da Estrada de Ferro Vitória a Minas. André Carloni manteve por muitos anos a ligação por ônibus entre Santa Leopoldina e Alfredo Maia, estação hoje abandonada pelo novo traçado da estrada de ferro. Encurtou o percurso de Vitória a Santa Leopoldina de 20 horas.
Costa Pereira, em sua mensagem à Assembléia Legislativa, nos deixou valiosíssimo registro. Na pauta da exportação aparece o café com 13.300 sacas, superando o açúcar. A madeira beneficiada alcança a casa dos 12.900m³.
Ele recrimina o corte indiscriminado do jacarandá e pede leis protetoras contra a devastação florestal.[ 9 ]
Recomenda instrução e colonização.
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NOTAS
[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)