Vinte e cinco anos depois. A missão de Arrigo Zettiry.
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A medida extrema tomada pelo governo italiano, proibindo a emigração para o Estado do Espírito Santo, foi o resultado das reclamações formuladas pelos meios consulares, através de muitos anos, subestimadas pelas autoridades estaduais. A catástrofe da “colônia Muniz Freire” foi a gota d’água fatal. Em que consistiam as reclamações?
Todas tinham fundamento. Não foram atendidas. Muitas não dependiam de despesas, eram de ordem administrativa.
A disparidade de lotes, por exemplo. O colono não tinha opção e não estava habilitado a escolher esta ou aquela gleba. Uns receberam terras facilmente cultiváveis, outros encostas pedregosas ou terras frias, impróprias para a cultura do café e mesmo para a do milho. Ainda hoje, nos municípios de Santa Teresa, Alfredo Chaves e Rio Novo, há áreas imensas despovoadas, que foram abandonadas e invadidas pela samambaia.
Falta de estradas para o tráfego de tropas.
O Espírito Santo desconheceu os tílburis, as diligências e os carretões puxados por parelhas de dois ou quatro muares, muito freqüentes nos Estados do sul.
Assistência médica e farmacêutica esteve ausente. Instrução faltava para os próprios brasileiros urbanizados nos povoados ou vilas. Em Matilde, Virgínia, Santa Teresa, pelo menos, os colonos construíram escolas e contrataram professores, patrícios naturalmente, e as autoridades locais, sem motivos aceitáveis, se apossaram das mesmas para transformá-las em delegacias de polícia! E as arbitrariedades praticadas por estas cresciam ao sabor da santa política chefiada por falsos coronéis, vingativos e desumanos.
Época houve em que as colônias foram varridas por bandos de jagunços que praticavam toda a sorte de barbaridades. Quando o destacamento policial chegava, com o devido atraso, o inquérito causava os mesmos danos. Esse estado de coisas durou praticamente até o governo de Jerônimo Monteiro (1908-1912), que pôs cobro a todos os abusos administrativos. Na Itália, os jornais contrários ao gabinete Giolitti desencadearam severa crítica, cujo resultado foi o interdito Prinetti. Uma sobrinha do primeiro ministro, em 1892, esteve no Espírito Santo e percorreu a colônia de Alfredo Chaves. Tomei apenas conhecimento dessa viagem, sem comentários, em documentos Imigração, no Arquivo Nacional. A senhorita Giolitti, que veio como jornalista, o que terá visto e sentido?[ 32 ]
Em 13 de dezembro de 1901, o ministro Prinetti comissiona Arrigo de Zettiry, alto funcionário das Relações Exteriores, para inspecionar as condições dos colonos italianos nos Estados do Espírito Santo e Minas Gerais. É um documento sereno, judicioso, imparcial e de grande valor histórico, pois representa um inquérito sobre os vinte e cinco anos de existência da imigração italiana e dá a verdadeira situação econômica da mesma, justamente na curva da grande crise que afetou o Estado, cujos efeitos repercutiram até 1908, como se pode constatar confrontando-se o quadro demonstrativo da receita nos vinte primeiros anos da república.
Zettiry chegou a Vitória nos primeiros dias de fevereiro de 1902. Regia o consulado da Itália o Cav. Rizzardo Rizzeto, em substituição recente de Elmano Lanz, triestino, muito amável, relacionado largamente não só em Vitória, pois era comerciante, como em todas as colônias por sua prestimosidade. Em conferência com essas autoridades régias, Zettiry se inteirou, em primeira mão, dos fatos e esquematizou o programa de visitas às colônias. No prólogo de seu minuciosíssimo relatório teceu oportunos comentários sobre o panorama crítico que o Estado atravessava e, por conseguinte, seus habitantes. Empreendeu, orientado pelo amável Lanz, sozinho suas viagens pelo norte. Começou por Santa Teresa, que ainda estava traumatizada pela tragédia de 1897, a jagunçada, ocorrida em São João de Petrópolis, onde perderam a vida os italianos Giovanni Villaschi, Giuseppe Perini, Giuseppe e Giovanni Benetti, um súdito austríaco e alguns brasileiros a eles afeiçoados. Fez suas considerações gerais sobre o desânimo dos pequenos proprietários, desceu o rio Santa Maria e chegou às margens do rio Doce, cujo loteamento já recebera o nome de Colatina. Concluiu que, se o preço do café não reagisse, a lavoura desse produto seria abandonada. Minudenciou em seguida as colônias de Matilde, Carolina, Iracema, Maravilha e Deserto, que foram, como ele disse, o coração do ex-núcleo de Castelo.
Resumiu, enfim, com comentários gerais, os grupos esparsos de colonos de Alfredo Chaves, Rio Novo e Cachoeiro. Feita essa introdução, observou: “Lo Stato di Spirito Santo é oggi uno stato quasi fallito.” Se o governo federal não o houvesse ajudado a pagar a dívida externa, os banqueiros estrangeiros teriam se apossado das mesas de renda. Escolas fechadas, subvenções às colônias suspensas, enfim sentiu o que a história registra do governo infeliz de Henrique Coutinho. E se o governo, por acaso, tentasse novamente colonizar o rio Doce repetir-se-ia o drama ocorrido em 1895 no núcleo Muniz Freire, que ocasionou a proibição da emigração para o Estado.
Em suma, ressaltou que as colônias estavam vivendo o clima aflitivo da crise do café, fenômeno generalizado por contingências imponderáveis.
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NOTAS
[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)