61, nasceu em Santo Antônio e mora há 40 anos na Praia do Suá. É pescador aposentado. (05.08.2005)
– Nada tenho a reclamar da Praia do Suá, em vista de outros lugares aqui é ótimo. Vitória é uma cidade bonita, limpa, sempre passa o caminhão de lixo. Tenho sorte. Sou diabético, sou do SUS e não reclamo da vida. Tem muita gente pior que eu. E sou sempre bem atendido nos hospitais porque também tenho amigos. Nada a reclamar. De vez enquanto volto a Santo Antônio. Lá no cemitério a primeira catacumba à direita é de minha família. Aqui na Praia de Suá tem mais espaço. Santo Antônio agora que melhorou por causa do aterro. Verdade também que aqui ganhou aterro. Progresso de um lado, prejuízo de outro. Porque se aterraram o mangue a gente perdeu espaço pra mariscar. Lá e aqui, deu em prejuízo. Aliás, Vitória toda sempre viveu de aterro. E eles acabam dando um jeitinho pra aterrar mais, com o que está sobrando. Até na ilha das Caieiras tem aterro, tinha muito mais mangue lá.
– A profissão de pescador já era. Aqui em Vitória e até mesmo fora daqui. A razão? Praticamente acabou o peixe. Quando eu pescava ia até os Abrolhos, ou na altura do rio Doce e o mar parecia uma cidade de tanta rede, tanto arrastão. Com tanto barco faltava controle, não tinha Ibama, não tinha nada. O peixe tá acabando. O pescador de Vitória quando saía trazia muito badejo, vermelho, tá acabando. Quando eu já estava parando cheguei a ir oitenta, cem horas pra encontrar pesqueiro, quase na ilha da Trindade. Vê que diferença. Antigamente eu ficava seis, oito dias no mar e trazia seiscentos, oitocentos quilos de badejo, daqui da Barra do Riacho. Agora você tem que ir aos Abrolhos e traz cento e oitenta, duzentos quilos, quando traz. O peixe que a gente come hoje é catado por aí. O capixaba sempre gostou de comer o vermelho, o badejo, o papa-terra, a garoupa. Agora se come muito bagulho.
– Nós já fomos uma capital de ótimos pescadores. Mas pescador só serve quando encontra o peixe. Se não tem peixe o pescador não vale nada. Aqui da terra você cata agora uns robalos besta, precisa de lua boa, tempo bom e se der o vento sudoeste os peixes fogem todos, o mar esfria. Nosso mar aqui também é difícil. Do rio Doce pra cima a água é mais parada e você pode colocar um prumo de trezentas gramas. Aqui você põe três de oitocentas gramas pra chegar ao fundo, o mar corre muito. Agora o peixe não tá caro, tá é difícil. O povo não come mais peixe, come é frango branco. A comida do pessoal agora é frango, arroz e feijão, e um ovo. Carne, só se morder a língua. Já vendi peroá a vinte centavos e agora tá seis reais. Peroá eu já matei setecentos quilos num dia; agora você não mata dois quilos. Diz o ditado que o peixe não acaba, mas diminui. Eu mesmo como peixe todo dia. Essa carne aí tá cheia de remédio, cheia de problema, esse frango tá todo ruim. E os mariscos também tá muito confiável não, o siri, o camarão.
– O pescador aqui não é muito organizado não. Vê o hospital? Tem mais de cinquenta anos e o pescador nunca teve direito. Só o presidente da colônia é que teve direito, direito ao aluguel. E o bairro que era dos pescadores melhorou pros bacanas. Construíram prédios, compraram as casas dos pescadores, pois eles não podiam mais viver aqui. Aumentou tudo e muito. A luz aqui é um absurdo. A água, como aumentou. Se não paga imposto você perde a casa. Virou bairro de rico. Os pescadores foram tudo pro lado da Serra. A procissão no mar que tinha mudou muito. Antigamente era no dia certo, 29 [de junho], agora tem que ser final de semana. Este ano mesmo o padre não quis emprestar a imagem de São Pedro. Tiveram que pegar emprestado fora. Não sei se são os políticos. Tem político que ajuda, outro não, é igual time de futebol, uns querem jogo, outros não. A festa junina saiu daqui, foi pro aterro, e a da igreja o padre não quer que venda cerveja. Que festa é essa?
– O problema aqui são os morros, e os assaltos vêm lá de cima. Tem muita gente de fora, baiana, mineira. A maior parte é baiana. Igual a Santo Antônio quando invadiram o morro do Martelo. Papai criava porco, pato, galinha, mas depois ficou difícil. É uma desgraça. O negócio aqui é o pó, a maconha, sempre puxando problema pra aqui na Praia do Suá. É o morro da Garrafa, do Pica-Pau Amarelo, de Nazaré, da Escelsa. Tem muita polícia não, passa de vez em quando porque na verdade não tem muita confusão não. Ladrão que aparece por aqui a gente escorraça, não dá colher de chá não.
– Aqui passa diversas linhas de ônibus, até atrapalha o trânsito. Temos os supermercados que vendem mais barato. Meus netos tão bem servidos de escola. Quem dera que todos os bairros fossem iguais à Praia do Suá. Você não vê confusão daqui na Gazeta. Você vê é nos morros de perto. A Praia do Suá ainda tá crescendo, mas Vitória em si não tem mais pra onde crescer. Vitória tá crescendo agora porque apareceu Camburi. Nunca aconteceu disso. Vitória era uma ilha, da ponte da Passagem pra lá não era Vitória. Agora todo mundo é capixaba, nunca vi disso, até quem nasce em Cariacica é capixaba.
– Isso aqui é bom demais. Capixaba que fala mal é porque não gosta de serviço, pra ele qualquer lugar não presta. Se o baiano e o mineiro chegam aqui e gostam, como é que pode? O pessoal de fora elogia mais aqui do que o próprio capixaba, porque também lá é pior, a Bahia é pior, Minas é pior, senão eles não vinham pra cá. Minas é triste e a Bahia é cheia de sujeira. Baiano gosta é de festa, de carnaval. Capixaba é mais quieto. Nessas festas você vê mais é gente de fora, baiano, mineiro. Na Praia do Suá você tá vendo mais baiano que capixaba. Sabe qual é o símbolo de Vitória? O Convento da Penha. O Carlos Gomes também é a cara de Vitória, a [praça] Costa Pereira. Nossa maior qualidade é a tranquilidade. O capixaba é caseiro. E o capixaba também é meio medroso, tem medo de arruaça, e quando engrossa o caldo ele racha fora. O nosso maior problema é a falta de espaço pra crescer, e o trânsito, que mata Vitória.
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