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Capítulo XV

Influência italiana na evolução social e econômica do Espírito Santo. Os filhos de imigrantes ganham as universidades. Os primeiros diplomados. Os industriais eminentes. Os intelectuais.
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O emigrante italiano viveu e talvez os interioranos vivam ainda, desde sua integração no Espírito Santo, sob regime estritamente patriarcal. O cabeça de casal enfeixa toda a autoridade sobre a família. De modo geral, os filhos só se emancipam depois de casados, mas dificilmente, a não ser que obtenham recursos da família da esposa, abandonam a propriedade paterna.

O pai provê os filhos. Todos trabalham para um só monte. Junto à propriedade central vão surgindo as casas dos outros membros. Respeita-se a progenitora. A mãe cuida da educação espiritual, transmite os rudimentos de doutrina e ensina as orações. Em muitas famílias reza-se em comum. Conheci famílias em que os agregados caboclos, à noite, rezavam em italiano junto com os patrões. Nos domingos e dias santos todos vão à vila. Assistem à missa, se houver, ou à reza. Aí comem, bebem e o dia termina em cantoria. São as velhas melodias provinciais que vêm à tona. Quando a vila é distante, juntam-se na propriedade da família principal. No município de Santa Teresa, as propriedades dos Pretti, Pagani, Vercelini, Pedro Mansur, Dalla Bernardina, Zanandréa, enchiam-se festivamente de colonos vizinhos. Mas se o vigário estava na sede do município ou num dos patrimônios, todos se dirigiam ao local privilegiado, a pé, a cavalo, em jornada de duas ou três horas. Então expunham-se as indumentárias clássicas: as mulheres com os lenços de cabeça, os xales, as saias de chita escura e ramalhuda, as blusas bordadas, os cordões, os braceletes e as sombrinhas de cores variegadas. Caminha-se geralmente com os sapatos nas mãos. No córrego, próximo ao destino, lavam os pés e se calçam. Os homens, com seus trajes de festa, relógio no bolso do colete e a corrente de trespasse, a pipa, o chapéu de feltro de aba larga, botas, garrucha e chicote. Cada um fustiga sua montada com garbo. Os smarts usam arreios e estribos guarnecidos de prata. Os cardápios, regionais, os deliciam: polenta e queijo, saladas de almeirão (radicci), galinha cozida (alessa), frango ensopado, linguiça frita, agnolini, gnocchi, ravioli, talharim, macarrão, pasta asciuta, risoto, salame e mortadela, iguarias completamente desconhecidas pelos nacionais. Os copetins, aperitivos, da pátria distante, estão presentes: vermute, fernet, amarofelsina, sem se falar nos vinhos, é claro. A cachaça entrou bem no paladar dos estrangeiros, que passaram a fabricá-la com perícia e abundância.

Tiveram os colonos grandes preocupação com a educação dos filhos. Clamaram sempre por escolas. E os governos surdos. Em vários patrimônios ou sedes de municípios, os italianos construíram escolas e pagaram professores. Depois os políticos, por mera demagogia, acusaram tanto os italianos quanto os alemães de racismo pelo fato de os filhos não saberem falar a língua nacional e freqüentarem escolas de suas origens. Foi demagogia para esconder o desleixo do governo que nomeava fiscais de impostos, subdelegados de polícia, em toda a parte, mas se esquecia das escolas, cujos professores ganhavam oitenta a cem mil réis por mês, com atraso de três a quatro meses nos pagamentos. Em Santa Teresa, Matilde e Virgínia, sabemos que as escolas construídas pelos colonos foram tomadas pelo governo para instalar subdelegacias de polícia ou coletorias.

Aconteceu no governo de Muniz Freire, e está documentado nos anais do Senado, com o discurso do senador Bernardino Monteiro em defesa da administração Jerônimo Monteiro. A escola pública no Espírito Santo foi privilégio político desfrutado por uns tantos coronéis.

Quem acabou com esse vergonhoso descaso foi indubitavelmente o presidente Jerônimo Monteiro. Em sua administração se criaram mais escolas do que durante toda a era colonial, monárquica e os dezenove anos de república.

Os imigrantes demonstraram todos, e sempre, grande interesse em instruir os filhos, não obstante serem em grande maioria analfabetos. Muitos mandaram seus primogênitos a servir o exército na Itália, com o fim exclusivo de os instruir. Todos os que alcançaram recursos procuraram educandários para seus filhos. A Escola Normal e o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora receberam, desde o início, boa parcela de filhos de colonos. O Ginásio do Espírito Santo, o Colégio Divino Espírito Santo, de Cachoeiro de Itapemirim, o Ítalo-Brasileiro, em Santa Teresa, o Salesiano, de Jaciguá tiveram freqüência cerrada. De 1917 para frente surgem os primeiros laureados por escolas superiores. Cito alguns nomes em homenagem não só a eles como à sua ascendência.

Os primeiros a frequentar as universidades foram os seguintes.

No sacerdócio: D. João Batista Cavatti, bispo resignatário da diocese de Caratinga. Nasceu em 5 de maio de 1892, em Todos os Santos, município de Guarapari.

Seu pai, Giovanni Cavatti, veio viúvo de Bergamo, civitato de Del Piano. Foi feitor de turma na abertura de estradas e demarcação de lotes, em 1876. Seu pai e seu avô materno, Giuseppe Magri, foram das primeiras levas embarcadas em Gênova, vindos pelo vapor Oeste.

Fez suas primeiras letras em Guarapari com o saudoso professor Adolfo de Oliveira. Iniciou o ginásio em Vitória. Transferiu-se para o Colégio do Caraça (1909), por se sentir atraído para a vida religiosa, fruto da esmerada educação cristã de sua família. Fez o noviciado em Petrópolis, bem como o curso de filosofia. Em Dax, no sul da França, estudou teologia, onde ordenou-se lazarista. Voltando para o Brasil, foi servir no Ceará, em Fortaleza. Por motivo de saúde, voltou ao Caraça onde lecionou. Foi professor no seminário de Mariana, depois em Irati, no interior do Paraná, e em seguida em Petrópolis, como diretor de noviços. Em 1938 a Santa Sé o elegeu bispo de Caratinga. O governo do Estado de Minas Gerais, considerando os relevantes serviços apostolares do virtuoso prelado, criou, na zona da mata daquele Estado, o município de D. Cavatti.

Quando nos referimos ao distrito de Venda Nova, citamos o padre Cleto Caliman e sua incomensurável obra catequética e social. É edificante e salutar o número de religiosos de origem italiana no Espírito Santo. Impossível enumerá-los todos. Vivem alguns nos conventos, outros em paróquias por esse Brasil afora. A quantidade de freiras é incontável nos educandários, hospitais e casas de saúde. São obreiras anônimas a serviço de Deus.

No convento dos Capuchinhos, em Haddock Lobo, no Rio de Janeiro, frei Vital, nascido em Santa Teresa, do nosso Estado, pertencente à família Ronconi, granjeou fama de orador sacro.

Em Ciências Jurídicas e Sociais: Atílio Vivacqua, jurista, político, senador; Américo Gasparini, advogado de grande fama nas auditorias de Belo Horizonte, fundador da Fundação Felício Rocho; Vicente Caetano, advogado, desembargador; Rômulo Finamore, magistrado; Frederico Gasparini Müller, advogado nos foros do Rio de Janeiro; José Luiz Gasparini, advogado; Amúlio Finamore; Alvino Gatti, jornalista, advogado, empresário; Isidro Zanotti, da OEA; Eliseu Lofego, advogado famoso.

Na Medicina: Américo Poli Monjardim, clínico de nomeada, duas vezes prefeito de Vitória; Ottorino Avancini, cirurgião, diretor médico da Santa Casa de Misericórdia; César Agostini, Elísio Modenesi, Ovídio Paoliello, Paulino Gasparini Müller, Mileto Rizzo, poeta inspirado, clínico e político; Afonso Bianco, fundador da Escola de Medicina da Ufes; Raul Giuberti, médico, político, senador e ex-vice-governador do Estado; Emílio Zanotti, médico, político e membro do Tribunal de Contas; Vicentini, cardiologista; Thomaz Tommasi, pediatra e higienista; Valério Camaretto, clínico.

Em Engenharia: Luiz Serafim Derenzi e Álvaro Sarlo.

Na Agronomia: Enrico Aurélio Ildebrando Ruschi, fundador da Escola Técnica de Santa Teresa, e prefeito desse município. Duas vezes secretário de Estado.

Augusto Ruschi, bacharel, biólogo, expoente na preservação da natureza. Cientista de reputação internacional. Famoso por seus estudos sobre beija-flores, morcegos e orquídeas. Fundador e diretor do Museu Professor Mello Leitão. Membro de todos os institutos científicos do ramo dos países cultos.

Na Odontologia: Dário Derenzi, cirurgião dentista, professor universitário; Eloy Borgo, odontólogo, clínico de nome com cursos em diversas instituições técnicas nacionais e estrangeiras, além de professor-publicista.

Nas Letras: Se os ítalo-espírito-santenses não tiveram ainda quantidade, igualam-se em valor, com passaporte válido em todo o território nacional.

Carlos Nicoletti Madeira, o pranteado tradutor da Segunda Viagem, de Saint-Hilaire, teve o aval de Viriato Correia, quando publicou Caiçaras e a seguir o Romance de Teresa Maria, no gênero cantante de Yvelise de Guido da Verona. Descansando dos poemas naturalistas, a poetisa Virginia Gasparini Tamanini estréia com Karina, romance realista e vívido, de uma família emigrada, da primeira falange partida de Trento, e que, entre Santa Teresa e Conde d’Eu, vive o dia a dia de uma sociedade em formação.

É um romance forte e sua autora se alinha na galeria de Dinah e Rachel de Queiroz.

Na crítica literária, na recordação da vida simples dos imigrantes e quiçá romanesca, Celso Bonfim perpetua e recorda, com alma de ourives, as velhas usanças daqueles bons italianos, companheiros de seus avós maternos.

Hilário Soneghet, poeta cantante que fala ao coração, com rimas sonoras, citado e recitado em todos os grêmios literários por esse Brasil onde se cultivam as boas letras. Tudo é espontâneo no cantor de Por estradas curvas. Seu livro é póstumo. Homenagem de seus amigos. A colônia ítalo-brasileira deve-lhe uma homenagem. Não basta lembrar-lhe a memória, é preciso perpetuá-la.

Letras Históricas: Heribaldo Lopes Balestrero, catador dos velhos arquivos roídos pelas traças. Revive os segredos dos fatos históricos da província. Publicou a História do Município de Viana.

Adelpho Poli Monjardim, romancista imaginoso. Orador espontâneo e vibrante. Militou na política. Duas vezes prefeito de Vitória, onde se situou entre os administradores de primeira água. Elegeu-se em época da mais nefasta demagogia, sem percorrer as favelas, sem subir os morros da miséria com falsas promessas. Ocupou a tribuna do legislativo estadual. Membro do IHGES e da Academia Espírito-santense de Letras. Condecorado pelo governo italiano e pelo exército nacional. Vencedor do Prêmio Tasso Fragoso com seu erudito paralelo entre as vidas de Bolívar e Caxias. Diplomado em Ciências Jurídicas, desfruta o prestígio de sólida cultura humanística.

O autor deste documentário, em Biografia de uma Ilha, revive a evolução histórica do Estado, acrescentando-lhe documentos, e estuda a metamorfose de sua capital gerada pelos governos republicanos. Em concurso público, promovido pela Secretaria de Educação e Cultura, sobre a História do Palácio Anchieta, classificou-se em primeiro lugar, concorrendo com eminentes historiadores.

No Comércio e na Indústria: A bem dizer, os ítalo-brasileiros se enfileiram na linha de frente da indústria e do comércio do Estado. É preciso não esquecer que o Espírito Santo, até o advento da revolução de 1964, não merecia a menor atenção do poder central. Tudo era difícil de obter e não se conseguia atrair atenção e interesse para muitos problemas que afetavam até a economia nacional, como o porto e as rodovias BR-101 e 262, que foram iniciadas e em grande parte custeadas pelos cofres estaduais. A Companhia Vale do Rio Doce é o “abre-te sésamo” do encantamento espírito-santense. Ela focalizou a importância do porto de Vitória e tornou praticamente conhecido o Estado do poder central da República.

Podemos dizer que o Espírito Santo hoje faz parte da república brasileira, tem seu talher e lugar marcado na mesa dos destinos nacionais.

Desponta a prosperidade. Os descendentes de italianos participam com galhardia do progresso e desenvolvimento do Espírito Santo. Eles capitaneiam as iniciativas, com repercussão além fronteira.

A Viação Itapemirim, fundada e dirigida pelo comendador Camilo Cola, leva de vencida todas as companhias congêneres da América do Sul. Seus coletivos, luxuosos, confortáveis e pontuais, cruzam a maioria das capitais do país. Sua organização técnica e comercial obedece aos mais modernos e avançados métodos científicos. Bela realização de um castelense, filho de trevisanos honrados.

Os irmãos Coser, concessionários da venda de automóveis, atingiram invejável posição no ramo. Otacílio, autodidata, faz parte do Conselho Fiscal da Volkswagen, pela operosidade no comércio de venda de veículos. Gersino exporta grande percentagem da safra estadual de café. Inauguraram o comércio importador, em grande escala, prevalecendo-se dos incentivos fiscais.

Os irmãos Zanotti superintendem a Metalúrgica Nossa Senhora da Penha, com invejável capacidade.

Os Toniatos, com frigorífico, invadem o abastecimento da Guanabara. Os Dalla Bernardina se ramificam em dezenas de empreendimentos modelares. Mário Pretti, Ênio Modenesi, os irmãos Zamprogno e outros muitos especulam com dinamismo o comércio importador. Citamos os principais com escritórios na capital do Estado. E as firmas de Colatina, que vibram com atividade febricitante? Cachoeiro de Itapemirim, Nova Venécia, Linhares, para citarmos apenas os grandes pólos financeiros, sem subestimar milhares de firmas de médio porte na maioria dos municípios interioranos.

Na Política, os municípios de acentuada origem de imigrantes começam a se libertar dos rançosos caciques profissionais. Despertam agora com o fulgor de suas inteligências e capacidades.

Raul Giuberti foi prefeito de Colatina, senador e vice-governador do Estado. Henrique Pretti é o atual vice e exerce o cargo com sabedoria e finura. No Senado Federal se ouviram as vozes abalizadas de Atílio Vivacqua e de Del Caro. Na Assembléia Legislativa figuram jovens de talento e combativos tais como Pelissari, Merçon, Camata, Meneghelli, De Prá, Plazzi etc., cultos e defensores da sã política. Os municípios de Santa Teresa, Colatina, Ibiraçu, Alfredo Chaves, Castelo, Conceição de Castelo, Sauaçu e Linhares foram governados diversas vezes por ítalo-brasileiros. A raça toma consciência de suas prerrogativas e do incontestável direito de governar a terra onde nasceram e que seus maiores fecundaram com o sacrifício de suas vidas. O sentimento de brasilidade e o amor ao torrão capixaba é um só: engrandecer a pátria, ser um povo altivo.

A terceira geração floresce esperançosa, ávida de saber e cultura.

Fernando Sarcinelli Garcia, de pioneira família de Ibiraçu, participa dos estruturadores da siderúrgica nacional.

Nos cursos da Universidade Federal do Espírito Santo avultam os descendentes de italianos em número e capacidade intelectual. Cursam universidades estrangeiras. Especializam-se. Fazem mestrado. Distinguem-se. O engenheiro Máximo Borgo Filho, da clã dos Borgos, emigrados das bordas dos Alpes venezianos para Araguaia, é o atual reitor da nossa Universidade. Foi o seu honroso curriculum que lhe deu o mérito para tão alta investidura. A nova orientação implantada nos cursos e a disciplina funcional capitalizam louvores não só à sua personalidade como também ao instituto que comanda. Acaba de ser agraciado com a Ordem do Mérito Educativo. Engrandece o magistério superior do Estado.

Não citaremos nomes pelo temor de cometer injustas omissões. Mas os ítalo-brasileiros se situam na vanguarda das profissões liberais do Espírito Santo. Por que não citar o jovem engenheiro Paulo Derenzi Vivacqua, especialista em portos de mar, professor de alto mérito? É neto de italianos pelos dois lados: materno e paterno.

Do município de Fundão, o experimentado jornalista Plínio Marchini, redator de A Tribuna.

[DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]

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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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