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Duas cartas de Newton Braga

Positivamente, o Braguinha (conforme o apelidavam na intimidade) não era um assíduo epistológrafo. Não que ele encontrasse dificuldades em redigir. Escrevia como falava, primando pela espontaneidade. Nas laudas de papel de jornal, o mesmo papel preferido quando fazia jornalismo ou literatura, sua pena corria solta, letra miudinha, uniforme, sem emendas, no estilo leve e singelo, onde os termos rebuscados ou de efeito jamais apareciam. As poucas cartas que me endereçou e eu conservaria com o mesmo interesse e desvelo com que guardo os seus livros editados, e muitos dos seus originais manuscritos, para surpresa minha, estão reduzidas a duas, escritas há nove anos atrás.

A primeira, datada de 12 de julho, começa assim: “Vamos ver se limpo o cartaz: você escreve, visita, manda e traz livros e presentes — e nada de resposta deste galo velho. Você me conhece o bastante para saber que a preguiça não invalida o apreço em que o tenho.”

Após dar notícias da festa querida: “Tivemos um grande Dia de Cachoeiro, com mais gente ainda que nos anos anteriores”, e de falar da nossa família, conta um pouco de si: “Vamos ao velho: em fase de abstinência, mexendo com seu noticiário radiofônico e tomando coragem para extração total dos dentes. “Rabiscando pouco: umas notas para o Diário de Notícias, nada mais. Um pouco dessa matéria está para sair — com ilustrações de Carybé — sob o título Cidade do Interior, nos Cadernos de Cultura do Ministério da Educação, mas não sei quando.” Sairia três anos depois, isto é, em 1959, numa tiragem que rapidamente se esgotou. Embora a distribuição fosse gratuita, trabalho só de subir os elevadores do Ministério e apanhar os exemplares, ele autografou um número reduzido de livros, mais destinados a amigos, e assim a edição praticamente não chegou a Cachoeiro. Ele conta, num epigrama, que quando cogitou da “miúda e encabulada promoçãozinha de praxe”, uma funcionária do Ministério o informou, pelo telefone, de que o livro estava esgotado.

A segunda carta que guardo de Newton Braga, mais extensa, enchendo duas laudas, ele a datou de 30 de setembro de 56. Aproveitou uma tarde de domingo, em hora mais sossegada, para o afazer de dirigir a Rádio Cachoeiro. Mostra o entusiasmo pelo dinamismo da mulher: “Isabel sempre se fazendo quatro ou cinco. Está dirigindo o Jardim de Infância, com apetite mas pouca probabilidade de continuar, pelos choques contínuos e diz-que-diz que envenenam o trabalho. Nos intervalos ensaia a peça infantil Pluft, o fantasminha, que moças e rapazes (Edson inclusive) representarão agora em começo de outubro. Ela é quem dirige, faz cartazes, cenários e roupas. E sem cozinheira, há 6 ou 7 dias. Maratona italiana, como vê.” Referindo-se à sua pessoa, informa o “estrago” que o boticão de uma dentista lhe causara: “O velho, absolutamente desdentado, ainda aguarda confecção das duas dentaduras. E ainda por cima totalmente abstêmio, por decisão médica.”

Apreciando a minha mania pelas velharias capixabas, observa: “Iniciativa boa, a sua, de buscar cousas de nossa história: é bem pouco o que há sobre o assunto, como você está vendo.”

E comentando o meu achado: um álbum de fotografias, Indicador Ilustrado do Espírito Santo, publicado por Carlos Reis, em 1912, edição retida pelo governo estadual, em virtude dos absurdos do texto, que não diminuem o valor iconográfico do álbum, ele observa: “Duvido um pouco da eficiência (no sentido de número) da exposição de retratos no Dia de Cachoeiro: é festa de rua, com instantes mínimos para essas cousas de observação.”

Eu levantara a suposição da autoria de Mário Imperial, de uma quadra manuscrita sobre uma foto da rua Capitão Deslandes, em página do referido álbum, existente na Biblioteca Municipal de Petrópolis. Frente à casa de F. Simão Kfuri, olhando o cartaz que anunciava a estréia de uma companhia teatral — “Amanhã”: O Crime da Rua Carioca, um burro parecia interessado no espetáculo… A cena inspirou ao poeta que assim se expressou:

Tal o progresso da terra,
tal a sede de saber,
que o próprio burro não erra,
mostrando que sabe ler…

A tal quadrinha — esclareceu Newton Braga — “é de fato de Mário Imperial, que usou, na ocasião, o pseudônimo de MIMPER. O Elimário tem um postal autografado pelo pai.”

Nessa mesma carta, Newton, que sempre considerei meu professor de jornalismo, lembrou uma tarefa de envergadura, que está ainda por fazer, e transmitiu experiência na redação. “Que acha você de tentar uma história do Espírito Santo simples e fácil, para adoção em 4º. primário e 1º. de ginásio? Pense nisso, que haveria talvez possibilidade de adoção estadual ou, pelo menos, recomendação de financiamento de 1ª. edição. Eu lhe sugeriria, no caso de tentar, de você jogar a data de um fato estadual, sempre com relação com um nacional ou da história universal: assim: enquanto Napoleão era deportado para Santa Helena, etc. Facilitar a caracterização da data, sempre difícil para o estudante ou leitor.”

No final da carta, ele fala das suas leituras — denominador que em nossas palestras nos conduzia a longos bate-papos que somente sofriam interrupções maiores quando um parceiro de conversa chegava com assuntos de futebol: “Não tenho lido livro nenhum apresentável ultimamente, fora de O velho e o mar. Tenho é consumido um mundo de revistas de toda espécie”.

E termina: “Escreva, Levy amigo — que sou leitor dos melhores — e até respondo, afinal.”

[In Crônicas de Cachoeiro. Rio de Janeiro: Gelsa, 1966. Reprodução autorizada pela família.]

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Levy Rocha nasceu em 14 de merco de 1916, em São Felipe, então distrito de São João do Muqui. Graduado em Farmácia, residiu em Cachoeiro de Itapemirim e no Rio de Janeiro, interessando pela história de seu Estado natal. Publicou vários livros. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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