Os primeiros anos. As atribulações.
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A provação por que passou o imigrante, além da resistência hostil do meio físico: clima, floresta e toda a gama de obstáculos à penetração, recai sobre as condições simplistas do acordo estatuído entre os governos brasileiro e italiano. Não se resguardaram os princípios fundamentais dos direitos humanos. O imigrante era considerado apenas como um instrumento animal de trabalho. Uma vez que se lhe assegurasse a subsistência, todos os demais atributos ficavam sob os desígnios da sorte.
O Império exigia que o imigrante fosse “agricultor, sadio, laborioso, moralizado, maior de 2 anos e menor de quarenta e cinco, salvo se fosse chefe de família e com a tolerância de 20 poderem pertencer a outras profissões.”
Garantia-se-lhe a posse da terra e o não ser recrutado para a guerra. Pequena ajuda sob forma de diária &smdash; jornal era a expressão usada — enquanto se apossasse da gleba e colhesse a primeira colheita de mantimento. Analisado hoje, sob a luz dos direitos humanos, este regime só diferia da escravidão por não terem eles capatazes e por poderem locomover-se. Os demais favores corriam por conta da cordura de S. M. Imperial, que sempre teve os colonos debaixo de certo espírito de humanidade.
O governo italiano, por seus representantes diplomáticos, apenas se limitava a registrar e intervir, em casos extremos, com suas habilidades pessoais, com raros êxitos.
Com a proclamação da república, as terras devolutas e os núcleos coloniais passaram à jurisdição dos Estados. O Espírito Santo viveu sempre sob um regime muito deficitário. Não tinha condições financeiras para manter o ritmo, embora de penúria, que a monarquia emprestava aos núcleos em nosso Estado. Apressou-se, então, a emancipação dos mesmos, o que os relegou à própria sorte. As dificuldades cresceram. As diárias de ajuda, de atrasadas, passaram a ser pagas em vales descontados por negociantes, os quais não primavam todos pela honestidade. Alguns encarregados de colônias se mancomunavam com fornecedores, sempre em prejuízo do colono, é claro. A justiça se tornou extorsiva. E a polícia, arbitrária e perigosa, quando não salteadora. Caso houve de inventário em que as custas eram superiores ao monte do de cujus.
Graça Aranha, juiz municipal por quatro meses, relata cenas com asco, em seu Canaã. Os colonos, com a dificuldade de locomoção para Vitória, confiavam aos auxiliares da administração de terras o encaminhamento dos processos de compra de suas colônias, entregando-lhes passaportes, recibos provisórios, medições e memoriais com o respectivo quanto a pagar.
Muitos e muitos foram fintados por essa categoria de funcionários. Em Araguaia, o escândalo atingiu o calamitoso. Houve intervenção do cônsul, mas o processo movido contra o funcionário faltoso foi arquivado por ter este um irmão deputado!
O pior aconteceu aos que receberam terras impróprias ao cultivo por serem em grande parte ocupadas por pedreiras ou despenhadeiros intransitáveis.
Estes não foram só prejudicados, passaram miséria, como veremos. O governo primou pela ausência, não proporcionou mudas, sementes, gado, muares, nem ao menos um simples moinho de fubá.
Em Matilde houve festa cívica no dia em que chegaram duas mós, importadas por um italiano. Daí por diante a polenta teve melhor sabor.
Mas o café fascinava a todos. Embora demandasse cinco anos para florir, o seu preço fazia esquecer as agruras dos dias passados. Os que chegaram até os meados de 1880 e obtiveram terras adequadas conseguiram construir suas casas, quase todas de dois pavimentos, de esteios ou tijolos, cobertas de folhas de zinco. As telhas eram importadas e o frete e transporte tornavam-nas quase proibitivas. Os que mais lutaram continuaram a habitar suas casas de paredes de barro e cobertas de tabuinhas. Mas depois de 1895 o preço do café foi caindo de tal modo que as colônias beiraram a miséria.
O clima e as pragas castigaram muito os habitantes das águas dos dois Piraquês: maleita, beribéri, opilação, cobras e formigas. Até os periquitos e maitacas, em verdadeiros enxames, devoravam os milharais e plantações de arroz.
Os primeiros anos foram mesmo de provação. O governo de Muniz Freire (1892-1896) fomentou a imigração, mas com desacerto quanto ao território escolhido. A falta de assistência motivou medidas extremas do governo italiano, por intermédio do ministro das Relações Exteriores, Prinetti.
Foi proibida a emigração italiana para o Espírito Santo.
Caso único em todo o Brasil. Não obstante todas as provações por que passaram, foram as colônias de origem imigratória que impulsionaram o progresso no Estado. Superaram os velhos latifúndios da orla marítima. Venceram todos os obstáculos, inclusive o desamparo político.
[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)