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Depoimento de João Bonino Moreira ao Neples

Sou João Bonino Moreira. Nasci em Santa Teresa (ES) em 7 de julho de 1931, e desta data até 1949 residi em Vitória. Aqui fui desasnado e concluí o curso científico no Colégio Estadual. De fins de 1949 até 1968 morei no Rio de Janeiro, quando retornei a Vitória. Já regressei bancário e aqui me aposentei em 1983. Escrevi dois livros (A rainha que piava e O necrologista, contos) e um romance inacabado (O presidente nu). Outras miudezas me saíram da pena, das quais não tenho lembrança.

Não me considero escritor. Sou, antes, um ex-burocrata; jubilado, resolvi sair do ramerrão da linguagem institucional, iniciando fugaz excursão (ou incursão?) através da literatura e produzi textos ligeiros, principalmente contos e alguma coisa de humor. Prefiro, a propósito, a expressão “pequenas histórias”, melhor classificação para minhas aventuras em letra de forma. Na nobilíssima arte da literatura sou, pois, um bissexto: escrevo quando e se me dá vontade.

Quase todos os meus escritos têm como cenário a cidade de Vitória e como seus protagonistas meus companheiros dos ônibus, dos supermercados, dos bares, das repartições públicas, o povão, se assim posso dizer. Traço mentalmente a trama e a vou desenvolvendo, seguindo na prática uma espécie de roteiro cinematográfico; e, embora pareça estranho, não consigo evitar se encaminhe a história para um desfecho desconcertante. Escrevo, pois, como quem almoça bife com batatas fritas, sem saber da sobremesa. Aventurar-me fora dessa frugal dieta literária atirada aos meus raros leitores certamente os levaria a uma indigestão. Sigo o velho conselho de Apeles: “Ne sutor ultra crepidam.”

Apesar de muito de mim existir nas coisas por mim escritas, prefiro usar sempre a terceira pessoa, embora ache-a a mais difícil opção. A concessão feita ao leitor é a simplicidade do meu texto. Tivesse eu o azar de cair nas garras de um crítico, seria sem dúvida tachado de vulgar.

Sou um ledor compulsivo (quatro a cinco horas por dia) e, à exceção de Bandeira, raramente frequento a poesia. Dos escritores nacionais prefiro Machado, Lima Barreto, Cony e o magnífico memorialista Pedro Nava. Dos estrangeiros gosto muito de Eça, de Vonnegut, de George Orwell, de Anthony Burgess, de Alejo Carpentier, de Philip Roth, de Céline…

Posso, finalmente, afirmar ter passado a escrever por força de obrigação profissional. Logo no início da minha carreira como bancário, fui descoberto pelos mandões como “aquele rapaz com facilidade para redigir”. Tangido assim pelos chefes, inundei a praça com cartas, memorandos, ofícios, comunicados, circulares, pareceres etc. Produzi, dessa forma, dezenas de quilos de fria, anódina e monótona literatura. Eventualmente garatujava alguma crítica de cinema ou de livros, mas tudo eventualmente, sem disciplina nem obrigação, páginas levadas pelo tempo e pelo vento…

Aos iniciantes do nobre ofício de escritor, recomendo, com veemência: leiam, leiam, leiam. E, quando se julgarem escritores de fato, lembrem-se de Flaubert, de Dostoievski, de J.L. Borges, de Hemingway, de Faulkner… Eles também foram escritores!

[Agosto de 2000]

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João Bonino Moreira nasceu em Santa Teresa (ES) em 1931. Estudou em Vitória e, em 1949, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde permaneceu por vinte anos. Ele foi um dos talentos literários revelados pelo Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo no auge de seu investimento na publicação de obras de literatura. (Para obter mais informações sobre o autor clique aqui)

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