60 anos, jornalista, nascido em Barra de São Francisco, mora em Vitória desde 1963, sendo que atualmente em Bento Ferreira, mesmo bairro onde trabalha. (03.11.2008)
– Quando saí de Barra de São Francisco lá tinha uns seis mil habitantes e vim logo pra Vitória, pra estudar no Colégio Estadual e depois morar na [rua] Duque de Caxias e logo me apaixonei. Hoje o Centro acabou, é algo inóspito, desde que o comércio principal saiu de lá. Mas minha opção por Vitória é válida, desde quando tive a oportunidade de sair daqui e acho que escolhi bem, não me arrependo: uma cidade de porte médio com muitas oportunidades. Aqui se conhece todo mundo, não se estressa tanto, a vida é mais tranquila. E hoje a cidade está melhor. O desenho geográfico é fantástico. Gosto mesmo é de morar e trabalhar ao lado da praia, praticamente.
– Vou muito à praia, principalmente à Curva da Jurema. O capixaba não frequenta muito suas praias porque elas são sujas; Camburi não existe. A poluição aqui é a maior tragédia, o maior desrespeito; o pó de minério é a nossa maior ameaça, mais que a insegurança, por exemplo, que é cíclica, depende de fatores econômicos ou de gestão, enquanto o pó de minério é constante e crescente. Particularmente nunca presenciei nenhum ato de violência nas ruas e nunca fui assaltado, apesar de saber das más notícias.
– Verdade que hoje já não se encontra as pessoas conhecidas nas ruas como antigamente. Não vejo muito turista também não. Na verdade quem sai mais são os jovens, que têm em torno de 25 anos. Acho Vitória uma cidade bastante cara. O lazer aqui é mais natural; há pouca coisa pra se fazer, em todos os níveis.
– O capixaba é a maior síntese do brasileiro. Ele tem influência de Minas Gerais, muito do Rio de Janeiro e do nordeste. O capixaba não tem nem sotaque, parece que é o único que fala certo. O capixaba come mal, a comida dele é basicamente a mineira, uma comida gordurosa. Aqui se come pouco peixe, não se come frutos do mar. Você vai na Praia do Suá, um bairro de pescadores, o que existe lá são restaurantes com churrasco, as ruas ficam todas enfumaçadas, um absurdo. Nos bares só se vende carne de boi, de porco, não tem um tira-gosto vindo mar, é um fumacê danado. E quando se come peixe tem-se que pagar um preço absurdo. Faz sentido pagar 35 reais por um peroá? Pode-se comer uma moqueca por quase 150 reais? Um cara desses tem que ser preso. O que faz um peixe custar tão caro pra duas pessoas? Em Vitória ninguém come lagosta, polvo, pargo, um pampo… Aqui se come peroá. O resto é caríssimo e quem pode pagar não aprecia. Moramos numa ilha que não se come peixe.
– Vitória é mal cuidada, o casario antigo está caindo, no Centro, na Vila Rubim, você só vê coisa nova, uma arquitetura horrível. Agora, é uma cidade limpa sim, e daí? Ela é bonita pela natureza. Só puxando uma comparação: o Pelourinho de Salvador. Onde você encontraria um lugar preservado assim em Vitória, uma capital tão antiga? E o capixaba não conhece sua própria história, que deveria ser mais divulgada, você tem que pesquisar, procurar pra saber alguma coisa. A história não chega ao grande público. No Brasil, quando se fala em Vitória, logo associam a Vitória da Conquista, na Bahia. Só Guarapari é conhecida como sendo do Espírito Santo.
– Eu acho o Convento da Penha a verdadeira cara de Vitória. Agora, entre a Praça do Papa e o Iate Clube é o local que mais me agrada na cidade, aquela orla, os navios passando, é o que mais me encanta. Nas ruas de Vitória agora você só vê pessoas estressadas pelo trabalho. Você vê isso na cara delas. Antigamente, você caminhava pelo Centro de Vitória, você passeava pelas ruas, via lojas e pessoas. Hoje, esse footing, você só vê em Campo Grande, na rua Expedito Garcia. Em Vitória só sobrou bate-papo no Centro da Praia [Shopping], que reúne os capixabas, e em alguns bares ou mesmo padarias. Shopping não é lugar de reunir ninguém, shopping é lugar de consumo. Vitória perdeu sua identidade, sua característica, quando perdeu o Centro da cidade. Se eu pudesse fazer algo pra melhorar Vitória seria revitalizar o Centro, cultural e comercialmente. Acho que o estacionamento deveria ser gratuito.
– Vitória aplaude o Rio de Janeiro. O carnaval, o futebol, tudo é mais carioca que capixaba. É ótima essa idéia de antecipar o carnaval em uma semana pra se aproveitar o carnaval carioca. Nosso futebol é Vasco, Flamengo, Botafogo, está a uma hora daqui, ele é mais forte. Vitória é um bairro cultural do Rio. Vitória rejeita Bahia e Minas, aplaude o Rio de Janeiro. O que acabou com Vitória foi acabar com o Centro. O que temos agora? Praia do Canto? Não existe. Falta criatividade por parte de quem está no comando da cidade pras coisas melhorarem. Agora somos uma cidade de negócios, o turismo de negócios cresceu muito nos últimos dez anos. Mas não tem nada pra oferecer pro visitante, além da natureza e que nem praia tem. Vitória ainda tem que crescer.
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