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Carregadores de madeira

As dificuldades começaram no meio da mata. Não pensei que o terreno fosse tão inclinado. Os homens até que conseguiam se equilibrar melhor andando de um ponto para outro ao redor daquele estaleiro de madeiras serradas. Quanto a mim, ainda muito menino, minha experiência em andar por terrenos assim era pouca. Ia me segurando nas árvores para não rolar pela ribanceira e cair no córrego lá embaixo. Quando encontrei um melhor ponto de apoio perto do estaleiro, fui saudado com alguns murmúrios de aprovação pelos demais carregadores. Senti-me quase aprovado num teste a que certamente eles também haviam se submetido quando tinham minha idade. Passei a me sentir um quase participante do seleto grupo. A prova disso foi que me passaram uma corda para que a grande serra usada para cortar as toras de madeira não atrapalhasse a retirada das tábuas que ficavam na parte superior do estaleiro. Uma tarefa bastante fácil. Uma espécie de gesto de solidariedade dos profissionais para com aquele iniciante a quem não queriam embaraçar com uma tarefa mais complicada. Acho que cumpri bem minha missão e afinal ao segurar a corda evitava também o vexame de rolar pelo barranco e cair dentro do córrego. O passo seguinte era sair da mata com a carga de tábuas de cedro cujo cheiro bom era melhor do que qualquer outro por ali. Carros ou camionetas para o transporte nem em sonho. Toda a carga precisava ser levada mesmo no muque. Nunca na minha vida tinha ouvido tantos palavrões e isso era bom porque pensava que era uma boa maneira de participar, de crescer, porque em casa nunca eram ditos palavrões o que prolongava minha indesejável condição de criança. Mas ali, por enquanto, me limitava a ouvi-los e isso me dava uma sensação de liberdade parecida com aquela recém-descoberta possibilidade de cuspir no chão do bar como legítimo direito de alguém que chegou ao balcão com uma moeda de duzentos réis e comprou meia dúzia de rebuçados.

Enquanto carregavam as tábuas ladeira acima usando como única proteção sacos de estopa ao redor do pescoço, os homens continuavam a xingar e suavam como chaleiras de água fervendo.

De minha parte, a incumbência que me foi dada era relativamente leve. Carregava uma casca de tora de tamanho médio e que, segundo o capataz, seria usada para fazer porta-retratos. Mesmo assim o esforço já era muito grande para mim e eu estava muito cansado. Mas não dava o braço a torcer. Para esquecer do cansaço, procurava olhar a pedra do Galo de uma posição que me permitia constatar que ela era redonda. Nunca havia desconfiado disso olhando-a de minha casa. Para mim, a pedra do Galo era uma chapa de granito muito fina que servia de uma espécie de escudo de defesa para a vila. De onde estava, podia ver que a pedra escondia uma gordura desconhecida até então. A tal chapa fina, pura ilusão porque se apoiava nessa pedra matrona que vinha se esparramando até quase a estrada por onde íamos subindo.

— Vamos parar — disse o capataz.

Imediatamente todos jogaram as tábuas no chão e passaram a xingar ainda mais.

Logo em seguida, descobrimos um presente: no meio do pasto, um pé de mexerica muito carregado de frutos amarelos. Não era muito grande mas compensava sua pouca altura com a impressionante carga de frutos maduros. Também larguei minha carga de madeira e, como os outros, fui me enfiar debaixo da árvore que, de tão carregada, obrigava a nos arrastar debaixo dos galhos. Ajeitei-me o melhor que pude. Pegava as mexericas que batiam no meu rosto e acabava de chupar uma já pegava outra precisando apenas esticar o braço o mínimo possível. Perdi a conta das frutas que chupei. Tão gostosas que me virei para o companheiro mais próximo e disse um enorme palavrão.

O outro, adulto, surpreendeu-se um pouco com esta minha súbita adesão ao modo de falar dos homens. Mas, em seguida, com um sorriso, virou-se para mim e disse apenas: “É mesmo.”

[Transcrito da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, n. 52, 1999.]

[In Novas crônicas de Roberto Mazzini, da “Coleção Gráfica Espírito Santo de Crônicas”, em 2003.]

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Ivan Anacleto Lorenzoni Borgo é cronista e nasceu em Castelo, ES, em 21 de fevereiro de 1929. Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Espírito Santo (Ufes), com especialização em Economia pelo Conselho Nacional de Economia em convênio com o MEC. Foi professor da Ufes de 1961 a 1989 e diretor regional do Senai/ES de 1969 a 1990. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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