Entrevistado: Eliomar Zanetti dos Santos
Grupo ao qual pertence: Praia da Costa
Entrevistador: Fernanda de Souza
Data da entrevista: 22/01/2014
Local / data de nascimento: nascido em 1960
Casado, 2 filhos.
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Meu pai era pescador e eu segui a mesma carreira dele. Saí do colégio e segui a carreira de pescador. Desde pequeno acompanhava meu pai. A partir de três anos de idade ele me trazia para a praia. Ele ia pescar e eu ficava na praia com os colegas jogando bola.
Com sete anos eu já pescava com ele. Eu morava em Aribiri, depois fui para Glória e hoje moro em Santos Dumont, depois do Ibes, Vila Velha.
Estudei até a 6ª série, depois sai do colégio e não voltei mais.
Tenho mais quatro irmãos e duas irmãs. Eles vinham para a praia só como banhistas. Depois, outro irmão, com idade de 10 anos, começou a pescar.
Minha mãe era do lar e o meu pai era pescador e faleceu com 73 anos. Ele era funcionário público, porém era pescador para complementar a renda, porque ele ganhava pouco no estado. Ele foi pescador até aos 59 anos mais ou menos, depois ele adoeceu e não pescou mais. Meus avós, nem por parte de pai e de mãe, não eram pescadores. Não sei como meu pai veio parar na pesca, mas acho que foi por influência de alguém e entrou na pesca. Como era uma forma de ajudar, como meio de vida, ele ficou nisso.
Toda a minha vida em vim aqui, até mesmo quando eu estudava. Às vezes estudava pela manhã, vinha à praia de tarde, pescava de tarde. Às vezes estudava de tarde, pescava pela manhã, chegava em casa, tomava banho e de tarde ia para o colégio.
Já fui empregado por dois anos. Trabalhei na Rádio Capixaba de 1980 a 1982. Trabalhei seis meses em serraria e trabalhei uns cinco meses em um escritório em Vitória. De 1981 até hoje só trabalhei na pesca.
Sou casado e tenho dois filhos, um tem 12 anos e o outro vai fazer 31 anos. Meus filhos não trabalham com pesca. O menor estuda e o outro saiu do serviço semana passada e , enquanto não arruma outro emprego, está dando uma […] só para quebrar o galho, só para não ficar parado, mas ele trabalha, tem profissão. Minha esposa é do lar e não tem envolvimento com a pesca. Só trabalha em casa e às vezes ajuda a vender o peixe que eu levo para casa.
[Como era a pesca nos anos anteriores e como é hoje?]
Antigamente aqui era rico de peixe, agora acabou, não existe nem mais peixe. Tinha várias espécies de peixes. Chegava a época dos peixes, qualquer peixe da época dava muito. Hoje não tem mais.
Cada época tinha uma qualidade de peixe: no verão dava chicharro, dava muita manjuba, muita pescadinha, muito peixe espada. Hoje em dia não dá, dá um peixe fora de época, o peixe galo, baiacu sumiu. Esse ano passado não teve baiacu na nossa costa aqui. De maio em diante, até setembro, outubro, nós pegávamos muito. Esse ano não teve. Está-se acabando, em extinção.
[Qual a sua rotina como pescador?]
Meu horário de acordar ultimamente é entre 0:30h e 1:30h, no máximo. Vou para casa agora e só vou dormir por volta das 19h, acordo entre 0:30h e 1:30h e venho para a praia. Esta noite mesmo acordei às 0:20h. Às 0:35h o café já estava pronto para vir para a praia. Às vezes vou dormir às 19, 20, 21h, depende.
Agora vou sair para conseguir uma isca. Chego em casa, às vezes, 15, 16h. Vou colocar no gelo, quando vou desocupar mesmo já passam das 18h. Até tomar banho e jantar, dá 20h. Às vezes não durmo nem três horas. Levanto e venho para a praia para poder pescar. Trago uma garrafinha de café para levar para o mar, ajeito as coisas aqui e vou para o mar. Saio de casa por volta da 1h da manhã. Hoje saímos de casa a 1:10h. Gasto da minha casa até aqui 25 minutos de bicicleta e chego aqui na praia por volta de 1:40h. Venho para a praia de bicicleta todos os dias.
Às vezes paro no posto para comprar gasolina. Ajeito as coisas e antes de sair tem que lavar a embarcação. Tem uns banhistas na área que inventam de entrar na embarcação e fazem sujeira. Então, a gente joga água para deixar a batera limpa.
[Quais são os procedimentos que o senhor faz antes de entrar no mar?]
Eu pesco de anzol, de linha. Não tenho rede. Primeiro tenho que colocar os materiais na embarcação. Depois coloco a embarcação na água e faço a oração tradicional, que tem que fazer e pedir para o moço lá em cima ajudar a gente.
Saindo daqui 2, 2:30h da manhã […] Eu cheguei aqui hoje 9h horas da manhã. Às vezes a gente não tem hora para voltar, tem hora para ir. Às vezes não acha peixe e tem que procurar. Então chega 1h da tarde, 1:20h e ainda tem gente pescando, gente que saiu de madrugada e ainda está na manchinha verde. Apesar de que o cara que está pescando é aposentado, está porque […] não precisa disso, mas está pescando porque não achou peixe cedo está tentando para não vir batendo carroceria vazia.
[Descreva o processo da pesca de anzol]
Eu só pesco no anzol, não tem vara, é na linha de mão, e os instrumentos que eu uso são: linha, chumbo (tem que botar o chumbo para ir ao chão), a isca cortadinha para colocar no anzol, botar para o fundo e esperar o peixe bater. Agora você aporta. Aporta que a gente fala é uma âncora no fundo para segurar a embarcação. Se não acha peixe tem que puxar a âncora, sair e ir para outro lugar. Se não achar lá, puxa e vai para outro. E assim sucessivamente, você vai procurando até encontrar. Tem dia que não encontra e vem de lá com 1kg, 0,5kg de peixe. É muito difícil.
Eu uso linha de mão e, como isca, normalmente uso tainha e sardinha. É muito difícil usar camarão. Tem anzóis de vários tamanhos. A linha varia a espessura dela. Tem 0.70, 0.80. A gente pesca com 0.90 para cima, 100, 120, uns pescam com 140.
[Descreva o processo da pesca de linha de mão]
A gente arreia (a linha) para o fundo. Eu jogo duas linhas. No caso eu sento aqui e arreio uma linha de cada lado e o outro que senta ali, faz a mesma coisa. Às vezes, vêm dois peixes porque a gente coloca dois anzóis. A maioria é um, porque o peixe cata a linha mesmo. Nessa semana o dia que matamos mais foi hoje. Matamos 22kg de peixe, foi o dia que mais matamos porque não tem dado mais de 10, 12,15kg, não tem dado mais do que isso.
No mês de janeiro só deu pescadinha, não deu outro peixe, é o peixe que nós estamos pescando porque é o peixe da época.
[Qual é a rotina quando volta do mar?]
Quando desembarco, guardo o material e espero comprador. Se a gente não vender aqui a gente leva para casa para vender em casa. Oferece a um, oferece a outro. Às vezes, quando a gente pega uma quantidade a mais a gente passa para arrematar, para o atravessador. O nosso peixe é mais difícil passar. O atravessador não dá valor ao trabalho da gente. O atravessador é o peixeiro que vende por fora, compra da mão da gente para vender por fora, para revender.
[Como é acondicionado o peixe que é pescado?]
Colocamos em uma caixa de isopor no barco para não pegar a quentura. Coloca um gelinho para não pegar muita quentura e não chegar peixe muito amassado aqui. Se ficar na quentura logo poca [estoura] a barriga. Todos os peixes, se as vísceras deles pegarem sol, logo pocam a barriga, e aí já viu.
Quando chegamos (na praia) começamos a limpeza do peixe.
[A que horas começam a ter clientes para compra?]
Depende da hora que a gente chega. Tem dia que se vende tudo, tem dia que vende 1, 2 k aqui, e aí tem que levar todo o peixe para casa. O peixe já está limpinho e oferece a um e outro.
[A que horas vocês chegam aqui na praia?]
Em média chego à praia por voltas da 9, 10h, mas não tem um horário para chegar, para voltar. Para sair a gente tem hora, para voltar não tem hora. Pode ser mais cedo ou mais tarde.
[Quanto tempo o senhor fica aqui na praia para vender?]
Hoje mesmo eu cheguei às 9h e estou aqui na praia até agora. Pegamos poucos peixes e tem ali, mais ou menos uns 3 a 4kg de peixe ainda para vender. O que eu não vendo aqui eu levo para vender em casa. Esse transporte eu faço na bicicleta. Tenho a bicicleta cargueira e tenho a normal. Hoje eu vim com meu menino, eu vim de carro com ele, coloco dentro da caixa e levo para casa. Meu transporte normal é bicicleta.
Vendo os peixes no meu bairro. Ofereço a um e outro. Às vezes chegam lá em casa pessoas que sabem que vendo peixe fresco. Se eu não vender tudo no mesmo dia, guardo no freezer e vou vendendo no decorrer dos dias. Minha esposa ajuda na venda quando saio de casa.
[Vocês consomem muito peixe?]
Minha esposa só come cação ou baiacu por causa da espinha. Eu como mais do que ela. Na minha casa é pouco consumo de peixe porque só eu que como, e o peixe que ela come eu não gosto, que é o cação e o baiacu. É pouco consumo, mas a gente come peixe. O cação que eu não pego eu compro para ela comer.
[Há quanto tempo o senhor pesca aqui na Praia da Costa?]
Eu pesco aqui há 33 anos, comecei aqui em 1981, mas já pesquei na Prainha de Vila Velha, em Abrolhos, mas poucas vezes, meu ponto fixo é aqui. Eu pago a colônia desde 1981, vai completar 34 anos agora em dezembro.
[Quais são as lembranças que o senhor tem da Praia da Costa, dos outros pontos de pesca, de pescadores?]
Apesar da minha pouca idade que eu tenho, quando eu cheguei aqui, não tinha moradia nenhuma. Só tinha uma casa onde tem aquele pinheiro, aquele prédio e aquele bar ali. Tinha outra casa lá em baixo, mas eram pouquíssimas. Cheguei aqui era só mato. Eu né! Meu pai então, quando chegou aqui, não tinha quase nada mesmo. Depois foi crescendo. Só tinha um ônibus para ir e voltar. A estrada era de barro. Hoje está tudo tomado de casas e prédios.
[O senhor já teve algum acidente no mar?]
Já, por três vezes emborquei lá fora no mar. Uma vez torci o tornozelo na subida da pedra para eu me salvar, mas às pressas, porque a onda ia estourar em cima de mim, aí eu pisei no buraco e torci o tornozelo, depois o rapaz foi me pegar em cima da pedra. Mas já emborcamos três vezes no mar, eu e meu irmão, duas. Eu e um rapaz que mataram há pouco tempo emborcamos outra vez ali. Todas as três vezes precisamos de ajuda para sair de lá. Um rapaz passou com um barco que ia para Meaípe, lá para as bandas de Guarapari, e fizemos sinal. Nós estávamos em cima da ilha porque conseguimos nadar até a ilha. Ele salvou a gente e nos trouxe para terra. Da outra vez foi um barco a motor pequeno que estava próximo que nos trouxe para terra.
[Como e porque isso acontece?]
Não é vacilo da gente, porque a gente sabe que quando não tem condições de sair a gente não sai. Foi fatalidade mesmo, normal. Onde a gente estava de repente a onda subiu, quebrou e emborcou o barco, não tem a ver com o mar agitado, a gente não passa em cima de baixo. Quando a gente vê, quando a gente pesca, a gente vê do lado da […] Quando o mar está muito agitado a gente não pesca porque sabemos que é perigoso. Foi acidente normal, não foi por descuido, a gente não abusa. Quando a gente vê que o mar está agitado, quando está com muito vento, a gente não sai. Tem alguns aí que saem. Mas nós, eu e meu irmão, não saímos quando o mar está agitado, com muita ventania.
[O senhor pesca todos os dias?]
Eu pesco todos os dias. Só não pesco quando está chovendo muito ou quando tem muito vento, aí eu não saio. Frio não é comigo, não sou pinguim.
[Como o senhor conhece se o mar está bom?]
A gente vê. Quando vê que dá para sair, a gente sabe. Se começar a virar […] se estiver lá fora e o tempo não ficar bom, a gente volta para terra.
[Como foi esse período do final do ano de 2013?]
Com as chuvas que deram no final do ano de 2013 ficamos sem pescar. Lá em casa ficou tudo alagado, tudo cheio, a casa ficou toda cheia de água. Ficamos muitos dias sem pescar e depois começou a descer água doce, do rio, na boca da barra, e aí é que não dá peixe mesmo. Ficamos um bocado de tempo sem pescar.
Graças a Deus meu irmão e minha irmã me ajudaram, mas ficou meio complicado. Nem sempre a gente pode ficar na espera do irmão para poder ajudar, eu pelo menos acho que incomoda. A gente fica querendo trabalhar, mas a pessoa está sabendo que não está trabalhando porque não tem condições, mas eu não gosto disso, eu gosto de eu mesmo correr atrás.
[Por quanto tempo o senhor ainda pretende pescar?]
Eu já estou querendo correr atrás de aposentadoria, mas dizem que antes de 60 anos não se aposenta. Uns dizem que pescador são 25 anos, outros dizem que tem que fazer 60 anos de idade, mas eu vou correr atrás. Depois que eu me aposentar eu vou continuar pescando. Porque se eu me aposentar por tempo normal de serviço […] Só não vou continuar pescando se por acaso, Deus me livre e guarde, se eu me aposentar por invalidez, aí eu não vou pescar, mas se eu me aposentar por tempo normal de serviço e se eu puder, eu vou continuar pescando.