1.
Sob a sombra da mangueira,
um rato (de si empoeirado)
fuça o sumo solar da manga
largada, à sorte, ao chão.
O chão, entregue a sua generosidade,
acolhe a sombra, o rato, a manga,
e o pássaro, repentino na paisagem
desarmada, estranha. E fecunda.
2.
O rato, esquecido de si
à luz indócil do meio-dia,
não sente senão a bondade do fruto
suave sob seu escuso olhar corroído.
O que vê da manga ninguém saberia.
Colhe o fruto sem dar por isso,
mas lépido, ao som de passos,
retorna à ausência de luz.
3.
Filigranada em sombra,
a mangueira permanece,
como o chão, entregue
à ventura de seus frutos
à mão, à boca, à sombra.
4.
Do escuro cavado à sorte,
espreitam o rato e sua poeira,
inertes no cheiro acre
que só a sombra dócil,
o chão
e a manga
ignoram.
[Poema inédito reproduzido com autorização do autor.]
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Paulo Roberto Sodré, nascido em Vitória em 1962, é poeta, escritor, pesquisador e professor universitário de Literatura na Ufes, com vários livros e artigos publicados. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui.)