A inspeção de Arrigo Zettiry. Colônia do Timbuí, Ibiraçu, São João de Alfredo Chaves, Cachoeiro de Itapemirim, Alto Castelo.
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A COLÔNIA DE TIMBUÍ
Santa Teresa
A viagem do diplomata italiano é pitoresca e ele demonstra certo espírito esportivo e muito senso humano. Vamos resumindo seu diário.
Ele subiu de canoa pelo rio Santa Maria, dormiu em Queimado e a segunda jornada a fez a cavalo para Santa Leopoldina, chegando a 5 de fevereiro. Chovia.
Sua nova cavalgadura caminhou penosamente para Santa Teresa. Os caldeirões dificultavam a marcha das tropas e a largura da estrada não permitia ao cavaleiro ultrapassá-las. Era ainda uma picada bastante perigosa. A meio caminho, na serra dos Polacos, encontrou o primeiro italiano, estabelecido com venda, Giuseppe Pretti, morando com esposa e nove filhos. Um padre, Abramo, corajoso e empreendedor, servia de preceptor dos filhos de Pretti, que moravam quase todos em Santa Teresa, cinco homens e duas mulheres. Eram eles Gerolamo, Irmo, Enrico, Drasto, todos casados, menos o último. Além da venda e de uma pequena lavoura de café, Giuseppe Pretti tinha também tropas.
Havia abandonado o lote em Santo Antônio. Luigi Pretti estava também estabelecido, não muito longe, com lavoura de café, cereais e tropa. Quando de longe se divisava sua casa multicor e limpa se compreendia que nela vivia um homem modelo de colono. Ao cair da tarde, dia 6, Zettiry apeou em Santa Teresa que ele sabia ser salubre. A vila era pequena. Duas ruas quase em ângulo reto.
Entroncavam-se em pequena ponte sobre o rio Timbuí, que denominou a Colônia. Era habitada por umas 150 pessoas. Havia vida e trabalho.
Quem o recebeu foi o agrimensor Giuseppe Ruschi, toscano, diplomado como geômetra, casado com filha do tirolês italiano negociante Antônio Roatti. Ruschi emigrou primeiro para o Paraná. Veio para o Espírito Santo para exercer sua profissão: medir terras. Fez-se sócio de seu sogro. Era o informante do embaixador. Ruschi conhecia toda a colônia de Timbuí. Foi encarregado das medições.
Timbuí, hoje Santa Teresa, divide-se em cessões e e estas em colônias, ocupadas em grande maioria por italianos.
Chamo a atenção dos leitores para o fato de que estou traduzindo documento escrito em 1902, intercalando apenas pequenos esclarecimentos.
1 | São Pedro e São Lourenço | 57 | famílias |
2 | Tabocas | 10 | famílias |
3 | Caldeirão | 30 | famílias |
4 | Nova Val Sugana | 85 | famílias |
5 | Santa Maria – quase todos | — | isto é, filhos de italianos |
6 | Perdidos | 14 | |
7 | Baixo Timbuí | 150 | |
8 | São Jacinto | 15 | |
9 | Mutum | 40 | |
10 | Córrego dos Espanhóis | 25 | |
11 | Cinco de Novembro | 20 | |
12 | Vinte e Cinco de Julho | 45 | |
13 | Santo Antônio | 16 | |
14 | Santa Lúcia | 31 | |
15 | Três Barras | 120 | |
Total
|
658 | famílias |
Uma terça parte era constituída de tiroleses e os demais eram vênetos, todos falando italiano.
Ruschi comentou a falta de garantia dos colonos e o abandono votado pelo governo, falta de escolas, estradas, saúde pública, e relembrou o assalto ao Barracão, em que a justiça e o governo nenhuma providência tomaram.
Não houve nem punição nem indenização. O núcleo já produzia 120.000 arrobas de café (30.000 sacos), milho bastante, que é a base alimentícia, cana, algumas fábricas de cachaça, arroz, feijão, e um pouco de batata. As escolas foram fechadas.
Ficou a italiana, mantida pelos capuchinhos, que não recebia o auxílio devido à separação do Estado da igreja! Não havia médico, só curandeiros que cobravam os olhos da cara. Quando o café deu preço, os italianos esbanjaram. Então seus bens estavam hipotecados aos comerciantes e muitos perderam suas propriedades.
Pietro Mori, alegre, instruído e querido, serviu de acompanhante ao diplomata. Desceram o Baixo Timbuí, encontraram transeuntes amarelados e com feições inchadas. Mori disse que era o abuso da pinga, mas não, eram opilados. Era a praga da zona baixa até Colatina. O colono Gerolfo Rossi, opilado, bem como toda a família, ocupava o lote herdado de seu pai, demarcado em 1877, com 350.000 m², pelos quais pagou:
3.070m² | a 60 réis | 184$200 |
346m² | a 1 real (?) | 346$500 |
Planta, memorial e selos | 42$000 | |
Título definitivo | 69$300 | |
Total | 642$000 |
Rossi informou que tanto ele como a maioria fizeram as despesas sem receber os documentos e sendo sempre ameaçados pela fiscalização. Julgava-se remediado. Tinha engenho de cachaça, tropa, algum gado e créditos a receber de mais de 20 contos de réis.
Em Barracão Petrópolis, assim chamado devido ao rancho-hospedaria dos imigrantes, apearam-se na residência do Sr. Pagani. Além da colônia, tinha negócio, tropa etc. Sua mulher presenciou a morte do pai na noite fatal do assalto dos jagunços, de 1º a 2 de novembro de 1897. Ainda aterrorizada, mandou chamar o vizinho, Andréa Fachetti, como testemunha, que, com muita simplicidade, contou como escapou com sua mulher e filhos pequenos escondendo-se no mato. O delegado local fora ferido a faca. Além das vítimas já referidas, morreu também o tirolês Batista Vivaldi, pai do delegado. Quando os jagunços se debandaram, atearam fogo à residência, morrendo na ocasião dois caboclos. Quando a polícia chegou, na manhã seguinte, fez nova série de barbaridades, espancando testemunhas, o diabo.
Os viajantes inquisidores foram pousar na propriedade de Silvestro Frittoli.
É muito interessante o relato desse colono amável. Vou reproduzi-lo, em síntese, para que seus descendentes, se existirem, dele se orgulhem.
Seu pai, Michele, de Sestro Cremonese, imigrou aos 52 anos, em 1877, com mulher e 3 filhos, inclusive ele, Silvestro, e ocupou o lote mais remoto da colônia, à margem do rio Santa Maria do Rio Doce. Gastou seis meses para atingi-lo, derrubando mata, abrindo picadas. Plantou café e milho. Enquanto trabalhava com o filho mais velho, já com 23 anos, transportava, nos entre-meios, farinha e mascateava. Construíram ampla residência e, quando terminaram, morreu o velho Michele. Os filhos não desanimaram. Casaram e, enquanto as mulheres lavravam as terras, Silvestro, de sociedade com Tomaselli,[ 33 ] puxava carga com tropa. No remanso do rio fez um pesqueiro. Montou venda e, além das mercadorias comuns, vendia peixe fresco. Adquiriu os lotes vizinhos e, quando os visitantes em tela chegaram, depararam com bela e confortável propriedade em alvenaria. Ele já possuía filial em Colatina, 24 animais de carga, 25 cabeças de gado, 300 porcos na engorda e 23 lotes agrícolas. Foram vinte e cinco anos de trabalho metódico.
— Quanto vale sua propriedade? — perguntou o Dr. Zettiry.
— Quem pode saber? No bom tempo de café valeria uma fortuna. Hoje, se me dessem 50 contos no contado, talvez vendesse.[ 34 ]
Silvestro tinha dois filhos e justamente naquela semana estava mandando o mais velho a estudar na Itália.
A visita continuou, um pouco apressada. Tempo ruim. Em Cinco de Novembro, na casa do Sr. G. E. Não era mais colono, e sim um burguês, aproveitador, demagogo, com tirada de chefe político apesar de não saber ler. Mori informou o companheiro do mau conceito do conacional. No dia 9 de fevereiro voltaram a pernoitar em Santa Teresa. Diz o relatório: cultiva-se a uva, principalmente os tiroleses.
Era domingo de Carnaval. O povo se divertia. Os principais negociantes eram um belga (Vervloet), um alemão e três tiroleses que compravam café. Os outros, menores, Euclides Medici, Giovanni Có, Guerini Mancini, Pietro Gasparini e Luigi Anichini. Colheu ele informações de outros núcleos. Quanto mais longe e mais pobres, mais atormentados eram pelas pequenas autoridades. Caldeirão é a mais infeliz. São Jacinto tem poucas aguadas e muita anemia.
Perdidos, com péssimos caminhos, poucas famílias, tinha ainda assim uma situação razoável. A principal era a de Ambrosio Vercelini. Na segunda-feira à noite, o diplomata chegou de canoa a Vitória, passando apressado por Santa Leopoldina, sem se demorar.
Já mourejavam nessa ocasião, na vila sede da colônia, que viria a ser famosa, as seguintes pessoas: Carlos Avancini, prudente, respeitado, estabelecido com padaria; Bolognini, com botequim; Marrochi, relojoeiro; Laureano Bonfim, tabelião, com seus sobrinhos Orlando, Acrísio e José (Cazuza); Paulo Bonino, pequeno negociante; Leonel Soares, oficial do Registro Civil; e os Gasparini, Pedro, César e Epifânio; Miguel Pizziolo, colono ao começar da serra do Timbuí; os Perini, Américo e Bernardo Sessa; Tamanini, cuja esposa dava pensão e mantinha botequim; Lourenço Fontana, com tropa; Giuseppe Salviato, carpinteiro; Antônio Roatti, negociante; Fortunato Brolio, comprador de café; Euclides Medici, com pensão; Anechini, com padaria; os irmãos Pedro e César Gasparini, aquele com botequim e este sapateiro; Biazutti, com botequim; Fermo Vacari, com selaria; Pasolini, salsicheiro; Atílio Zotechi, escriturário. Ao todo eram cerca de 150 famílias pacíficas, trabalhadoras e devotas.
AS COLÔNIAS DO RIO DOCE
Ibiraçu
Com essa denominação genérica, Arrigo Zettiry se refere aos núcleos do atual município de Ibiraçu. Ele não as percorreu porque encontrou em Vitória o representante consular, Guidetti, negociante estabelecido há nove anos em Acióli. Homem bastante instruído e ponderado, prestou todos os informes e pintou, com o devido relevo, as condições peculiares à região.
Informou Guidetti:
“Os territórios ocupados pelos italianos se chamam: Antônio Prado, Acióli de Vasconcelos, Demétrio Ribeiro e Muniz Freire. Antônio Prado é o prolongamento do núcleo de Timbuí, pela baixada do Rio Santa Maria do Rio Doce, Mutum e Santo Antônio. Pertencem ao município de Linhares. A colônia foi criada em 1877 com o nome de Conde d’Eu. Acióli é banhado pelo Pau Gigante e seus afluentes. Terras muito férteis. Caminhando para o nordeste está o núcleo de Muniz Freire, banhado pelos córregos Cavalinho e Ribeirão. Zona paludosa e malsã. Será o túmulo dos que lá ficaram como já foi dos milhares de patrícios trazidos em 1894 e 1895.
Essa hecatombe provocou o ato de Prinetti. Continua o informante:
“Confinando com o divisor de águas do rio Doce e do Piraquê-Açu, acha-se Demétrio Ribeiro.[ 35 ]
Os pequenos colonos estão arruinados. O café em 1895 valia 23 mil réis a arroba. Era navegar a todo o pano! Hoje vive-se da plantação de milho que vale 6 mil réis o saco de 80 litros.
O milho é de consumo local, dada a quantidade de lotes de burro transportando carga.”
— O que acontecerá se o preço do café se mantiver em baixa?
— Muitos abandonarão a lavoura de café e perderão suas propriedades para os credores hipotecários. Muitos já se foram embora. Mas os credores não têm interesse em executar os créditos.
— É de fato fértil a terra no vale do rio Doce?
— Fertilíssima, mas a zona mui doentia. Antônio Prado está distante e tem transporte caríssimo. (Referia-se às colônias da esfera de Colatina).
Demétrio Ribeiro, muito ao interior, sem comunicação, fadado a desaparecer.
Foram proféticas as informações do Sr. Guidetti.
Quem não se lembra das febres de Cavalinho, Pasto Brasil, Baunilha, Barbados, Ribeirão etc.?
De Vitória a São João de Alfredo Chaves
Zettiry viajou em boa companhia para Matilde. Um comprador de café da praça de Vitória, Antônio Hegner, que muito lhe valeu ao informá-lo da zona que ia percorrer. Viajaram em trem de lastro, pranchas abertas ao sol, à chuva e às fagulhas. A colônia fez parte do núcleo de Castelo. Hegner repetiu a mesma tragédia da baixa de preço do café. Referiu-se à euforia dos anos de bonança, 1893 a 1895, em que se abriram várias casas importadoras de artigos italianos para atender às colônias: Vinhos Chianti, Barbera, vermutes, licores, azeite, massa de tomate, salame, mortadela, queijo parmesão, sardinhas etc… Hoje, cachaça e cerveja.
“A vida destes colonos transcorre tranquila.
“Provocam inveja aos brasileiros, por serem trabalhadores.
“Os nacionais fazem política, o que não interessa aos italianos.
“O café do Estado é ruim e mal beneficiado. Mas graças à casa Hard, Rand & Cia., instalando máquinas modernas de beneficiamento, a arroba ganhou mais mil e quinhentos réis no preço.
“Em Matilde, o primeiro entrevistado foi Giacomo Provedel, comissário de café, vêneto, que os hospedou gentilmente e discorreu sobre a situação de Alfredo Chaves e sua gente. Uma particularidade: o médico, para atender Matilde, cobrava um conto de réis, senão dois, para os mais remediados. A tabela dos curandeiros era a mesma.
Para as novas gerações, que vivem este fim de século, lembramos que até 1940 uma consulta médica custava vinte mil réis, cinqüenta vezes menos.
Pietro Malini, homem cortês e muito integrado com seus patrícios, se ofereceu para acompanhar Zettiry e servir de cicerone.
Alfredo Chaves fazia parte da antiga cessão de Matilde, onde se detiveram com o negociante Ângelo Modulo, o qual, estabelecido desde 1880, exercia várias funções administrativas: subdelegado de polícia, agente postal e dono de hospedaria eventual. Homem de certa visão, instruído, informou a Zettiry o necessário sobre o ocorrido no ex-núcleo de Castelo.
De ordem do governo, havia recenseado o distrito de Matilde em 31 de dezembro de 1900: 2.322 indivíduos, dos quais apenas noventa e poucos brasileiros, e os demais, vênetos divididos em 371 famílias.
“A vida destes italianos corre tranquila. São invejados por se dedicarem só ao trabalho. Os nacionais querem arrastá-los à política, por isso os molestam às vezes.
“Os italianos se cotizaram e construíram uma bela casa para escola, que funcionou por três anos.
“O governo dispensou a professora e ocupou o imóvel com a delegacia de polícia. Ficaram os colonos sem a casa e sem a professora.
“Na ocasião, em Matilde, com exclusão de São Pedro, havia 240 pessoas, oriundas de Treviso e Vicenza, Veneza, Udine, Beluno e Cremona.
“Chegaram entre 1880 e 1890.
No dia seguinte, 14 de fevereiro, Zettiry de Matilde se deslocou para a cessão de Carolina, onde o Sr. Malin estava estabelecido com venda. Mas, sem se demorar, seguiu com Malin e mais dois italianos em excursão para Iracema, Urânia e Vítor Hugo. Os lotes se estendem lado a lado sobre as margens dos pequenos rios e torrentes, tributários do rio Benevente. A estrada que percorre sobe a grande altitude e o ponto culminante recebeu o nome de Calvário, onde os devotos ergueram três cruzes. Deste sítio se alcança uma vastíssima e majestosa seqüência de morros. À medida que se sobe para as nascentes dos córregos de longo curso, o ar se refresca, enquanto as terras se empobrecem, são frias ou estéreis. Não obstante ser maravilhosa a vista que se descortina e o clima ser salubre, as colheitas eram escassíssimas e o chão não produzia café; mal e mal, um pouco de milho, suficiente para matar a fome. Estas eram as condições de Urânia e Vítor Hugo.
Percorreu 21 km do centro de Carolina, para atingir Urânia, onde se situa Berto Moro, excelente homem, alma de grandes pulsações patrióticas, casualmente ausente. Zettiry escreveu: “Mas sua esposa, educada na escola do marido, sem o ter encontrado, reconheci-lhe uma verdadeira altruísta e belíssimo tipo, sabe fazer as honras da casa, satisfez minha fome de informações.”
“A senhora Moro reuniu os moradores da vizinhança.
“À noite, ao clarão da lua, naquele honesto ambiente, juntou-se boa quantidade de colonos de Urânia e de Vítor Hugo, conhecedores também do ambiente do Alto Castelo, região de fazendas.
“Destas colônias, muitos já se foram por não poderem viver de seus lotes, procurando a meação com fazendeiros nacionais.
“Restam 13 famílias que se utilizam dos lotes abandonados para poderem viver. O governo os atazana porque combate as posses criminosas, sendo assim chamadas as terras ocupadas sem documentação.
“Essa pobre gente desfruta, nessas terras, o complemento do milho para sua alimentação e cria alguns porcos indispensáveis à sobrevivência.
“Queixam-se de terem sido ludibriados pelos comissários das colônias, pela má escolha das terras.”
Urânia é ligeiramente menos estéril. Restam-lhe 36 famílias que vivem sofrivelmente.
Desta cessão também se deserta para as fazendas.
Daró Antônio é de todos quem de melhor situação desfruta. É pequeno criador de gado. Como pôde obter o rebanho? Trouxe da Itália algumas centenas de liras ganhas na Prússia, onde esteve emigrado. Também Lorenzoni Paolo, Daré Pietro, Pizzoli Antônio e Grandini Angelo vivem de pequenos rebanhos. São todos vizinhos.
“É assim que se coloniza? É assim que se emancipam prematuramente colônias entregues à própria sorte?” Assim indaga, concluindo um parágrafo de seu diário, o embaixador Zettiry.
No centro de Vítor Hugo todos estão em penúria: Cosimo Oswaldo, o humilde Moretti, em casa pequeníssima, com três filhos friorentos e seu altarzinho a Santo Antônio. Fazia pena.
Ele havia chegado há oito anos. Opilado. Confina com Gratieri, que é pai de oito filhos. Estava lá havia dez anos. Ferrari Giuseppe em dois lotes só consegue colher milho para comer, bem como Ceolin, Magnani, vindos do comissário de Terras e Colonização que arrecadou dos colonos uma centena de contos de réis para localizá-los e legalizar-lhes as terras. Desapareceu com os passaportes, medições e plantas de uns tantos colonos. Não foi punido, não obstante denunciado, porque tinha irmão alto funcionário!
Em Iracema as terras são boas. Pequeno reduto, dez famílias com 59 indivíduos. Quarenta pessoas comeram!
A população se compõe de 39 famílias com 266 pessoas, na maioria trevisanos. Vinte anos de Brasil.
Em Itacurubi, 14 famílias com 85 almas. Cedro, um pouco maior: 23 famílias com 176 pessoas.
“A cessão de Maravilha se divide em Baixa e Alta. Parti de Carolina em companhia de Angelo Travaglia, italiano nato, instruído e bem informado. Interessei-me porque soube que estas terras também eram fracas. Em caminho encontramos Mistura Luigi, Guidolino Antonio, Rizzieri Campi e Vossoler, da Baixa Maravilha.
“Reuni-os todos em casa de Bassini. Anotei na parte alta, 19 famílias com 90 viventes, mantovanos chegados em 1887-92. Todos ainda sem documentos dos lotes. Mistura colhe 50 arrobas de café. Guidolini, com 3.500 pés, mal obtém 12 arrobas. Condições mesquinhas desta região.
“Na Baixa, a situação é melhor. Vinte e três famílias com 180 pessoas, em grande parte de Treviso e Mantova, vindos de 1880 a 1894.
“O filho do colono Bassini foi vítima de um abuso singular. Ele possuía em Araguaia o lote 374, do qual vi o título definitivo e o recibo de 259$600. Um negro o ocupou e o transferiu em pagamento a Adolfo Custer. Este por sua vez o vendeu a Francisco N. N.
“Em 1896, Bassini tomou todas as medidas cabíveis, gastando em custas judiciárias 400$000 sem o menor resultado. Mas Bassini não sofreu só esse dano. Foi encarregado de construir um trecho de estrada e o governo nunca o pagou. Nem mesmo o cônsul conseguiu solucionar este abuso. Política.
“Sigo para Deserto. Bonita Zona. Detenho-me em casa de Pezzini devido à chuva. Casa confortável, três lotes e 7.000 pés de café. Quer mandar seu filho fazer o serviço militar na mãe pátria. Se lhe derem a passagem. Disse-lhe que sim. O interesse dessa gente é instruir os filhos. Pezzini Giovanni, primo do anterior, tem quatro lotes, 10.000 pés de café, moinho, cabeças de gado.”
“Diz que os negociantes da região são todos ladrões. Um deles, italiano analfabeto, comprou patente de coronel da Guarda Nacional, fez fortuna colossal. Adquiriu um castelo na Itália! E as dragonas não lhe pesam de vergonha! Deserto é habitada por 130 pessoas, constituindo 22 famílias. São trevisanos chegados em 1877.
De São João de Alfredo Chaves a Cachoeiro de Itapemirim
“Sigo para São João, um dos três distritos do vasto território da colônia de Alfredo Chaves, para conhecer Rio Novo, importante território também. Este subdivide-se em cinco núcleos e fica a sudeste da ex-colônia de Castelo. Foi emancipado em 6 de março de 1880. Mas administrativamente faz parte de Alfredo Chaves, Rio Novo e Piúma [não entendemos esta subordinação]. É banhado pelos tributários do rio Benevente e afluentes do rio Piúma.
“Alfredo Chaves, como distrito, contém 233 famílias, perfazendo 1.468 indivíduos, representantes de todas as províncias, desde a Lombardia a Veneza. Estão satisfeitos. No mesmo dia, acompanhado de Gabriel Malini, visito Nova Mantova, a 6 km.
“Há um dos poucos correspondentes consulares, Vittorio Cavalini. Nova Mantova e Nova Estrela são prósperas porque têm boas terras. São habitadas por 43 famílias, totalizando 262 pessoas. Os remediados ajudam os pobres. A cessão de Guiomar não é favorável. Viaja-se descortinando belo panorama até o mar. Já possui 77 famílias com 393 integrantes. Data do último ano da monarquia, isto é, 1889. Os mais prósperos habitam o caminho dos veroneses.
“Entre Rodeio e Monte Alegre encontrei os colonos mais endividados e perseguidos pelos credores hipotecários. A maioria dos negociantes é de onzenários.
“Grande confusão política entre Rio Novo e Piúma. Os colonos estão preferindo abandonar suas propriedades e se fazerem meeiros.”
Zettiry toma conhecimento da corrupção judiciária contra os imigrantes. Quando falece um colono cuja propriedade esteja hipotecada, o cartório sobrecarrega as custas, de modo que os herdeiros não possam reivindicá-la.
Os credores obtêm diminuição e revendem o monte com lucro sem a menor indenização à família do de cujus.
“Demando Cachoeiro de Itapemirim, importante zona de fazendas de café e cereais. Passo por Nova Estrela, Inhaúma, Virgínia Velha e me demoro em Virgínia Nova. Propriedades bonitas e bem cuidadas. Caminhos pedregosos. Colonos prósperos, 418 lavradores pertencentes a 73 famílias de beluneses, trevisanos, bergamascos, vindos em 1876! Hospedamo-nos com Giovanni Zanollo, pai de dez filhos. É a melhor casa de Virgínia Nova. Um colono progressista: fotógrafo amador.” Construiu uma bela escola com auxílio dos vizinhos. “As autoridades municipais a tomaram também para delegacia! Levaram o caso ao consulado, mas…”
“A irmã de Zanollo se filiou à Congregação de São Vicente, percorre as colônias a cavalo prestando assistência social. Não há médico, nem farmácia, nem parteira. Viajamos à noite, com esplêndido luar, através de floresta exuberante, para Cachoeiro. Aqui encontrei um correspondente consular. O alfaiate Angelo Mignone. Pessoa querida, popular e hospitaleira. Atílio Paci, comprador de café para forte exportador do Rio. O Sr. Mignone me informa que os meeiros não são muito explorados. Um padre italiano afirma que os patrícios são bem tratados porque são necessários aos fazendeiros. Mas os negociantes mui gananciosos. Há colonos credores por empréstimos aos fazendeiros e negociantes. Não há na cidade estabelecimentos de crédito. Muitos, assim, perderam suas economias com a baixa do café.
De Cachoeiro de Itapemirim ao Alto Castelo
“Por exigüidade de tempo, optei por visitar só uma zona de Castelo, a que se prolonga até Urânia, por mim conhecida. Percorri uma importante propriedade, tida como a mais rica [qual foi?] do Estado, contígua à fazenda do Sr. M., que abriga 17 famílias de vênetos, com 93 pessoas. O fazendeiro B. nos dispensou cortesia mas não fez boa cara às minhas perguntas. Disse-me que os colonos italianos são muito sabidos. Reputam-se porque há falta de braços. Pedi para entrevistar os colonos e ele me dificultou. Mas consegui reuni-los. O fazendeiro não só entendia como falava muito bem o dialeto vêneto. A má vontade do proprietário se justificava: devia dinheiro emprestado a todos.
“Monte Alverne dista 6 km, onde vários italianos cultivam terras próprias. Foi fazenda de Maurício Vieira da Cunha. Quando faleceu, sua viúva fracionou a propriedade e vendeu glebas aos italianos Andreoni, Ambrosino, Bisolli, Perini, Figioli e Casagrande. Cada um comprou área que pudesse pagar em dez anos, com os juros respectivos. Todos resgatam seus débitos no fim do quarto ano. Andreoni, que comprara maior área, pagando 42 contos de réis, comprou depois a sede com engenho de cana, moinho e 40 alqueires, por 45 contos.
“Assisti, nesse dia, por mero acaso, a um belo gesto de solidariedade humana e patriótica. Vinte e seis colonos se quotizaram e resgataram a dívida de Antonio Sgaria, que estava em apuros. As dificuldades destes colonos resultavam de terem comprado suas propriedades na alta do café; e agora elas não lhes proporcionavam lucro. Andreoni, o mais rico, trabalhava com a família na limpa e apanha do café, com toda a naturalidade.
“Jantamos com eles magnífica canja e ouvi as mais acerbas queixas ao governo e críticas aos políticos municipais.
“De Monte Alverne caminhei para Alto Castelo. Encontrei pequenos colonos em boas propriedades próprias. Atravessei Pindobas e conheci Mascarelli, com colheita de 1.000 arrobas. Ouvi a história interessante de Caretta: foi meeiro do Sr. C. por onze anos. Comprou-lhe parte das terras por 25 contos no contado. Agora tem cinco parceiros, colhe de sua parte 1.000 arrobas, outro tanto os parceiros. Resistiu à crise. A zona é muito sujeita à opilação. Foi nesta paragem que encontrei os colonos em melhor prosperidade. O clima é que não ajuda. Devem vir dias melhores. Eles, liberados, não devem.
“Alguns italianos, os de meação, têm créditos vultosos com fazendeiros arruinados. Estão em desespero. Estes dizem que se conseguirem receber a metade se repatriam.
Perguntei a um colono:
— “Os fazendeiros e filhos respeitam as vossas famílias?
— “Puh! Na maioria os filhos são malandros, cortejadores e sempre que podem estupram meninas nos cafezais. Outro dia um negro estava forçando uma jovem camponesa. Um mulato, amigo dos italianos, ouviu gritos e chegou a tempo para esfriar o atrevido.
“Na manhã seguinte, 27 de fevereiro, fui procurado por uma série de italianos portadores de recibos, alguns vultosos, de depósitos de dinheiro a negociantes e fazendeiros. Pediram-me providências, pois passavam necessidades.
Não conseguiram nem fornecimentos, nem juros. Comovente foi a dúzia de velhas viúvas maltrapilhas, cheias destes papéis inúteis a implorar minha intervenção. Partia o trem. Pus os pés no estribo do vagão com a voz presa.
“Há o reverso da medalha. Em Cachoeiro, Paci, com dois magníficos cavalos, me convidou a dar umas voltas. Visitamos cafezais viçosos. Conversamos com os colonos de meação, que nos disseram ser carinhosamente tratados. Em caso de doenças, as esposas dos fazendeiros cuidam com desvelo dos doentes. Muitos deles têm filhos na Itália a serviço militar e se educando. Roco Fardin com vários filhos só colhe 75 arrobas, vive mal, bem como os vindos em 1895. No dia seguinte visitei Paineiras, descendo o rio. Fazem açúcar mascavo e cachaça. Em Timbuí não pude obter dados suficientes para a estatística que junto a este relatório.
“O grosso da imigração se processou de 1879 a 1889. Os que vieram depois de 1890 foram enviados para as bandas do rio Doce, onde fracassaram, bem com os de Urânia e Vítor Hugo. Os fazendeiros não me forneceram elementos para boas estatísticas.
Assim termina a prestação de serviço do enviado especial do governo italiano ao Estado do Espírito Santo. É inédito e foi confidencial. É um documento valioso para os descendentes desses heróicos desbravadores. Seus despojos venerandos jazem nos muitos cemitérios encapoeirados, ao lado de capelas rústicas, onde quase não se lhes evocam mais os nomes, em preces ligeiras.
Que Deus os tenha recompensado!
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NOTAS
[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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© 2001 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)