Foto: Gilson Soares, 2014. |
Absolutamente satisfeito com a proximidade do desenlace desta última amarra da viagem, não pretendia nada mais para aquela tarde montanhesa, que se apresentava lenta, vazia e muda, com formato – conformado – de hiato.
Foi com essa indolente expectativa que acomodei Dom Quixote e Sancho Pança na cabeceira da cama no hotelzinho que, com modéstia, me albergava e saí para mais um passeio, agora caminhando, pela cidade distraída.
A pretinha, eu a deixei descansando solitária no quintal do pequeno hotel.
Menos de cinquenta passos separavam esse meu dormidouro da praça principal de Montanha. Era só eu atravessar, meio de menesguei, se é que você me entende, a avenida em frente, pra bater de quina numa esquina da praça.
Ao meio desses menos de cinquenta passos eu divisei à distância um homem com um sorriso claro sob um chapéu de aba curta.
Gesticulando largamente com todos os seus braços, lá vinha o cara na minha direção.
Não tive dúvida: era Guilherme Moxuara que vinha ao meu encontro, depois de deixar à sua retaguarda, na calçada de um bar, um grupo às gargalhadas, em volta de uma mesa com algumas garrafas de cerveja.
O elétrico Brian Epstein do Grupo Moxuara, vinha vibrante e amistoso, como é de seu feitio, ao meu encontro.
Guilherme não estava ali em Montanha, sorridente, à margem daquela praça, com o seu indefectível chapéu curto, por acaso.
Eu sabia que ele estaria por perto naquele dia: afinal, o Epstein cariaciquense foi o produtor local da temporada capixaba do Sérgio Samba Sampaio e, certamente, o interlocutor da Secult/ES na preparação do roteiro de circulação do show pelo estado.
Só não pensava que iria encontrá-lo ali, logo nos primeiros passos daquela despretensiosa caminhada vespertina pela cidade impassível.
E, ainda mais, a serviço daquele grupo a quem ele agora me apresentava e ao qual, pude perceber imediatamente, ele atendia prestativo com a sua generosa inteligência e o habitual papel de anfitrião que gosta de desempenhar.
O grupo que ali estava com indisfarçada alegria, era toda a tripulação do Sérgio Samba Sampaio, com exceção do Chico Salles.
Surpreendido por uma afonia, no dia anterior, em plena vila augusta de Regência, onde o grupo esteve para participar do auge da festa de Centenário do Caboclo Bernardo, ficara, o Chico, me informavam, de molho no hotel.
Os outros saudáveis integrantes da tripulação, cumpridas as obrigações pessoais, de alimentação e hospedagem, e profissionais, de passagem de som no palco do Municipal, estavam todos ali francamente relaxados e sorridentes, em torno de algumas garrafas de cerveja, bem no início da curva de declínio de uma calma e clara tarde montanhesa.
A condução parlamentar do grupo a que me fora permitido aderir, estava entregue a Henrique Cazes.
Era esse grande músico brasileiro, o diretor musical do show Sérgio Samba Sampaio.
Mas não era só por isso que a presidência daquele parlamento etílico-sabático montanhês, estava entregue a Cazes.
Era, principalmente, porque naquele momento de total descontração e liberdade de agenda, não havia ninguém ali que pudesse, ou quisesse, fazer oposição parlamentar à presidência que ele assumira com incontestável hilaridade.
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Gilson Soares é poeta e nasceu em Ecoporanga, no extremo noroeste do Estado do Espírito Santo, em 10 de fevereiro de 1955. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)