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E.S.R., dentista

42 anos, dentista, nascida em Vitória, mudou-se com a família para João Neiva, onde morou por 14 anos. Retornou para Vitória onde estudou e casou-se, tendo duas filhas. Mora em Jardim Camburi e trabalha no bairro Consolação. (14.07.2004)

– Na minha profissão já foi mais difícil conseguir material de trabalho… Muita coisa especializada, importada, e só mesmo de uns dois anos pra cá que a coisa tá funcionando mais, tá mais fácil. E às vezes as compras saíam erradas e era mais difícil reclamar. Hoje mesmo as pessoas estão procurando mais os seus direitos em todos os sentidos. Procon, juizado de pequenas causas, ouço muita gente comentar que tem conseguido bons resultados, tem a internet, o 0800…

– Bem, a boca do capixaba tá péssima, tende até a piorar. Tô fazendo 20 anos de formada, trabalho com a perícia do estado, no Jerônimo Monteiro [instituto de previdência de servidores estaduais], atendia muita, muita gente… O governo hoje não está tendo interesse em manter os convênios, acha que é uma assistência diferenciada, como se fosse um privilégio, teria que ser particular. E isso, engraçado, interfere na assistência como um todo em relação aos capixabas. Veja bem, a cidade tem muitos professores, muitos funcionários públicos, a polícia militar, etc., e seus familiares, entendeu? A tendência é piorar, infelizmente, a população tá mais sofrida. Não sei dizer quantos são, mas é muita gente. O governo acha que o povo tem que procurar o SUS. Você acredita que atende? Duvido. É muito difícil. Se você pergunta se o capixaba tá ficando banguela, tá, isso tá, e cada vez mais. Os postos de saúde do município atendem, mas não dá pra segurar. Eu vejo minha secretária doméstica, ela leva a filha, ela mesma, ela reclama muito, tem que pegar ficha, é difícil, é difícil… O dinheiro tá faltando pra todo mundo. Caiu a parte dos convênios e tá caindo a parte do atendimento particular, tem muito consultório reclamando. E as pessoas têm medo de entrar num consultório. Tem colega que até cobra pra fazer orçamento e dá medo primeiro do orçamento, fora o medo de dentista. Vai demorar a coisa ficar acessível pra população, eu acho.

– Quanto a essa coisa de segurança na cidade, a gente sempre tem medo, sempre tá trabalhando de porta gradeada, mas eu tenho mais medo de sair do prédio aqui em Consolação. Nunca vi nada, mas tenho medo. Tenho colegas que já foram assaltadas dentro de ônibus. Tenho medo é de andar de ônibus. Tenho medo mesmo. Quando entro dentro de um ônibus, seguro minhas coisinhas nos meus braços, fico olhando as pessoas que entram, tenho mais medo do que andar de carro. Não me sinto protegida nas ruas. Tenho medo da polícia também.

– Vou a supermercado só se tiver um bom estacionamento, mas só pro básico. Não tenho freezer, só geladeira, e são cinco adultos, sempre tenho que comprar coisa fresca. Não peço nada pelo telefone. As meninas que pedem pizza. O capixaba fala muito de moqueca, né? Mas ele gosta muito de pizza, eu acho, um churrasquinho. O que tem de trailer, de restaurantes, barzinhos servindo churrasquinho, galetos, carne na chapa, são muitos; moqueca acho que é mais propaganda. A carne rende mais porque na verdade o peixe é caro, peixe é muito caro. A família prefere churrascaria. Eu gosto muito de peixe. Peixe só na propaganda. No verão, peixe frito, na beira da praia. Peroá. Sempre o capixaba tá preferindo a peroá, a pescadinha, peixe frito. Moqueca não, é muito caro.

– Não vejo muito turista não. Verdade que eu sou de sair pouco à noite. À noite, só pra ir ao cinema, gosto de cinema. Final de semana, saímos de Vitória. Ninguém gosta de ficar por aqui. É Santa Teresa, Barra do Saí, João Neiva, família. E essa coisa de ficar na rua, se falando. Falo por mim. Sou muito reservada, sou de ficar em casa. Tô em Jardim Camburi há seis anos. Até o ano passado havia alguma mobilização na rua, festa junina, reunião pra tratar de problemas do bairro, mas houve algum problema entre vizinhos, a coisa morreu. Tem muita festa junina. Tem a caminhada dos homens na Festa da Penha. Tem a cara de Vitória, é bem tradicional, não?

– Vejo muita prostituta nas ruas, principalmente em Camburi. Engraçado que vejo muito é garoto, muito rapaz de programa. Tem gente que reclama muito, fazem ponto embaixo dos prédios, mas ninguém toma providência. O capixaba não liga muito pra essas coisas não.

– Tem mais é preconceito racial. Tem o preconceito sim, mas disfarçado, né? Como vou explicar? Eu penso politicamente correto, certo? Vou basear mais em mim. A gente tenta fazer o politicamente correto, mas no fundo, no fundo, é outra coisa. Você fala uma coisa, mas pensa outra. A coisa é mais com o negro, japonês, estrangeiro não. É um sentimento assim, como estivesse abaixo de você, uma inferioridade, é… sentimento de superioridade. Não sou só eu não. As pessoas são assim. Falam uma coisa, pensam outra. Tenho filhas… sabe, tá vendo só, oh Deus, é um pecado falar um negócio desses… eu não gostaria que elas se relacionassem com um negro. Eu acho que ia dificultar a vida delas, você sabe, é a sociedade, eu tenho medo, lá no fundo, como vou tratar essa pessoa, você sabe, são coisas que a gente nem admite. Meu pai tem muito preconceito. Ele sempre falou, e a gente cresce escutando aquilo também… Meu pai, se você olhar meu pai… você diz que ele é negro. Meu pai é um moreno, bem moreno, cabelo crespo e a mãe dele é italiana, aquela branquela de olhos claros, mas o meu avô era baiano, mulato, e ele discrimina mesmo, fala, reclama, põe defeito e se alguma coisa dá errado ele fala “olha a cor, só podia ser…” a gente cresce assim, ouvindo essas coisas. Em Vitória tem muito negro, mas eu acho que tem mais branco, mesmo na periferia.

– Eu gosto muito de Vitória, do movimento, gosto do trânsito, gosto de ver gente, mesmo que eu não tenha que me aproximar delas, aí é outra coisa… Gosto do barulho da rua, de saber que tenho supermercado aberto até meia-noite, eu gosto desse conforto que a cidade dá. Gosto de cinema à noite. Sabia que a gente tem até sessão da meia-noite? Coisa moderna. E eu não sou muito exigente. Mas aí, pra lazer, final de semana, dou tchau pra Vitória, quero a família, amigos.

– Gostaria que o povo daqui fosse mais educado, gostasse mais da cidade. Gostaria muito que as pessoas não jogassem lixo na rua. Todos deveriam tratar bem de sua cidade. A cidade é suja, o povo é sujo, joga papel pela janela do carro, é horrível. Cobro até do meu marido. Se puder ele joga uma latinha no meio da rua. Não tenho coragem de fazer isso. E tem a poluição no ar, poeira na casa da gente, mas eu gosto de Vitória.

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