DIA DAS MÃES. DIA DA CRIAÇÃO
Quando eu era pequeno
via seu imenso rosto terno
debruçado sobre o meu
aberto como uma laranja.
Era o firmamento de que universo?
O de um aconchego metafísico
onde as estrelas cantavam
como na cosmogonia de Pitágoras.
Eu não era nada, apenas
um pedacinho de carne que queria leite
e era todo para minha mãe
e não sabia que era um pequeno rei.
Quando me lembro da senhora, mãe,
vejo assim como uma imensa Nossa Senhora,
o doce e protetor porto dos meus medos
e que continua me dando aconchego.
Há mais mistério na mãe que em todo o universo
porque a mãe é o próprio universo e mais que isso
ela é o leite do universo
e é por isso que existe a Via Láctea.
Mas disso a Senhora tira nenhum orgulho
sua humildade transcendental pode se comparar
à humildade da vaca diante do Bezerro
e não é por acaso se no Presépio
havia um boi e um burro.
A mãe não é a inteligência do Doutor.
A mãe é a inteligência do coração e da carne
e como um porvir aberto como uma Rosa aberta
e com o perfume evanescente dessa Rosa.
Mãe, estou aqui numa casa especializada
onde somos bem tratados, com amor,
mas o amor que você me deu
mas o amor que você me dá
tem um cheiro de eternidade
que, como tal, não acaba nunca.
O CAPS PARA VOCÊ REPRESENTA
Primeiro, o CAPS não tem o aspecto de um Hospital — de um espaço fechado sobre a nossa própria loucura. Porque a loucura é talvez um fechamento do espírito sobre si.
A única coisa que lembra o fechamento são as grades, lá embaixo.
Senão se trata de uma casa igual a muitas e não uma caserna de órgãos — como o hospital.
O espaço mais aconchegante é o quintal,
com as árvores
e sua força de vida
sua vontade de viver
junto a presença ontológica dos rochedos um contato como se o homem fosse mais forte que ele
o homem do quintal
o outro inteiro com a forma de um falo
antigas pedras de que sacrifício?
O sacrifício da razão
nos altares dos Deuses Naturais?
Faltam alguns Bichos
nossos velhos companheiros da Arca de Noé
já que estamos numa outra Barca,
companheiros — querendo ou não.
Irmãos querendo ou não
uma tripulação de Navelouca
cercada por oficiais (médico, psiquiatra,
psicólogo, psicanalista) que não mandam
na gente mas tentam amenizar a nossa
travessia
no mar das trevas
para encontrar, depois dessa odisséia,
a feliz Cidade, a cidade da Vitória,
o reencontro com a clarividência
com um pouco de razão
(o excesso de razão também é loucura)
e sobretudo reencontrar a faculdade
de poder se abrir
como uma flor para o Espírito Santo do Mundo,
se abrir para a alma do mundo
como a orquídea capixaba se abre
para o beija-flor.
Nós estamos aqui para aprender
a beijar as flores
[Textos escritos por Gilbert Chaudanne durante sua permanência no Centro de Ajuda Psicossocial da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Vitória, como participante “honorário” da oficina dirigida por Sérgio Blank, no ano de 2001. Reproduzidos com permissão do autor.]
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Gilbert Chaudanne é artista plástico e escritor. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)