Um autodidata: André Carloni.
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Entre os milhares de imigrantes italianos vindos no século passado, indubitavelmente quem mais se distinguiu pela habilidade, autodidatismo e talento artístico foi André Carloni, chegado no Brasil com sete anos de idade. Deus lhe deu a inteligência e ele soube, ambiciosamente, cultivá-la num prodigioso autodidatismo. Cresceu num meio paupérrimo de arte e de educadores. Índole privilegiada. Com os rudimentos da aprendizagem que obteve, toda fortuita, tornou-se desenhista, arquiteto, decorador, estatuário, homem de empresa e construtor.
No governo de Jerônimo Monteiro, em plena juventude, com vinte e cinco anos de idade, ele foi uma das figuras principais nos grandes empreendimentos do histórico quatriênio. Seu dinamismo não teve limites.
Construiu a Santa Casa de Misericórdia e o edifício da Assembléia Legislativa; reformou e ampliou a Escola Normal Pedro II, velho pardieiro feito em 1878 e em condições precárias; montou a construção da via férrea elétrica Paul-Vila Velha; alargou a rua 1º de Março, trecho entre rua General Osório e a escadaria do Palácio; Fábrica de Sílico Calcário, atual Fábrica de Bombons; organizou o serviço de transporte marítimo, por sua conta, entre Vitória, Vila Velha e Santa Leopoldina; dotou esta cidade de energia elétrica. Realizações feitas, todas, simultaneamente.
Em 1916 construiu o edifício da Alfândega e a Delegacia Fiscal de Vitória. Foi concessionário da exploração da Estrada Costa Pereira, melhorando seu traçado, e manteve regular serviço de ônibus entre Santa Leopoldina e a estação de Alfredo Maia, da Estrada de Ferro Vitória a Minas, beneficiando enormemente a viagem entre a capital e aquela importante praça de comércio. Mesma iniciativa teve ligando a estação de Domingos Martins às de Santa Isabel e Campinho, da Estrada de Ferro Leopoldina.
Finalmente, em 1925, quando o governo do Estado demoliu o único teatro da capital, o celebrado Melpômene, André Carloni projetou, construiu e decorou, por conta própria, essa pequena jóia que se chama Teatro Carlos Comes, ainda hoje o único de Vitória. Foi muito idealismo, muito amor à terra adotiva.
Quando o Serviço de Patrimônio Histórico da União resolveu zelar e restaurar nossos poucos, mas valiosos monumentos, foi buscar André Carioni para chefiar esse importante e especializado serviço. E ninguém mais do que ele poderia ser escolhido, porque só ele, com a minguada dotação orçamentária, poderia restaurar nossas velhas igrejas e conventos. Modesto, mas sábio. Salvou-se assim o convento da Penha, a igreja de Anchieta e respectiva residência.
A de Reis Magos, em Nova Almeida; São Mateus; Rosário, de Vitória, e a de Vila Velha; a capela Santa Luzia; a igreja de São Gonçalo; o solar Monjardim; a bela igreja de Araçatiba; a esquecidíssima Nossa Senhora das Neves, na Muribeca (Itapemirim). Colaborou na restauração do projeto final da Catedral Metropolitana e construiu a parte externa. Todas essas obras ele as executou por amor à profissão e à arte, sem o menor vislumbre de interesse pecuniário.
Em 1942 o governo federal concedeu-lhe a cidadania brasileira e em 1956 a Câmara Municipal o fez cidadão vitoriense. No ano passado foi feito comendador duas vezes: pelos governos italiano e do Estado.
Nasceu em Bolonha, na Itália, cidade famosa pela sua Universidade e pratos típicos, a 28 de janeiro de 1883. O casal Zama Carloni e Mariana Malaguti emigrou em 1890, trazendo seus três filhos: André, Romeu e Aldo. Vieram pelo navio Adria e desembarcaram na Hospedaria da Imigração, em Jaburuna. Zama Carloni tinha profissão. Era serralheiro e mecânico, por isso foi contratado pelo major Guaraná que, em suas terras, em Santa Cruz, local hoje denominado Vila Guaraná, estava com o maquinismo de uma usina de açúcar por montar. Terminada a montagem, Zama Carloni rumou para Vitória.
Em 1892 trabalhou nas obras do velho quartel de Polícia, em frente à Estação Rodoviária,[ 1 ] criminosamente demolido. Todas as grades de ferro e portões foram serralhados e montados pelo velho Zama. Com o surto de febre amarela que grassou em 1894, André Carloni ficou órfão de pai e, com treze anos, enfrentou a vida como ajudante de ferreiro, com o salário de três mil réis por dia, o necessário para sustentar a família. Terminada a obra do quartel, foi garçom e capinador de rua. Em 1895, ao se iniciar a construção do teatro Melpômene, teve sua grande chance. Fora encarregado da pintura e decoração um mestre de talento: Esperidioni Astolfani, que aceitou André como aprendiz.
Aperfeiçoou-se e seu ordenado passou de seis mil réis por dia, muito bom salário para a época.
Em 1900, a maçonaria Monte Líbano abriu aulas noturnas de leitura, música e desenho. André Carloni se matriculou nos três cursos e os frequentou durante dois anos. Foi ótimo aluno de desenho e leitura.
Manifestou-se a vocação. Começou a fazer projetos de construção de pequenas casas. Ganhava salários razoáveis e, em 1906, contraiu núpcias com Clementina Rossi. Vieram os três filhos: Hermes, Hellida e Olga.
Como construtor, a primeira obra que fez foi a reforma do convento do Carmo, quando encontrava-se desocupado da tropa de infantaria. Foi feita restauração e adaptação no prédio de modo a servir de educandário e, como tal, o Colégio Nossa Senhora Auxiliadora muito serviço prestou à sociedade espírito-santense. O destino o bafejou, como prêmio à sua inteligência, perseverança e honestidade. Que grande capixaba é esse italiano extraordinário!
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NOTAS
[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)