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Considerações sobre o folclore do Espírito Santo

Foto Guilherme Santos Neves.
Foto Guilherme Santos Neves.


I – Dia do folclore

O dia 22 de agosto foi declarado Dia do Folclore, no Brasil, conforme decreto n° 56.747, de 17 de agosto de 1965. A palavra folclore vem do inglês folk, que significa povo,e lore, que é o particípio passado antigo do verbo to learn — aprender, conhecer. A expressão foi criada pelo escritor William John Thoms, que, na revista Athenaeum, sugeriu a sua adoção em 22 de agosto de 1846, para definir certos estudos, de fundo popular, que já vinham sendo feitos em seu tempo. Assim, a palavra folclore refere-se à sabedoria popular e, de uma maneira geral, a tudo aquilo que o povo faz, cria e transmite pela tradição, mediante aprendizagem comum. No Espírito Santo, são manifestações folclóricas, por exemplo, as bandas de congo, as puxadas de mastro, as cantigas de roda, o ticumbi e o alardo, as receitas da medicina popular à base de ervas, as crendices e superstições, o jongo, as panelas de barro e outros produtos do nosso artesanato, etc.

II – Classificação das manifestações folclóricas

Os estudiosos do folclore costumam classificar as manifestações folclóricas em diferentes grupos. Uma dessas divisões, preconizada por Edson Carneiro e Vicente Sales, folcloristas brasileiros, considera que o folclore abrange: 1) crendices e superstições; 2) usos e costumes; 3) linguagem popular; 4) manifestações lúdicas; 5) artes e técnicas populares; 6) música; 7) literatura oral e 8) folclore infantil.

Outra classificação é a de Richard Dorson: 1) literatura oral, compreendendo contos, poesias, épicos, provérbios, adivinhas, linguagem popular; 2) usos e costumes, incluindo festas e celebrações, recreações e jogos, medicina popular, religião popular; 3) cultura material, referindo-se a artefatos, artesanato, arquitetura, roupas, culinária; 5) artes populares, abrangendo teatro popular, música, dança.

Como toda classificação, essas também têm por objetivo permitir agrupar, num mesmo campo de estudos e de conhecimentos, fatos que apresentem entre si uma certa identidade. As classificações são, caracteristicamente, de ordem conceitual. É nesse sentido que devem ser vistas as duas classificações aqui apresentadas.

Se fôssemos tomar por base a classificação proposta por Richard Dorson e aplicá-la ao folclore capixaba, poderíamos ilustrá-la da seguinte maneira:


1) literatura oral
a) contos: todos os que formam o acervo universal com presença no Espírito Santo, como, por exemplo, as chamadas Histórias da Carochinha; b) poesia: as trovinhas populares em louvor de Nossa Senhora da Penha; c) épicos: as falas da Marujada e do Alardo que, infelizmente, se perderam entre nós; d) provérbio: quem está na chuva é para se molhar; e) adivinha: “o que é o que é que cai em pé e corre deitado? – A chuva”; g) linguagem popular: a forma pela qual o povo se expressa em seus folguedos, como nas letras das toadas das bandas de congo.

2) usos e costumes
a) festas e celebrações: a festa de Nossa Senhora da Penha, em Vila Velha; a festa das canoas, em Marataízes: b) recreações e jogos: o jogo da bolinha de gude, o jogo de bocha, etc; c) medicina popular: todos os remédios que o povo faz da flora para a cura de suas doenças; d) religião popular: os atributos que o povo confere a santos e santas, aos quais se recorre em caso de necessidade, como a Santa Luzia, para tirar o cisco dos olhos, rezando a sua oração, enquanto se esfrega a pálpebra do olho afetado, dizendo: “Santa Luzia passou por aqui, com o seu cavalinho comendo capim…”


3) cultura material
a) artefato: o das panelas de barro, em Goiabeiras, Vitória; b) arquitetura: a construção de quiosques cobertos de palha; c) roupas: a indumentária dos participantes do Ticumbi, por exemplo; d) culinária: as receitas da torta capixaba e da nossa moqueca.

5) artes populares
a) teatro popular: o reis de boi, no sul do Estado; b) música: as toadas das bandas de congo; c) dança: a dança das pastorinhas, a dança das fitas etc.


III – Mitos e lendas do Espírito Santo

Em sua obra, Geografia dos Mitos Brasileiros (Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1976), Luís da Câmara Cascudo, o maior folclorista do Brasil, nascido no Rio Grande do Norte, registra que “os mitos do Espírito Santo são os de caráter geral, Lobisomem, Mulas, Boitatás, Curupira”. E lembra que não há menção ao Zumbi (negrinho ágil e nu como o saci), na região que se limita com a Bahia, mas sim na que se limita com o Estado do Rio de Janeiro, assim como o Saci-Pererê, ambos emigrados do sul para o norte. E ainda admite, o incomparável Cascudo, que o Zumbi, com raras estórias, deve ter vindo para o Espírito Santo por meio dos escravos do Rio de Janeiro porque só se faz notar nas proximidades dessa região (sul do Estado). O Zumbi aparece nos caminhos, pede fumo e atormenta quem não lhe satisfaz a vontade, dando assovios finos e longos para desnortear as pessoas. Nessas observações, Câmara Cascudo se refere, principalmente, aos mitos e lendas marcados pela presença das matas na vida do nosso homem rural e que remontam a um Espírito Santo indígena, de selvas ainda compactas. Mas há também, no imaginário capixaba, a presença das lendas de cunho religioso, como o fabulário que envolve o nome e a devoção de Nossa Senhora da Penha, padroeira do Espírito Santo, cuja festa congrega fiéis e romeiros que sobem o morro da Penha, em Vila Velha, para render homenagem à Virgem.


IV – Danças e folguedos capixabas

As danças e folguedos que compõem o patrimônio folclórico capixaba resultaram da contribuição inestimável das diferentes etnias que influíram em nossa formação histórica e cultural. É um patrimônio riquíssimo e variado que ainda sobrevive em vários pontos do Estado. Nesse patrimônio evidencia-se a influência lusitana, no alardo, na dança das fitas e nas folias de reis; dos africanos, no ticumbi, no jongo e nas bandas de congo, nas quais também se fez sentir, em traços sincréticos, a presença da contribuição indígena; dos colonos europeus, que povoaram o Espírito Santo como imigrantes, e trouxeram suas danças de coreografia vistosa, em que sobressaem os movimentos rápidos e a indumentária típica dos dançantes.

[Texto inédito reproduzido com autorização do autor]

Luiz Guilherme Santos Neves (autor) nasceu em Vitória, ES, em 24 de setembro de 1933, é filho de Guilherme Santos Neves e Marília de Almeida Neves. Professor, historiador, escritor, folclorista, membro do Instituto Histórico e da Cultural Espírito Santo, é também autor de várias obras de ficção, além de obras didáticas e paradidáticas sobre a História do Espírito Santo. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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