57 anos, baiano, viveu e trabalhou em São Paulo; mora há 20 anos em Vitória, onde é professor de História na UFES, mas mora há 15 em Vila Velha. (26.05.2008)
– Eu morava de aluguel em Vitória, mas consegui adquirir um apartamento em Vila Velha, Itaparica. Nos primeiros cinco anos fiquei em Vitória, onde trabalho até hoje. Sempre usei carro, mas tenho usado ônibus agora. A gente só não pode usar nos horários de pico, senão complica. Pro carro também. Aliás, o maior problema de Vitória é o trânsito. Se não tomarem providências a coisa vai complicar. Por isso eu sou a favor do metrô de superfície. É uma alternativa razoável. Pode ser cara, mas é o único jeito. E já estou pensando em largar o carro. Eu tinha um colega, o Miguel Deps, que era professor também. Ele tinha um táxi que o servia sempre. E como dirige mal o capixaba. Tem essa pesquisa do Roberto da Matta encomendada pelo Detran em que ele confirma o que a gente vê: o motorista sempre acha que ele é que está certo, os outros não. É padrão brasileiro. Quando comete algum erro ele sempre justifica esse erro.
– O capixaba em si é solidário, já presenciei atos de solidariedade em público, em casos de acidentes de trânsito. Eu acho que o capixaba é aberto. Eu gosto do jeito do capixaba. Ele é receptivo. Eu antes de vir pra cá morava em São Paulo, uma cidade muito fria, os paulistas são muito distantes. Muito educados, mas distantes. O que me surpreendeu quando cheguei aqui foi essa facilidade do capixaba tem de fazer relacionamento. Agora, o paulista é mais amigo, faz amizade e a casa é sempre aberta. Já o capixaba é mais arredio quanto a frequentar as suas casas. O capixaba é fácil de relacionamento, mas nos ambientes públicos, nas ruas, no trabalho, e é assim que eu gosto. E aí você vê que é difícil fazer amigo em Vitória, frequentar casa, e nesse caso eu sou meio capixaba, meio arredio, gosto mesmo de relacionamentos mais passageiros, efêmeros, do que essas coisas muito aprofundadas, gosto mais de um relacionamento light, vamos dizer assim, que não crie muito compromisso, porque sou meio cigano, me acostumei assim a esse tipo de vida…
– O capixaba não come muito diferente dos outros brasileiros. Aqui se come muito churrasco, que já é uma tradição aqui, porque temos praia e as praias favorecem muito os churrascos, dia de domingo então… Afinal temos carne em abundância. Come-se também muito peixe, marisco, apesar do pescado estar muito caro, lamentável isso. Quanto à bebida típica daqui é a cerveja, sobretudo muito gelada, afinal o clima aqui é quente.
– O povo da ilha é muito misturado, desde a época colonial há muita mistura, negros, índios, depois os italianos, alemães. Por aqui vejo mais mistura do que em muitos outros estados e procede haver uma população de descendentes de italianos em número bastante alto, também muitos árabes, libaneses.
– Um problema em Vitória é você se locomover pela cidade, as referências são os estabelecimentos e as pessoas não indicam direito os locais, coisa típica de cidade pequena. Ontem mesmo tive que localizar um número na Reta da Penha e as pessoas perguntavam: é perto de onde? Não há um conhecimento da numeração. A cidade deveria ser melhor sinalizada.
– Acho que o esporte da cidade é o futebol, o capixaba é boleiro. Pena que os times daqui não sejam mais populares como eram antigamente. Acho inclusive que grande parte da invisibilidade dos capixabas, no âmbito nacional, se deve muito por não ter times competitivos. Tem o caso do Marquinhos Capixaba que jogou nos principais times brasileiros e que carregou esse nome, Capixaba. E também quando cheguei aqui há uns 20 anos, havia muito [mais] espaço público pra prática do futebol do que existe hoje. E é uma injustiça, pois o capixaba é bom de bola. A cidade está ficando carente desses espaços.
– Por aqui a maior festa popular é a Festa da Penha. Aliás, o Convento da Penha é a maior referência da identidade de Vitória, do Espírito Santo. Por isso que essa distinção entre Vitória e Vila Velha gera certos equívocos. A principal avenida de Vitória chama-se Reta da Penha. O convento é tanto de Vila Velha quanto nosso. Ele é a maior referência de Vitória.
– Pra mim a cara de Vitória é o Centro da cidade, o palácio do governo, uma construção que sobreviveu, bem como a igrejinha de Santa Luzia, que é a origem mesmo de Vitória, a praça Costa Pereira, o Teatro Glória. Eu gosto muito de passear no Centro de Vitória.
– O vitoriense não conhece sua história, lamentavelmente. O poder público tem que ter a iniciativa de promover esse conhecimento. Como os brasileiros em geral, até mesmo no que se refere à sua auto-estima, que é um povo de baixa estima. O brasileiro só enche sua bola mesmo no futebol. Ele não se acha muito sério. A frase de De Gaulle, que o país não é muito sério, é divulgada pelo próprio povo, mas que tem seu mérito, essa auto-compreensão: não permite sermos um povo arrogante, orgulhoso, pretensioso. Aqui também tem essa coisa de não se valorizar, não sermos capazes, como no resto do Brasil. Mas a timidez do capixaba tem a ver com sua história.
– A cidade de Vitória tem um bom aspecto, bem limpinha, mas infelizmente, devido à situação da região metropolitana, recebe todos os problemas das cidades vizinhas, principalmente na área da saúde. Tudo despeja em Vitória. E tem também o impacto da Petrobras, com uma sede no meio da cidade. A cidade tem que parar um pouco seu crescimento.
– Não há turismo por aqui por causa da invisibilidade da cidade. Tenho um amigo que não mora aqui que disse que Vitória não tem praia, por isso ele não vem aqui. Turismo aqui é de negócios. Aqui tem pouca oferta de cultura, ela é incipiente, mas não inexistente. Encontram-se bons restaurantes e uma vida noturna razoável. Há uma expectativa que haja uma expansão no serviço de cultura e que a cidade se torne uma capital cultural. E Vitória sempre foi uma cidade aberta, como o foi quando recebeu influências na década de 60, como ocorreu com a bossa nova; é vantagem dela, não é uma cidade fechada, isolada. Torna a cidade mais cosmopolita, com um potencial de atração de pessoas de fora chegarem aqui e se sentirem à vontade.
– Acho que o ensino fundamental por aqui é bem melhor do que em outras cidades. E tem a expansão de muitas faculdades particulares. A turma que está entrando na universidade e que está lá é um importante componente de nossa vida cultural, não prestamos atenção neles ainda. Não são alienados – a nossa universidade é que não tem estado à altura de fazer um processo de ressocialização dessa turma. Quando as faculdades estavam no Centro eles eram mais integrados com a vida da cidade. Eu notei que a FAFI, a Faculdade de Direito, de Odontologia da década de 50, 60, teve papel mais positivo na cultura local do que a universidade viria a ter depois.
– Acho Vitória uma cidade muito bonita. Aliás, me deixa lembrar o seguinte: eu tenho impressão às vezes que eu gosto dela mais do que os vitorienses. E muita gente de fora tem essa opinião minha. A opinião dessa gente de fora é melhor do que a da gente daqui. Não sei explicar. Talvez essa mania de falar mal do que é seu. E o capixaba tem a característica de conhecer pouco os outros lugares. É o que eu digo à minha turma na universidade: pra conhecer bem o Brasil tem que conhecer outros paises. O mesmo se aplica à cidade. O capixaba sai pouco da cidade.
– Vitória é uma cidade feminina e acho que proporcionalmente é uma das cidades com maior número de mulheres bonitas. Costumo até brincar: as feias ficam em casa, com vergonha. Vitória tem que se valorizar e se abrir pra mundo. A cidade pode voltar-se mais pra si mesma, reconhecer sua identidade, seu patrimônio cultural e histórico e se abrir mais pro mundo, que vem desde o século XIX quando em 1882 a cidade abriu seu porto e isso é simbólico, quando chegou aqui o primeiro navio e a cidade comemorou bastante. Vitória é uma cidade portuária que indica uma disposição pra abertura. Hoje você tem que colocar o local no global.
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