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Capítulo X



O território ocupado pelos italianos.
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A ocupação do território do Espírito Santo pela corrente imigratória italiana se processou, desde seu início até os nossos dias, de acordo com o seguinte itinerário cronológico e geográfico.

Começarei pelas colônias de fundação oficial, que receberam imigrantes encaminhados diretamente pela Diretoria de Imigração e Povoamento.

Excetuando-se a primeira turma, engajada por Tabacchi, que por ele foi localizada em suas terras, no município de Santa Cruz, todas as demais famílias não tiveram escolha. Foram conduzidas pelas autoridades de acordo com a conveniência do Serviço de Medição e Divisão de Terras.

Os pontos de desembarque foram Vitória, Anchieta, então Benevente, Barra de Itapemirim e São Mateus, onde eram recepcionados em acomodações adrede preparadas.

Constituíram-se verdadeiros pólos populacionais, ao norte de Vitória: lbiraçu (Conde d’Eu) e Santa Teresa. Ao sul da capital: Rio Novo e Alfredo Chaves. Santa Leocádia, em São Mateus, teve, ao que consta, duas turmas. É caso singular de pouca importância econômica. Esses pólos foram geratrizes das incontáveis colônias que se formaram por iniciativas exploradoras dos próprios colonos, à medida que se iam aclimatando e tomando conhecimento da região. Assim é que Santa Teresa povoou Figueira (Itarana), Boa Família (Itaguaçu) e Colatina. Alfredo Chaves deu origem ao povoamento que de Araguaia, galgando o divisor de águas dos rios Jucu e Benevente, se alastrou por todos os tributários desse importante caudal, da banda direita, costeando a serra do Engano a começar de Matilde, Carolina, Deserto, Maravilha, Urânia etc.

Rio Novo recebeu maior contingente. É o responsável populacional de Iconha, Guiomar, Vargem Alta, as duas Virgínias, Castelinho, Venda Nova, Conceição de Castelo, Castelo-Floresta (Burarama), enfim, as antigas regiões desconhecidas que constituíram o vasto território de Cachoeiro de Itapemirim.

Vamos, resumidamente, historiar, com os recursos, poucos aliás, que obtivemos de pessoas idôneas, às quais agradeço a cooperação, essa verdadeira diáspora espírito-santense. São belas caminhadas, ricas de episódios, e engrandecem seus pioneiros.

De Santa Teresa para o oeste.

O professor Carlos Henrique Aurich, por gentileza que não tenho palavras para agradecer, proporcionou-me os informes valiosos extraídos de sua monografia esgotada Introdução à História de Itaguaçu, editada em 1957. Quando os italianos, na sua faina de fugir às terras frias do altiplano de Santa Teresa, avançaram para o noroeste, encontraram um certo vazio desde a região conhecida por Caldeirão, Baixo Guandu e Afonso Cláudio. Esta zona, fronteiriça com o Estado de Minas Gerais, já estava semidesbravada com auspiciosa perspectiva, projetada por corajosa e empreendedora família fluminense: José Vieira de Carvalho Milagres,[ 22 ] conhecido por Major, abastado agricultor de Cantagalo, que fora atraído pela propaganda que se fazia das terras tributárias do rio Doce.

Visita do presidente Nestor Gomes à construção da Estrada Santa Teresa-Itaguaçu, trecho próximo ao Caldeirão. Construtor: Serafim Derenzi, 1923-24. Fotógrafo não identificado.
Visita do presidente Nestor Gomes à construção da Estrada Santa Teresa-Itaguaçu,
trecho próximo ao Caldeirão. Construtor: Serafim Derenzi, 1923-24. Fotógrafo não identificado.

Chegou, a esse sertão bruto e perigoso, em 1866, caminhando pelo vale do José Pedro e Manhuaçu.

A família Carvalho Milagres é o tronco de numerosa gente a quem o Estado do Espírito Santo deve relevantíssimo serviço de desbravamento, povoação e progresso de toda a faixa territorial compreendida entre o rio Guandu e Santa Joana.[ 23 ]

Em 1889, após a abolição, Carvalho Milagres foi pessoalmente por duas vezes à Itália e trouxe, às suas expensas, famílias italianas e espanholas. Entre as primeiras, aí estão os Salas, Morati, Canali, Carioli, Dal Col, Vicentini, Castiglioni, Pirola e dos bravos espanhóis Duque, Mudesto e Tapias. Pelo que nos consta, Carvalho Milagres foi dos poucos fazendeiros que tiveram a iniciativa de substituir o braço escravo por colonos livres.

Mas voltemos aos informes colhidos pelo professor Aurich.

De San Cassiano, província de Treviso, partiram, pelo veleiro La Valleja, chegando em 21 de junho de 1879, umas tantas famílias, que, depois de se demorarem três anos em Santa Teresa, se deslocaram para as terras do rio Santa Joana e seus pequenos afluentes. Sílvio Casotti, agrimensor, imigrante de turma anterior, que já estava exercendo sua profissão e media terras além do Limoeiro, foi quem abriu picadas naquela região. Ganhou o rio Santa Joana e trouxe as informações primeiras aos residentes de Santa Teresa. Em 1882, doze famílias, inclusive os passageiros do La Valleja, Rabbi, Toniato, Bergamaschi, Fardin, Denardi, D’Elaprani, Fiorotti, Coan, Demoner, Gallazzi e Meneghel, seguindo a picada aberta por Casotti, chegaram à barra do Limoeiro, onde Antônio Gonçalves Ferreira estava afazendado, próximo ao local que receberia o nome de Figueira, por vicejar árvore dessa espécie nessa paragem, a Itarana de hoje. Aí acamparam e ergueram rústica capela de pau-a-pique, substituída muitos anos depois pela atual matriz de Nossa Senhora Auxiliadora.

Assim foi fundada Figueira de Santa Joana. A árvore histórica serviu por muitos anos de abrigo a tropeiros.

Genoveva de tal foi a primeira parteira e curandeira. Eugênio Galleazzi, primeiro comerciante, e Jerônimo Casa, padeiro. Itarana, a velha Figueira de Santa Joana, prospera e abriga bela descendência italiana.

Prosseguindo na ânsia de boas terras, os italianos foram-se alastrando ao derredor das fazendas Portela e Palmeiras, fundadas pelos herdeiros dos Vieira de Carvalho Milagres. Em 1884 aparecem as famílias Gobbo, Sigolen, Esberti, Carpani e Zocca, que se localizam na região onde os primitivos proprietários haviam erigido pequena capela e patrimônio à Nossa Senhora da Penha. E assim surgiu o arraial de Palmeira de Santa Joana. Péssimo costume o de substituir os nomes primitivos. Todos os distritos de Itaguaçu sofreram essa metamorfose. Por que substituir Boa Família por Itaguaçu?

Em Itaçu — ex Queira Deus ou Paraju — estiveram os Belotti, Gaspezzo e Sacalzer — João Frechiani como primeiros italianos. Os municípios de Itarana e Itaguaçu, apesar de terem sido fundados, a bem dizer, por fluminenses e mineiros, devem sua prosperidade aos imigrantes que se deslocaram de Santa Teresa — Colnago, Frechiani, Zanotti, Guadagnini, Scárdua, Toniato, Coser e tantos outros que seria fastidioso enumerar.

De Santa Teresa para o norte.

O chamado Vale do Canaã, que é das paisagens mais encantadoras que um córrego cantante pode desenhar, com suas corredeiras, pequenas quedas, curvas violentas agora, suaves depois, espremido entre penhascos desnudos, encostas em matagal colorido, que tantas emoções provocaram aos caminheiros de Graça Aranha, foi desbravado ao primeiro fôlego dos imigrantes: Santo Antônio dos Polacos, Barracão Petrópolis, São Roque, Mutum, com os contravales de Valsugana, Tabocas e Perdido. Habitaram-no os Pretti, os Rossi, os Pagani, os Fachetti, os Villaschi, os Ferrari, os Martinelli, os Fontana, os Gasparini, os Fiori, os Zanandréa, os Vercellini, Perini, Frechiani, em suma, os componentes das primeiras famílias chegadas: lombardas, trentinas, friulanas, belunesas e vênetas. Estacionaram por muitos anos no médio Santa Maria do Rio Doce, onde prosperaram os Alfredo Afonso, Frittoli e os Dalla Bernardina. Dessa região para o norte, às margens do rio Doce, as terras não estavam demarcadas e a mata era mais fechada e o clima amedrontador. Depois de 1890 se inicia a demarcação das terras do rio Doce, começando justamente no desaguadouro de Santa Maria.

O acampamento dos agrimensores situava-se na encosta de um morro, onde a estrada de ferro furou o corte, em pedra, que dá acesso ao local que se chamou Colatina Velha. Como de costume, levantou-se um barracão hospedaria para os pretendentes aos lotes.

Graça Aranha, em 1890, com sua fantasia criadora, leva Milkau e Lentz a essa paragem nascente.

Mutum foi por muito tempo núcleo de certa categoria. Arraial próspero e promissor: capela, negócios, ranchos de tropas, meia dúzia de moradores, escola e, pasmem, um banco cooperativista, que não resistiu à queda do preço do café, que afetou todo o Estado no fim do século passado.

Os dois ragionieri, contadores, que haviam fundado o estabelecimento de crédito, no auge da crise, desapareceram. Eis um episódio singular que testemunhei: não me lembro o mês e dia. Foi em 1926. De tarde, como de costume, conversávamos, na porta do hotel de Euclides Médici, Leonel Soares da Silva, oficial do Registro Civil, José Ruschi, coletor federal, ex-agrimensor, eu e mais uns parceiros, quando saltou do ônibus, vindo da Santa Leopoldina, um distinto cavaleiro, de fisionomia italiana. Olhou-nos com cortesia e, se dirigindo a Ruschi, chamou-o à parte e, conversando amável e cerimoniosamente, se dirigiram à Coletoria. Ah! Estamos em Santa Teresa.

Nós ficamos curiosos e surpreendidos. Não voltaram os dois interlocutores.

No dia seguinte, pela manhã, o simpático estrangeiro regressou no primeiro ônibus. E José Ruschi revelou o mistério. O cavaleiro X, ex-presidente do Banco de Mutum, prosperou em Milão e, tocado por sentimentos religiosos, veio devolver, com juros, as pequenas economias furtadas aos depositantes. Reconhecera o patrício Ruschi pelo defeito fisionômico congênito: ele era estrábico dos dois olhos. Conhecia-o como homem de bem e incumbiu-o da restituição de trinta e poucos contos de réis, moeda da época.

Colatina

Ao chegarem as turmas de técnicos encarregados dos estudos do traçado da estrada de ferro, já alguns caboclos, prepostos de requerentes de prazos de terra, e alguns italianos de Santa Maria abriam rumos de suas colônias futuras e levantavam ranchos provisórios. O lugar tomou o nome de Colatina em homenagem à senhora Muniz Freire, esposa do ex-presidente do Estado, passando a distrito do município de Linhares, fabuloso e adormecido.

Infelizmente desconhecemos o nome do primeiro colono italiano estabelecido em Colatina. Dos brasileiros tenho lembrança.

Joaquim Castro, de Linhares, foi nomeado oficial do Registro Civil. Foi chefe de numerosa família, e entre seus filhos se destaca o engenheiro Solon de Castro, laureado pela velha Escola Politécnica do Rio de Janeiro, primeiro aluno da turma de 1919. De inteligência lúcida, fez carreira auspiciosa na Estrada de Ferro Central do Brasil, prestou relevantes serviços ao Espírito Santo, quer como profissional, quer como deputado ao Congresso Constituinte do Estado em 1934. Fez o curso de Direito, conquistou vasta cultura jurídica e reuniu especializada biblioteca. Faleceu em plena maturidade criadora. Outro membro ilustre: Edgar Castro, dublê de economista e escritor, conhece a língua. Seus artigos de filósofo moralista valorizam as colunas domingueiras de A Gazeta, de Vitória.

Lembro-me ainda de um certo César Grilo, carapina, sem falar no primeiro cacique político, a quem Colatina deve serviços: Alexandre Calmon, o Xandoca.

Auxiliado pela minha memória, por informações do Dr. Raul Giuberti, outro filho de italianos, enumero algumas famílias pioneiras, sem preocupação cronológica: Fereghetti, Pretti, Vitali, Andréia, Dalla Bernardina, Bongiovanni, Farini, Ferrari, Chippi, Zon, Scarton, Dalla, Pinotti, Fachetti, Luppi, Tommasi, Signorelli, Lavagnolli, Giuberti, Pagani, Fontana, Frechiani, Ermelando, Crema, Vago, Bertoluzzi, Rossi, Giurizatti, Menegatti, Colnago, Ceolin, Gobbo, Dallapicola, Delacqua, Bravin, Gatti, Stefanoni, Serafim, Maestri, Maioli, Margotto, Martinelli, Nichio, Pancieri, Passamani, Piazzini, Pucheri, Rossi, Sperandio, Tardin, Tironi, Vilaschi, Zanotelli, Zanoni, Zouain, e tantos outros impossíveis de serem recordados, por deficiência de informantes. Gente destemida e hoje bastante politizada.

* * *

A insalubridade que reinava nas margens do rio Doce foi sendo vencida com a derrubada das matas e queimas da vegetação baixa.

A uberdade das terras, a navegabilidade do curso d’água, a expectativa da estrada de ferro que avançava, venceram o temor e as colônias iam se formando pelos jovens, cujos pais aguardavam os resultados em suas primitivas lavouras.

Foram os principais núcleos Mutum, Baunilha e Córrego dos Espanhóis. Em Mutum, já vimos como chegaram os pioneiros. Em Baunilha localizaram-se, entre muitos, Francisco Crema, que logo abriu venda, Ernesto Vago, Bertoluci, o Barba Roxa.

Colatina expandiu-se rapidamente desde que foi atingida pela ponta dos trilhos da Vitória a Minas, funcionando como ponto de almoço dos passageiros, tendo botequins, negociantes e grande movimento de tropas.

Surgiram logo os madeireiros e a derrubada das perobas, cedros, braúnas, jequitibás, que procuraram os mercados cariocas e europeus. A tirada de dormentes e a lenha para as Marias Fumaças aceleraram a devastação florestal.

O presidente Jerônimo Monteiro (1908-1912) criou a Serraria de Barbados, de grande capacidade, que por muitos anos foi explorada pela firma Chagas, Lino & Cia., antes de passar para a família Baião.

Até 1920 o lado norte só era conhecido por caçadores. Permanecia no silêncio de sua pujança secular. Foi o presidente Nestor Gomes (1920-1924) quem incrementou a venda de terras de Colatina, já município, criando a Companhia Territorial, primeira autarquia do Estado. Construiu-se uma balsa que deslizava através de cabo de aço e impelida pela correnteza das águas. O lado norte, Transilvânia, foi se povoando. Malacarne e Guilherme Simonassi, agenciadores, começaram a percorrer os municípios de terras frias e os colonos de Iconha, Alfredo Chaves, Venda Nova e arredores foram comprando terras.

Mas a vara de condão do progresso do município de Colatina foi tangida por Florentino Avidos (1924-1928) quando mandou construir a ponte sobre o rio. Destinava-se a monumental obra a servir de ligação ferroviária com o distrito de Nova Venécia. A terraplanagem, embora precária, foi levada até São Domingos. Gorou a estrada de ferro, mas as carretas dos madeireiros e concessionários de grandes áreas abriram as picadas principais. Colatina cresceu sempre e tornou-se dianteira no progresso. Não obstante os constantes desmembramentos, fruto de politicagem canhestra, Colatina alcançou a liderança dos municípios cafeeiros nacionais, quando o café foi riqueza de fato.

Foi gerador dos municípios de Baixo Guandu, Pancas, São Gabriel da Palha. Os filhos e netos de italianos, alemães e poloneses respondem por essa bela conquista econômica e social. Fortemente politizada, já deu um vice-governador e um senador, filho de imigrantes. Agora o município está sendo liderado pelos filhos de seus fundadores. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais, saídos de famílias pioneiras, estão derrotando os antigos alienígenas. Os vênetos criaram uma bela civilização em apenas cinqüenta anos de trabalho insano e sacrifício incontido. Todavia alcançaram a felicidade e a fortuna. Ocupam posições que merecem no âmbito social.

O primitivo arraial de Santa Maria, que o engenheiro Gabriel Emílio denominou de Colatina, deve muito da sua demarragem ao saudoso Xenócrates Calmon de Aguiar. Ele foi o grande responsável pela construção da ponte e defensor de sua integridade territorial.

Colatina por muitos anos dominou, economicamente, todo o vale do rio Doce. Sofreu perturbações sociais e desordens pela concentração de hordas sertanejas que infestaram, por muitos anos, a cidade progressista. Está hoje com razoável infra-estrutura social, grupos escolares, colégios, escolas superiores, hospitais modernos e intensa vida. É colégio eleitoral de grande peso.

Sua primeira professora chamava-se Dona Andrelina Pereira de Souza, inteligente, humana e dedicada, a quem a criançada colatinense deve suas primeiras luzes.

Nova Venécia — colônia isolada

Nova Venécia tem origem muito pouco conhecida. Sua trajetória, no contexto geográfico, é bastante obscura, mas, pelas circunstâncias regionais, sabe-se que é, como os demais núcleos coloniais, heróica e rica de episódios que engrandecem seus desbravadores.

Não recebeu imigrantes diretos da Itália. Não teve divulgação própria nem agenciadores imperiais comissionados para este fim. Os imigrantes que lá se estabeleceram foram desviados ao chegarem ao porto de Vitória e criminosamente iludidos. Parte de seus primeiros povoadores foi levada por Constante Sodré e pelo barão de Aimorés, este para sua longínqua fazenda, Serra de Baixo. Aos mesmos se juntaram os refugiados de Santa Leocádia. Historiemos os fatos.

No Boletim Geográfico nº 161, de abril de 1961, lê-se, de autoria do professor Orlando Valverde:

Um grupo de 50 famílias, originárias das províncias de Pádua, Verona, Montova etc., que se destinava ao sul do Estado, foi arbitrariamente desviado e colocado a 24 km para o oeste de São Mateus, criando-se assim a colônia de Santa Leocádia.
Aí, entretanto, embora o relevo seja mais suave, os solos são muito mais pobres, de modo que, uma vez derrubada a mata, as terras só se prestavam para o cultivo da mandioca. Além disso, as águas são estagnadas e pútridas, o clima quente e úmido, por conseguinte insalubre. Os colonos protestaram com veemência, como é natural, mas já que não dispunham de dinheiro, não puderam retirar-se.
Para remediar os males, o governo do Estado, ao invés de trazê-los para o sul, levou-os mais para o oeste, onde foram fundar Nova Venécia, em companhia de outras levas de patrícios. Estas terras eram melhores. Prestavam-se à cultura do café, mas eram muito menos acessíveis, ligadas que estavam a São Mateus por longos dias de viagem em tropa de burros. Nos primeiros tempos as provações foram incontáveis, até gêneros alimentícios faltavam.

Estas notas se reportam aos anos de 1890 a 1895, antes do interdito de 20 de junho desse ano, proibindo a imigração para o Espírito Santo.

D. João Cavatti, à p. 48 de sua História da Imigração Italiana no Espírito Santo, transcreve estas informações de O Café.

Colônia de Santa Leocádia:

Fundada em 1887, localizada nas margens do córrego Bamburral, afluente de rio São Mateus, e povoada por italianos que, malgrado as dificuldades de transporte, tem hoje (1934) sua sede com diversas casas comerciais, escolas etc., e já chegou a exportar 20.000 sacas de café.

D. Cavatti refere-se a informes fornecidos por Heribaldo Balestrero que, “com o andar dos tempos, novos imigrantes chegaram e a colônia foi aumentando até que, em 1892, no governo Muniz Freire, a fazenda Serra de Baixo foi transformada em sede provisória do distrito, transferindo-se mais tarde para o lugar onde hoje está.”

Devem ter sofrido terríveis provações, porque o município de São Mateus entrava em acentuada decadência econômica e divergências políticas funestas. Os primeiros sopros de esperança os sacudiram no governo de 1920, do coronel Nestor Gomes, que mandou construir a estrada de ferro ligando a sede da colônia a São Mateus. Não esqueceram a orgulhosa Venécia — a rainha do Adriático.

Quando, em 1925, o governo fascista de Mussolini armou o navio Itália em exposição flutuante, percorrendo a América do Sul, tocou em nossa baía e trouxe, com geral surpresa, um bronze com o leão de São Marcos, símbolo da potência daquela milenar cidade, para a vila que iniciava a sua auspiciosa assunção. Lá está ele afixado na porta de sua bela matriz. É um símbolo.

Nova Venécia é um município próspero. Seu profeta é o digno deputado Walter De Prá, político jovem, de grandes vôos. O município se engrandece a cada dia com a afluência de correntes imigratórias de ítalo-brasileiros e nacionais dos Estados limítrofes. As indústrias nascem a cada instante. É uma esplêndida realidade de cidade boca de mato.

Ibiraçu

Este município abriga ilustres filhos dos humildes heróis que mais sofreram e lutaram contra as epidemias e pobreza da região. Chamava-se Conde d’Eu. Quando a colônia se emancipou tomou o nome de Pau Gigante, em atenção a frondoso jequitibá, cuja fotografia ilustra a Corografia, do barão Homem de Mello, abraçada por quatro pessoas a cavalo. Não encontramos motivos que justifiquem a mudança do nome original e significativo. Seus primeiros povoadores subiram o córrego Fundo.

Desembarcaram em Santa Cruz, depois de penosa viagem até o porto de Vitória, onde chegaram pelo brigue Sofia, em fevereiro de 1874, trazidos por Pietro Tabacchi, numa turma de 386 trentinos e tiroleses italianos. Como já relatamos, do descontentamento gerado entre muitos, vários subiram as águas dos dois Piraquês e se localizaram nas cercanias do território demarcado para a colônia de Conde d’Eu, da esfera imperial, do Departamento de Imigração e Povoamento.

De 1876 a 1892 foram sucessivas as novas entradas de contingentes das várias comunas vênetas, notadamente Treviso, Udine, Beluno e do próprio território veneto. Muitos lombardos os acompanharam. Ergueram tosca capela sob a invocação do apóstolo São Marcos, para perpetuar a lembrança de Veneza, a cidade que lhes engrandece a origem respeitável. Muitos guardam na memória ainda a silhueta dos vapores que os transportaram em arriscada travessia atlântica: Fenelon, Colombo, Isabel, Adria e a última turma da qual poucos sobreviveram, o Mateo Bruzzo, cujos passageiros, fulminados pelo impaludismo e pelo tifo, faleceram, na maioria, antes de um ano de labuta.

Multiplicaram-se em milhares de descendentes. Gente honrada, solidários e resignados, socorreram-se mutuamente, para minorar o criminoso abandono do governo. Fato que provocou o célebre interdito proibitório do ministro Prinetti.

Foi possivelmente a colônia que mais padeceu por conta das péssimas condições climáticas: terras baixas, quentes, alagadiças, infestadas dos maiores e mais rebeldes surtos palúdicos.

Abandonados e privados de todos os recursos da medicina, entregaram-se à proteção de Nossa Senhora, erigindo-lhe tosco santuário numa pequena elevação de caminho que demanda Vila Guaraná. Tantas foram as graças miraculosas alcançadas que a Virgem ganhou a invocação de Nossa Senhora da Saúde e dedicaram-lhe o dia 15 de agosto para sua veneração festiva. Ainda se comemora essa data com procissão de milhares de devotos anualmente.

Os colonos alastram-se pelos vales, muitos vicejantes de lírios dos brejos de inebriantes perfumes, mas mortíferos de anofelinos.

Nasceram assim os arraiais de Pendanga, Pau Gigante, João Neiva, Acióli de Vasconcelos, Cavalinhos, Demétrio Ribeiro, Triunfo etc.

Nomeemos alguns dos bravos desbravadores: Modenesi, Sarcinelli, Del Caro, Negri, Musso, Passamani, Sperandio, Plazzi, Possato, Batisti, Soneghet, Guidetti, Bertolucci, Carnacini, Zangrandi, Nalin, Tironi, Guasti, Pignaton, Perutti, Conte, Lozer, Zaganelli, Favarato, Faustini, Cometti, Menegaz, Bonesi, Del Pietro, Zanotti, Sagrillo, Robuzzi etc.

Parece-me que o primeiro negociante de certo porte foi Guidetti, como também agente consular. A firma, após o falecimento de seu chefe, girou, por muitos anos, sob a razão de Viúva Guidetti & Filhos. Em 1890, funda-se pequena fábrica de cerveja de André Modenesi.

Foram sacudidos por certa luz de esperança quando o café teve preço compensador, nos anos de 1892 a 96. Depois voltou o desânimo. Nem mesmo a passagem da Estrada de Ferro Vitória a Minas conseguiu trazer-lhes progresso promissor. A companhia ferroviária construiu sua primeira oficina de reparos nas proximidades de Pau Gigante.

Tomou o nome do senador baiano, João Neiva, autor do parecer concedendo a concessão da estrada a Teixeira Soares e Pedro Nolasco.

Muitas famílias se repatriaram. Algumas se transferiram para os Estados do sul e mesmo para a Argentina.

A filiação ao integralismo, se prejudicou o município dos favores governamentais, valeu-lhe a cultura política. Um dos seus filhos teve assento no Senado da República, Del Caro, e diversos legislam no Congresso do Estado. O município goza de excelente índice de alfabetização. Foi sua primeira professora a abnegada Teresina Farina.

Sua matriz, reconstruída, é um belo templo. A Congregação dos P. P. Combonianos encontrou clima propício para a criação de modelar educandário. Tenho grande simpatia por esse aglomerado humano. Aqui tomei consciência da vida. Fui menino na época da construção da Vitória a Minas e via sem muita compreensão os companheiros de meus pais caírem ao castigo das maleitas, até que a desgraça nos atingiu em casa. Morreu meu irmão mais velho, nascido na Itália. Ele jaz sepultado na colônia ensolarada e desnuda, no cemitério do velho Conde d’Eu, desde 1905.

Rio Novo

Onde se situa a cidade desta epígrafe foi o arraial de Santo Antônio, que de atrativo só oferecia a fertilidade da baixada do afluente do rio Itapemirim e a vista panorâmica formada pelos rochedos o Frade e a Freira. No mais, exuberante floresta que cobre toda a serra impenetrável que lhe resguarda o flanco oeste.

Foi o major Caetano Dias da Silva, ex-navegante lusitano, com bons cabedais, quem ali se estabeleceu, em 1855, e fundou uma colônia agrícola, denominando-a de Rio Novo.

Para vencer as dificuldades da época e acomodar as divergências dos duzentos e poucos colonos arregimentados, transformou o empreendimento em sociedade anônima, sob a razão comercial de Associação Colonial do Rio Novo, com estatutos aprovados devidamente em 1856.

Basílio Daemon e César Marques, nas suas obras históricas, ambos contemporâneos desses fatos, se reportam a uma série de desmandos e corrupções financeiras que levaram o governo a encampar a sociedade e proteger os colonos, já em número considerável.

Tanto foi notório que, em 7 de outubro de 1871, o ministro da Agricultura, conselheiro Costa Pereira, protetor da colônia, indeniza os acionistas e transforma a propriedade em Imperial Colônia do Rio Novo, e dá-lhe como diretor o engenheiro Carlos Kraus, regulamentando-a em 25 de novembro.[ 24 ]

Na demarcação dos sucessivos territórios e divisão em lotes, trabalharam os engenheiros Lassance Cunha e José Cupertino Coelho Cintra, que se tornaram famosos como profissionais. Este último é o fundador de Caxias, município progressista do Rio Grande do Sul, e responsável pelo desenvolvimento do bairro de Copacabana, por ter perfurado o primeiro túnel e levado os bondes àquela praia, contrariando a Diretoria da Companhia Carris Urbanos Jardim Botânico. Hoje ele tem uma estátua erigida na avenida Princesa Isabel, no Rio de Janeiro.

* * *

Os preparativos para a introdução dos imigrantes italianos tiveram começo em 1874. Construíram-se barracões, abriram-se picadas e, em 16 de julho de 1875, vindos de Gênova e desembarcados em Benevente, chegaram 565 tiroleses, que foram localizados no segundo território pelo engenheiro J. C. Coelho Cintra. Administrava a Imperial Colônia o engenheiro Adolfo Pinto Paca, autor do canal do Pinto, que melhorou as condições de navegabilidade do Rio Novo ao Itapemirim.

O major Caetano Dias da Silva, benemérito criador da colônia, arruinado financeiramente, adoeceu e faleceu no Rio de Janeiro em 1868, antes de ver prosperar a gleba que o apaixonou. Em 20 de agosto de 1874, foram seus despojos transportados e sepultados na capela de Santo Antônio, por ele erigida, e hoje matriz da cidade.

A corrente imigratória prosseguiu até 1890, desbravando toda a serra que verte para o rio Benevente, dando origem aos povoados Rodeio, Guiomar, Virgínia etc., confundindo-se com os colonos que povoaram Alfredo Chaves.

Foi, em território e população italiana, a maior colônia do Espírito Santo.

Das velhas famílias achamos os Sechim e Basílio Costalonga, em Engano, hoje Princesa, e Zanollo, em Virgínia.

* * *

Nem todos os imigrantes vieram com destino a esta colônia. Muitos foram levados para lá independentemente de suas vontades.

São todos de origem vêneta, das províncias de Udine, Beluno, Vicenza e principalmente de Pádua, com alguns lombardos.

Alfredo Chaves

Alfredo Chaves é sede de município, mas não o primeiro núcleo dos imigrantes italianos que o fundaram e povoaram, contemporaneamente com as demais colônias do Estado.

Do que se infere da leitura da obra de D. Cavatti, os primeiros imigrantes que para esse território foram encaminhados desembarcaram em Benevente em 1877 e subiram de canoa até Jabaquara e se largaram em pleno sertão.

Encontraram, à beira de um rio, um grupo que vinha das bandas de Vila Isabel. Fizeram um rústico barracão. Era o dia 1º de novembro, e por isso batizaram o lugar com o nome de Todos os Santos. Temendo as enchentes prováveis do pequeno rio, mudaram-se para sítio elevado, onde hoje existe o monumento comemorativo. Data de então a afluência de colonos. “Entre os primeiros estava meu pai, Cavatti Caetano, creio Pelizzaro Pietro, pois seu passaporte é de 76”, assim relata o bispo D. Cavatti.

Permito-me transcrever da História da imigração italiana no Espírito Santo, do eminente prelado, os nomes dos heróicos pioneiros da formação desse belo pedaço de terra capixaba. Foram Magri Giuseppe, Santo Maioli, Rossi Francesco, Bonini, Astori, Morosini, Giovanini, Desperatti, Piumbini, Cervi, Conti, Gobbi, Colombi, Ferrari, Ferrarini, Marchese, Durando, Pavesi, Zanchi, Braga, Merengheti, Caspellini, Merisio, Zoni, Cozzi, Salarini, Nossa, Carminatti, Brombatti, Soardi, Boni, Paganini, Modenesi, Tononi, Grasseli, Ceruti, Bubach, Langa e outros.

Todos os Santos, hoje distrito de Guarapari, pertence ao Quinto Território da Imperial Colônia de Rio Novo. Foi entroncamento de estradas de tropa da fazenda Quatinga, Benevente, Santa Isabel, abreviando o trajeto para Vitória, vencido em seis dias.

A primeira missa só foi rezada em 1878, pelo lazarista José Maria. Frei Marcelino Morone d’Agonadello chegou em 1878 e foi o pastor zeloso da colônia. Frade capuchinho de grandes virtudes, foi o encorajador e assistente por certos anos daqueles pobres e abandonados cristãos. Em Sagrada Família o povo perpetuou sua lembrança com singelo pedestal, onde lhe esculpiram a imagem veneranda.[ 25 ]

O primeiro professor foi o jovem João Firmo Marchese, com curso mais do que primário. Alfabetizou centenas de crianças no seu idioma pátrio. Como recompensa foi proibido de lecionar porque não sabia português. Não havia escola nacional, porém.

Não pude discernir com exatidão, já em 1875, um grupo de 230 vênetos tiroleses localizados em Itapemirim, que tomou o nome de São José, uma fração do Quarto Território. Certo é que, até 1890, numerosas famílias foram levadas, independentemente de suas vontades, para os vales estreitos da margem do rio Benevente e, quando na época republicana se criou o município (24 de janeiro de 1891), o governo desapropriou a fazenda de Quatinga para instalar a sede administrativa. Os imigrantes que para aqui foram trazidos desembarcaram em Vitória, Benevente e Itapemirim. Muitos navios, por interesse econômico de seus comandantes, com destino a portos do sul, arbitrariamente obrigaram seus passageiros a saltar quer em Benevente, quer em Itapemirim.

Isso acontecia por ocasião das quarentenas nos portos de destino, motivadas por epidemias. O comandante reduzia o percurso, economizando despesas que naturalmente embolsava. Há muitas reminiscências de italianos que se fixaram contra a vontade no Espírito Santo e que foram desembarcados por esse expediente.

Alfredo Chaves fez parte da colônia de Rio Novo como cessão.[ 26 ] Seus fatos administrativos, na era monárquica, se confundem.

Os primeiros chegados foram: Piumbini — Pilon, por sinal ortopedista —, Olochio, Vezzoni, De Stefani, Passamono, Vitoracio, Pompermaio, Robela, Gaigher, Stelzen, Lazaro, Macarini, Mombrandini, Salatieri, Bressani, Caromati, Lombardini, Colimato, Coladelo, Marconi, Bonacossa,[ 27 ] Casotti, Sesto, Fuzzen.

Depois de 1877 estendem-se pelos vales do Benevente acima e Batatais.

Viveram dias de esperanças com o anúncio da construção da Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo (Leopoldina). A colonização marchou progressivamente para Araguaia, Santo André, São Marcos, Matilde, Carolina, Deserto, Urânia, Maravilha, Engano etc. Voltaremos a percorrer estes caminhos em 1900 com o enviado especial do governo italiano, embaixador especial Arrigo Zettiry, e então formaremos juízo seguro dos vinte anos obscuros que viveram esses aventureiros. No fim do século XIX ocupavam destacadas posições os Bonacossa, os Casotti, os Del Orto e outros poucos. A maioria era alfabetizada e com acentuado gosto pela música.

Lizandro Nicoletti começou sua fortuna em Matilde. Foi seu armazenista Aurelio Mainardi, que reagiu corajosamente a um assalto em sua casa de negócio. Pedro Sposito foi o primeiro agente da Estação da Estrada de Ferro (1900) e Batistella o armazenista.

Foi zona visada por bandos de jagunços. Além da tentativa de roubo aos armazens de Lizandro Nicoletti, sob a guarda de Mainardi, foi baleado em tocaia o próprio Nicoletti e, tempos depois, o engenheiro Reeve, chefe da construção, foi morto, quando chegava ao arraial trazendo o pagamento dos operários. Reeve, ao receber os tiros, atirou a bolsa com o dinheiro ao capoeirão que encobria o córrego. Doze anos depois o colono proprietário da colônia encontrou a bolsa, contendo doze contos de réis e os devolveu à administração da Estrada.

Cachoeiro de Itapemirim

Com a abolição da escravatura, em 1888, colonos que haviam abandonado seus prazos improdutivos dos territórios de Rio Novo e Alfredo Chaves se ajornalaram uns, e outros, mais felizes, tomaram de meia os cafezais de muitos velhos fazendeiros que lavravam as terras férteis do celebrado município, capital política e econômica por todo o espaço de mais de cinqüenta anos, desde os primórdios das propagandas abolicionista e republicana.

D. Henriqueta Rios de Souza Monteiro, viúva do capitão Souza, patriarca da família desse sobrenome, cujos filhos respondem pela velocidade inicial do progresso do Espírito Santo, teve a primazia no aliciamento dos primeiros colonos italianos para a sua famosa e modelar fazenda Monte Líbano. Isso se deu em 17 de julho de 1838.[ 28 ]

Foram eles: Volpato, Matielo, Galiazzo, Campanaro, Stefanotto, Lugalio, Scatamburlo, Mediato, Maitan, Breme, Tramontini, todos ou quase todos originários de Pádua. Vieram via barra do ltapemírim.

Fato curioso: das montanhas da medieval República de San Marino, encravada na província de Emília, próxima à não menos famosa Rimini, balneário do mar Adriático, emigraram duas famílias, uma para Cachoeiro, os Simprini, e outra para Alegre, Marino Castiglione, casado com Emília Dalorno.

No município de Cachoeiro de Itapemirim não houve território demarcado pelo governo destinado à formação de núcleo colonial com imigração contratada.

O desbravamento se processou, a partir da segunda metade do século XIX, com famílias de certos recursos, provindas dos Estados do Rio e de Minas Gerais, que abriram e adquiriram grandes áreas. Foram senhores de escravos. Os italianos, que colonizaram grande parte de suas terras, notadamente as vertentes dos dois braços e dos inúmeros afluentes da margem esquerda do rio Itapemirim, foram voluntários que se embrenharam à procura de boas terras, as quais hoje formam os territórios dos municípios de Conceição de Castelo e Castelo propriamente dito.

Mas, com a libertação dos negros, os italianos os substituíram no trato das terras. Formou-se, assim, próspera comunidade, a que Cachoeiro deve muito da dianteira econômica e política de que desfruta.

Burarama, antiga Floresta, cujo patrimônio inicial foi doado pelos Gava e Perim, ao tempo do prefeito Fernando de Abreu, por volta de 1933, foi francamente habitada por ítalo-brasileiros.[ 29 ]

Quando o enviado do governo italiano, Arrigo de Zettiry, visitou Cachoeiro, no começo do século, encontrou numerosos italianos. Havia inclusive um agente consular, Mignoni, muito ilustrado e querido.

Quando, em 1910, cursava eu o complementar, eram moradores antigos: Regattieri, Bresciani, Ferrari, Romano, Romanelli, Volpini, Volpato, Cardinalli, Borelli, Bardi, De Martini, Singhi, Menegalli, Grandi, Braconi e uma infinidade de outros que a memória não alcança mais.

Mas lembro-me que a comunidade era grande. Os colonos residentes nos distritos excediam aos nacionais. Os Altoé, Gasparetto, Trés, Costalonga, eram sempre visíveis.

* * *

Os demais municípios não tiveram propriamente colônias, isto é, comunidades expressivas, mas súditos italianos isolados que se salientaram.

Em Itapemirim, apesar de ser porto de desembarque, poucos se estabeleceram. Ecoam nomes como os Barbirato, os Piza, que se notabilizaram. Os italianos procuravam terras férteis e virgens.

Em Muqui destacam-se Siano, Curcio, Rizzo. Em Muniz Freire se estabeleceram, vindos do Rio de Janeiro via Santo Eduardo, Lacerda Amigo, os irmãos Lofêgo, Vivacqua e os De Biasi, que muito lutaram contra as investidas do banditismo que campeou por aquelas bandas selvagens, notadamente a quadrilha de trágica memória chefiada pelo facínora tenente Messias.

Em Iúna, a família Zardin, em Mimoso, os Garçoni, Di Giorgi e outros.

Venda Nova — a colônia caçula
Município de Conceição de Castelo

O nome traduz o significado: um posto avançado de comércio, sentinela de vanguarda à espera do povoador erradio. Uma profecia de esperança.

Toda a considerável superfície formada pelas encostas abruptas, emolduradas pelas serras do Castelo e Forno Grande, onde nascem as águas já habitadas por tribos ferozes que afugentavam os portugueses faiscadores de pepitas no século XVIII.

Para protegê-los, criou-se o Imperial Aldeamento Afonsino. Mas os puris, na última investida, destruíram o arraial de Nossa Senhora da Conceição e as minas, que eram pobres, foram abandonadas para sempre.

Fez-se silêncio naquelas paragens de grutas, desfiladeiros, onças e passaradas. Pelos meados do século passado, dois fazendeiros fluminenses se estabeleceram e abriram grandes propriedades no inóspito distrito de Castelo, solo integrante de Cachoeiro de Itapemirim. O major Antônio Vieira Machado da Cunha, nas cercanias das ilusórias minas de ouro, levantou propriedades e as denominou de fazenda do Centro. Prosperou e enriqueceu. Teve nomeada política. Faleceu em 1864. Seus herdeiros lavraram as terras com menos energia. O segundo latifundiário destemido chamava-se capitão José Vieira Machado, que, fluminense como seu quase homônimo, estabeleceu-se na sede da antiga freguesia de Santana das Minas de Castelo. Sua propriedade recebeu o nome de Povoação.

Finou-se em 1871, legando razoável fortuna aos herdeiros. Tanto os descendentes do proprietário da fazenda do Centro como os de Povoação deixaram suas lavouras ao abandono quando, em 1888, os escravos foram libertados. Eram, tanto uma como outra, propriedades com milhares de alqueires. Desvalorizadas, encapoeirão refeito e florestas virgens. Os italianos retirantes das terras frias foram adquiri-las em pequenas glebas, depois de 1890, quando se iniciou o fenômeno que D. Cavatti chama, com acerto, de recolonização.

* * *

Verdadeiramente podemos arriscar que foi o frade agostiniano, padre Manuel Simon, espanhol, que incrementou o povoamento circundante à hoje cidade de Castelo, à época pertencente ao vasto município de Cachoeiro de Itapemirim. Vejamos. Inspiro-me na leitura do capítulo XIX da valiosa obra de D. Cavatti[ 30 ] e no exuberante depoimento do padre Cleto Caliman. Os frades agostinianos propalaram as boas pespectivas da região.

Como?

Construía-se a ligação ferroviária Matilde-Cachoeiro de Itapemirim (1908), a mão-de-obra fora toda recrutada entre os colonos circunjacentes, italianos que labutavam as terras áridas que o traçado percorria. O padre Manuel Simon periodicamente dava, não só aos operários da estrada, como aos colonos, assistência religiosa.

Havia, o frade agostiniano, adquirido a fazenda do Centro, em sociedade com José Mariano, não só para explorá-la como para subdividi-la. Eram 3.000 alqueires(?).

Dada a boa qualidade das terras, não foi difícil desviar centenas de famílias que se transferiram com as economias obtidas na construção, comprando lotes a três contos e quinhentos em prestações.

Assim teve início o núcleo que marca o povoamento daquela zona singular. Registra o padre Caliman os que primeiro se estabeleceram: Angelo Altoé (1908) e, desta data a 1914, de Alfredo Chaves seguiram Scabello, Falquetto, Caliman, Zandonai, Lorenzoni, Brioschi, Perim, Delpupo, Camata, Casagrande, Sossai, Minetti, Cola, Carnielli, Pizzol, Venturini e outros. Adquiriram terras em quatro fazendas pelo preço de trinta contos e as subdividiram. Caliman comprou duzentos alqueires por setenta contos, e aí se fixou com filhos e genros numerosos. Velha tradição patriarcal. E assim, com o abandono de Araguaia, Alfredo Chaves, Matilde, São Pedro Velho, São Marcos, Benevente, Maravilha etc., os vênetos de Treviso, das margens do histórico Piave, Belluno, Udine, Vicenza, Verona, Modena, aproximadamente 250 famílias, deram origem à bela e florescente região.

Foram duros os primeiros anos, como nas demais colônias: as terras boas para o plantio do café são manchas isoladas. Nem estradas nem caminhos. Matas agressivas. Falta de gêneros alimentícios, isolamento, ausência de tropas para os postos de abastecimento, o preço baixo do café, cujas safras vieram na crise que se esboçava.

A eterna aflição causada pelo abandono das autoridades: médico, farmácia, escolas, até que aparecessem dois abnegados: o Dr. Brás Lacerda, clínico, e o muito lembrado farmacêutico Antônio Roberto Feitosa, cearense filantropo.

Castelo, que já prosperava, distava oito longas horas a cavalo em péssimas estradas descuidadas. Depois surgiram os charlatães, exploradores e desumanos. Os colonos dessa região eram, em boa maioria, alfabetizados, e alguns com curso ginasial. Suplicaram escolas e assistência religiosa. A professora pública foi nomeada em 1924. Os pais alfabetizavam os filhos nas horas de lazer, em idioma italiano, quando não no próprio harmonioso dialeto vêneto. As mulheres instruíam os filhos na doutrina católica. Resultou que a fé se manteve viva e Venda Nova é talvez, no Brasil, o reduto onde as seitas esdrúxulas do catolicismo romano não entraram. As vocações religiosas masculinas e femininas sobem a mais de duzentas e o grau de alfabetização atinge o limite. São edificantes os ofícios litúrgicos em suas belas igrejas, São Pedro Apóstolo, São João de Viçosa, Nossa Senhora da Conceição. Reza-se e se canta a duas vozes.

O coral Santa Cecília define a vocação musical de Venda Nova; fundado em 1944, exibiu-se em vários Estados, inclusive no Rio de Janeiro.

É preciso que se registre que os governos, quer municipais, quer estaduais, até 1970, ignoraram a existência dessa gente laboriosa, culta e ordeira, perdida nesses rincões que só eram distantes porque não se lhe abriam caminhos.

Venda Nova é um milagre de solidariedade humana, de fé, uma colméia de trabalho produtivo. Entre seus filhos, destaca-se pelo zelo singular e apostolar a família Caliman, cuja biografia é merecedora de capítulo fundamental na história que se escrever dessa gleba que enaltece o Estado do Espírito Santo.

Ela provém do tronco que floriu e alargou ramos de viço de esplêndida florescência. Em 1884, da Itália, de Coniglano, imigraram Vicente Caliman e sua esposa Maria Cheiz, camponeses a serviço de família nobre. Desembarcaram, com muitos patrícios, no porto de Benevente. Trouxeram toda a família: cinco filhos, sobrinhos, primos, não deixando parentes no velho burgo que se espelha nas águas do Piave, torrente que lembra batalhas heróicas contra as invasões da Áustria. Caliman fora viúvo e a primeira mulher não lhe dera herdeiros. Da segunda, Maria Cheiz, houve sete, dos quais dois nasceram em Alfredo Chaves. Faleceu aos 83 anos, em 1923, antes de desfrutar a alegria do progresso familiar. Os ramos desse vetusto tronco, verdadeiro jequitibá humano, floriram e frutificaram. Desdobrou-se em subtronco, constituindo numerosa família. Eis a bela descendência:
– Antônio, casado com uma Lorenzoni, teve treze filhos;
– Pedro, pai de quatro filhos;
– Angelim, pai de quinze fihos;
– Miguel, pai de quinze filhos;
– Angelina, casada com Francisco Falqueto, com dez filhos;
– Rosa, casada com Liberal Zandonadi, teve treze filhos;
– Fioravanti, casado com Maria Carnielli e falecido aos 80 anos e ela aos 76. Geraram dezesseis filhos, dos quais quatorze vivos, entre eles o reverendo padre Cleto, lazarista que, entre as virtudes sacerdotais, distingue-se pela liderança moral sobre seus comunícipes pelo acendrado amor à sua terra. Um “condottieri” para o bem.

Padre Cleto nasceu a 9 de outubro de 1914. Aprendeu a cartilha italiana com o pai, aperfeiçoando-se com Virgínia Sossai, progenitora de Camilo Cola, o capitão da Viação Itapemirim. Matriculou-se no Instituto Anchieta, em Jaciguá, e foi o primeiro aluno da turma. Fez o seminário com os salesianos em Lavrinhas, Estado de São Paulo, mestrado no liceu Coração de Jesus, estudou teologia na Faculdade Pio XI, terminando seus estudos universitários em 1943, quando se ordenou pelas mãos de Dom Pedro Mazza. Tem três irmãos religiosos: padre Leandro e as freiras Anita e Glória Maria e, como se não bastasse, é tio de dois padres e quatro freiras. Na família Caliman é fértil a vinha do Senhor.

* * *

A convivência social manteve o povo de Venda Nova muito unido e apegado à religião e ao sentimento de italianidade. A doutrina política, pregada por Plínio Salgado, derivada do fascismo que imperou na Itália, repercutiu nessa comunidade ordeira. Tornou-se ideologia comum. A implantação do Estado Novo trouxe dias de desassossego e perseguições. Depois tudo passou sem maiores conseqüências. Cultua-se a trilogia sagrada: Deus, Pátria e Família.

Distinguem-se os vendanovenses religiosos: irmão Sulpício, padres Cândido Benito, Eutímio Galdino Falquetto, diplomados em Roma, Cleto Caliman II, doutor pela Universidade Gregoriana e professor na UFMG, padre Elísio Caliman, presidente da SOE em Brasília, irmã Angelina Falquetto, superiora geral da Congregação de Cristo Rei, em Cachoeiro de Itapemirim.

Na indústria e comércio: Máximo Zandonadi, primeiro na despolpa do café, avicultura e cooperativismo; Domingos Perim, por muitos anos o único negociante do distrito, teve a iniciativa de ligar telefonicamente Venda Nova a Castelo, com 40 km, antecipando-se à abertura de estradas por parte do governo. Merecem menção especial seu magnífico colégio e sua cooperativa de produção.

Dentro de poucos anos será sede de município. A BR 262 facilitou-lhe rápida comunicação com Vitória, 130 km asfaltada.

A história não deve omitir coincidências que propiciam esperanças que se realizam. Quando no quatriênio de 1951-55, governo Santos Neves, se iniciou a construção da rodovia Vitória-Belo Horizonte, a bela, custosa e pitoresca BR 262, nós dirigíamos o Departamento de Estradas de Rodagem. O empreendimento era utópico para os cofres estaduais. O governo da República ainda olhava o Espírito Santo como enteado incômodo. Começamos a construção na estaca zero, localizando dois empreiteiros entre Vitória e Viana, construindo o trecho comum para o Rio de Janeiro e para Belo Horizonte. O relevo do solo, de Marechal Floriano para Pequiá, na fronteira com Minas Gerais, nos apavorou. Ultrapassava todos os limites da nossa esperança. Confiamos no prestígio de Minas Gerais porque a estrada era de maior interesse econômico para os mineiros.

Tivemos a idéia de estimular os governos na consecução do encargo, abrindo frentes de ataque em pontos estratégicos. Foi quando tomamos a resolução de localizar uma turma de trabalho em Venda Nova, deslocando para essa zona o empreiteiro Norberto Madeira da Silva para iniciar o serviço em sentido retrógado, isto é, para Pedreira.

Seguiu-se, logo depois, a empreitada confiada à Construtora Assunção, superintendida pelo DNER.

Esse fato ocorreu em 1953. Por quinze anos estiveram paralisados os trabalhos. Mas veio a Revolução de 1964, e o ministro Andreazza, em fulminante arrancada, realizou verdadeiro monumento de arte rodoviária, concluindo a BR 262.

* * *

Para os leitores que gostam de curiosidades, lembro que os topônimos de Matilde, Guiomar e Virgínia, vilas que se localizam entre Araguaia e Cachoeiro, lembram os nomes das três filhas do engenheiro Adolfo Pinto Paca, que foi encarregado da medição dos lotes agrícolas por aquelas bandas, no século passado.

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NOTAS

[ 22 ] Manoel Ferreira Milagres, Município de Baixo Guandu.
[ 23 ] Manoel Ferreira Milagres, Município de Baixo Guandu.
[ 24 ] César Marques, Dicionário histórico e geográfico.
[ 25 ] Consulte-se a obra de D. Cavatti, op. cit., p. 111-2.
[ 26 ] Cessão = departamento.
[ 27 ] Foi violinista do Scala, de Milão.
[ 28 ] Um bispo missionário.
[ 29 ] Por coincidência, o autor deste trabalho foi o engenheiro que locou a sede do distrito.
[ 30 ] Hoje, 24 de setembro, tive a satisfação de ser o primeiro leitor da obra de D. Cavatti, privilégio que muito me desvanece.

[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]

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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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