Parte I
Nos quatrocentos anos de existência do Espírito Santo a história da Educação pode ser dividida em períodos ou fases razoavelmente diversas, mas que tiveram como liame uma carência contínua de escolas, recursos financeiros e humanos.
Nos primeiros duzentos anos, desde a chegada dos colonizadores em 1535, o ensino ficou exclusivamente a cargo dos religiosos, especialmente dos Jesuítas, o que pode ser sempre comprovado pelos relatos oficiais onde constam que o governo de Portugal nunca designou verbas para despesas educacionais. Era de praxe que a Educação ficasse sob a responsabilidade dos eclesiásticos.
No Espírito Santo, a primeira referência sobre Educação data de 1551, quando o Jesuíta Padre Afonso Braz iniciou a construção do que seria a primeira e única escola da região. Esta escola, denominada Colégio de. Santiago, junto com a Igreja de São Maurício forma hoje o prédio do Palácio do Governo ou Palácio Anchieta. O Padre Afonso Braz, iniciador da obra, pouco demorou-se em Vitória, e o grande realizador e continuador dessa obra foi seu substituto, o Padre Braz Lourenço.
Inicialmente — até 1556 — o Colégio de Santiago teve o nome de Colégio do Menino Jesus do Espírito Santo, mas alterado por ordem do Superior dos Jesuítas, Padre Manuel da Nóbrega, substituiu-o uma escola de ler, escrever e contar, e somente após 1654 a instituição se tornaria oficialmente o Colégio de Santiago.
Foi este Colégio, sem dúvida, o único a atender à rarefeita população do Espírito Santo durante 200 anos, além de servir também como escola para formação de futuros padres jesuítas.
Sabe-se que em 1571 há havia cerca de 40 meninos a freqüentar a escola. A Companhia de Jesus ainda possuía duas grandes casas religiosas, uma em Nova Almeida, na Igreja dos Reis Magos, e outra na atual Anchieta, na Igreja de Nossa Senhora da Assunção, que além de servirem como centros de catequeses aos indígenas e de locais para estudos de línguas nativas, pelos futuros jesuítas, eventualmente atendiam às necessidades de educação de uns poucos brancos.
O correto é que unicamente os jesuítas foram os nossos educadores, desde 1551 até a expulsão deles, em 1759, de todos os domínios de Portugal, no reinado de Dom José I, por decisão do poderoso ministro Marquês de Pombal. Percebe-se claramente que uma das “razões ocultas” do Marquês de Pombal, para expulsar os Jesuítas, foi a de que eles estavam difundindo muito o ensino nas colônias portuguesas, especialmente no Brasil. Isto colocava em perigo a dominação colonial portuguesa, pois a educação do povo iria propiciar o aparecimento de idéias de democracia na população, o que era tido como altamente subversivo.
Foi pelo Alvará Real, de 3 de setembro de 1759, que D. José I ordenou a expulso da Companhia de Jesus de todo o seu reino, sendo que no Espírito Santo a lei se efetivou quando, em dezembro seguinte, todos os padres jesuítas foram deportados. Com isso terminou a primeira fase da história da Educação. O Colégio Santiago foi fechado, sua biblioteca em parte queimada, os indígenas já catequizados voltaram à floresta e o Espírito Santo ficou por mais de 10 anos sem ter escola.
Esta ausência de escolas foi motivo de constantes reclamações da população e da Câmara ao Governo Português, mas somente em 1771, uma Provisão Régia, mandou ao Governo Colonial que instalasse uma cadeira de “Gramática Latina” em Vitória. Foi este o primeiro curso público de instituição secundária no Espírito Santo.
Iniciou-se uma nova fase histórica da Educação do Estado. O Marquês de Pombal, forçado pelas constantes reclamações procurou suprir a falta de ensino elaborando uma política educacional baseada no que se chamou de “Escolas Régias”. Estas “Escolas Régias” seriam mantidas por um novo imposto lançado que foi denominado “subsídio literário” e consistia na cobrança, pelas Câmaras Municipais, de um real por cada libra de carne e de dez réis por cada canada de aguardente vendida, conforme a resolução de 1772. Entretanto essa política educacional muito pouco repercutiu no Espírito Santo, pois o rendimento do imposto “subsídio literário” não era suficiente para manter o ensino.
A Corte Portuguesa ordenou imediatamente a abertura de aulas públicas em Vitória, São Mateus, Itapemirim, Benevente (Anchieta), Vila Velha e Nova Almeida, mas a falta de recursos impediu que isto se efetivasse. Com certeza, apenas Vitória teve abertas aulas pela “Escola Régia”.
E interessante observar que o Governo Português, assim procedendo, não assumiu o ônus da educação, que ficou sobre a população. Importante lembrar que a esta altura, um professor de Gramática Latina ganhava trezentos mil réis por ano, e o de Ler e Escrever, cento e vinte mil réis anuais, enquanto a arrecadação do “subsídio literário”, que financiaria a educação, só conseguia atingir cifras anuais entre duzentos e quatrocentos mil réis.
Isto impossibilitava a expansão da educação, preconizada pela reforma do Marquês de Pombal a implantar-se no Espírito Santo. A falta de escolas, e o conseqüente desinteresse da população tornou.se tal que, em 1793, a Câmara de.Vitória pretendeu punir os pais que não se interessassem pela educação dos filhos. Mas a falta de onde aprender a língua portuguesa levou a população a usar com muito maior freqüência a língua indígena, mesmo em Vitória, o que provocou outra determinação da Câmara de Vitória em 1795, punindo com prisão àqueles que não falassem português.
A ausência de escolas, desde a expulsão dos jesuítas, foi o fator determinante para este baixo nível sócio-cultural. Nesta nova fase da História da Educação, com a criação de Escolas Régias, o primeiro a ocupar uma escola pública foi o professor Domingos Fernandes Barbosa Pita Rocha, que pouco demorou no lugar, sendo substituído pelo Padre Marcelino Ribeiro, que lecionou Gramática Latina por longos anos. Ao findar do século XVIII havia no Espírito Santo apenas dois professores públicos: o referido Padre Marcelino e José das Neves Xavier, na cadeira de Ler e Escrever, ambos na capital. Documentos da época reclamavam a falta de mais escolas e mestres, especialmente um de fIlosofia.
Quanto ao ensino superior, somente Coimbra, em Portugal, atendia aos poucos o interessados. Entre 1772 e 1800, apenas dois espírito-santenses cursaram a referida Universidade. Eram eles José Pinto Ribeiro, que bacharelou-se em Matemática (1776) e em Direito (1777), sendo depois Ouvidor do Espírito Santo, e João Ramos dos Santos Pinto, bacharel também em Direito (1790). Ao findar o período colonial, e esta segunda fase da História da Educação no Estado, tem-se a certeza de que apenas Vitória possuía escolas. Havia urna Aula Régia de Latim e uma de Primeiras letras. O ensino primário compunha-se de apenas três professores para atender a toda a população do Espírito Santo. Há informação de que o governador Francisco Alberto Rubim (1812 a 1819), criou diversas “Aulas” em Vitória e no interior, mas não se tem notícia do real funcionamento delas. A reforma educacional patrocinada pelo Marquês de Pombal foi desalentadora para os brasileiros e não supriu o ensino dos antigos Jesuítas.
Finda a dependência política brasileira a Portugal, uma nova fase história se apresenta, também para a Educação. Com a posse do primeiro Presidente da Província do Espírito Santo, Inácio de Acioli de Vasconcelos tem-se a informação de que a Educação estava em abandono, principalmente por falta de bons professores e do pagamento de seus ordenados, além de serem estes muito módicos. Inseria neste contexto uma economia continuamente deficitária.
Mas, acompanhando o restante do Brasil, resolveu-se implantar uma reforma tida como salvadora de nossa educação, com método Lencastriano ou Método de Ensino Mútuo. Nesta nova metodologia os exercícios eram cadenciados e em ordem disciplinar, onde cada grupo de alunos, formando uma “decúria”, tinha um aluno menos ignorante, “decurião”, que dirigia os outros, o que quase dispensava o professor. Com este método, um professor poderia atender a até 500 alunos sozinho. Era uma forma de ensino quase militar. Mas esta “grande novidade de ensino” para nós, já era conhecida na Europa há cerca de 300 anos.
Contudo, no dia 14 de setembro de 1824, em uma sala do antigo colégio dos Jesuítas, hoje Palácio Anchieta, em Vitória, foi oficialmente instalada pelo presidente da Província, Acioli de Vasconcelos, uma escola pública masculina, tendo como professor o sargento José Joaquim de Almeida Ribeiro, e que ensinava pelo novo Método Lencastriano. A escola atenderia a todos, inclusive alunos do interior.
Mas, ao que parece, esse método Lencastriano não agradou muito, e as outras escolas, ou “aulas”, como usavam dizer, mantiveram o método tradicional. Assim, em 1827, o Espírito Santo possuía em todo o seu território cinco professores de Primeiras Letras, sendo dois em Vitória. Além destes havia na capital uma aula de Gramática Latina, com 13 alunos, com turma pela manhã e pela tarde.
Durante o governo do Presidente Acioli de Vasconcelos, houve um bom desenvolvimento do ensino, tanto que, em 1829 o Espírito Santo passou a ter 16 estabelecimentos, sendo oito públicos. As oito escolas particulares eram todas de Primeiras Letras, enquanto que as públicas eram divididas em: uma de Latim e sete de Primeiras Letras.
Essas escolas estavam assim localizadas:
Vitória — Aulas públicas: uma de Latim, uma de Primeiras Letras pelo método Lencastriano, com 27 alunos, e uma outra, também de Primeiras Letras, pelo método tradicional, com 140 estudantes. Aulas particulares: uma de Primeiras Letras, pelo método tradicional e com 15 alunos.
Serra — Havia urna aula particular de Primeiras Letras, com 27 alunos.
São Mateus — Havia uma aula pública, de Primeiras Letras, fechada e uma particular também de Primeiras Letras com 18 alunos e usando o método tradicional.
Nova Almeida — Havia uma aula pública, de Primeiras Letras, mas fechada porque o professor cometera um crime e outra particular , com 13 alunos.
Vila Velha — Havia apenas uma aula pública, de Primeiras Letras, com 22 alunos.
Guarapari — Havia urna aula pública de Primeiras Letras sem professor e outra particular com 19 alunos.
Muquiçaba — Havia uma aula particular de Primeiras Letras com 12 alunos.
Anchieta — Havia uma aula pública de Primeiras Letras, fechada e outra particular, com 12 alunos.
Itapemirim — Uma aula particular de Primeiras Letras, com 10 alunos.
Este era o precário serviço de Educação no Espírito Santo. Somente Vitória possuía um atendimento razoável. Sabe-se que, no ano de 1830, havia na capital 197 estudantes em “aulas públicas”, divididos em 25 na aula de Latim, 30 na Escola do Método Lencastriano e 142 na Escola de Ensino Tradicional.
No período regencial, pelo Ato Adicional de 1834, o Poder Legislativo Provincial passou também a legislar sobre a Educação e foram constantes as reclamações contra a deficiência do Ensino. Em quase todas as prestações de contas do Presidente da Província aparece esta questão.
A terceira fase história da Educação no Espírito Santo que se iniciou com a independência e que apresentou como grande novidade o Método Lencastriano ou de Ensino Mútuo terminou ao iniciar o Segundo Império (1840). Em 1840 já não mais funcionava o Ensino mútuo e voltou-se exclusivamente para o ensino tradicional. O Presidente da Província informou que suspendera o Ensino Mútuo ou Lencastriano “enquanto se não atinar com meios mais adequados para firmar este método no Brasil e torná-lo eficaz. Não sei porque fatalidade esta planta exótica, de que se tem colhido máximas vantagens no outro hemisfério, tenha deixado de prosperar em solo como o nosso, tão fecundo em elementos que informam a vida científica”.
Parte II
No início do Segundo Império, o ensino no Espírito Santo abandonou definitivamente o Método de Ensino Mútuo, ou Lencastriano e voltou-se ao Método Tradicional.
Na década de 1840, o ensino público compunha-se de cerca de 13 escolas de Primeiras Letras e duas de Gramática Latina, sendo uma em Vitória e outra em São Mateus. Pela lei de 1842 foi criada em Vitória uma escola de Meninas.
A deficiência da educação no Espírito Santo era reconhecida por todos. Havia falta de escolas e de professores. Aliás, o Barão de Itapemirim, em 1853, justificou esta situação pela “pobreza do pessoal e a insignificância dos ordenados com que são gratificados os professores públicos — obstáculos permanentes aos melhoramentos deste tão importante ramo da administração provincial.” Nesta época havia apenas 736 alunos de Primeiras Letras e 27 de Gramática Latina.
Um ofício do presidente da Província, em 1854, lamentava que o ensino estivesse tão atrasado, e atribuía o problema ao fato de serem os professores homens sem instrução, que não se ocupavam exclusivamente do magistério, porquanto eram mal remunerados e tinham de obter outras rendas, em outros trabalhos, para sobreviverem.
Houve nesta época um novo e interessante esforço no sentido de promover o ensino e a educação no Espírito Santo. Poucas eram as escolas e o número de alunos. Seus totais atingiam a 27 de Primeiras Letras para meninos, com 798 alunos, e uma outra feminina com 32 alunas. O ensino “secundário” restringia-se a “aula” de Gramática Latina, em Vitória, com 37 alunos, e outra na Serra. Havia sido criada outra em Benevente (Anchieta), mas que não funcionava.
Todas as escolas de Primeiras Letras públicas estavam regularmente em funcionamento, exceto a de Piúma e a de Jacaraípe, que estavam sem professor.
Mas o resultado do esforço foi efetivado a 25 de abril de 1854, com a instalação do Liceu de Vitória. Esta foi a primeira grande escola do Espírito Santo e tinha a intenção de equiparar-se às melhores academias do Brasil. O currículo escolar do Liceu da Vitória compunha-se de Filosofia Racional e Moral, Retórica, Latim, Francês, Geografia, História, Geometria, Aritmética e Música. Já no ano seguinte, 1855, foram aprovados três estudantes em Filosofia, três em Aritmética e Geometria, um em Francês e oito em Latim. Havia no Liceu da Vitória 61 estudantes e foi este o início da implantação real do ensino secundário no Espírito Santo.
Entretanto o interior continuava em difícil situação. Os colonos imigrantes, especialmente os de origem alemã, exigiam educação para seus filhos, tendo já solicitado ao governo que mantivesse uma “aula” de alemão na escola de Santa Isabel, em 1859, e mostravam resistência ao aprendizado do Português. O presidente da Província, Pedro Leão Veloso, negou prontamente a solicitação e opinou que o único meio de levar as crianças à escola seria tornar obrigatório o ensino e incluir o ensino da Língua Portuguesa.
Ainda este presidente da Província informou que a educação no Espírito Santo, em 1860, estava distribuída da seguinte forma: O ensino primário era ministrado em 21 “aulas” de primeira classe e em 19 “aulas” de segunda classe, sempre masculinas, e com 861 alunos. Para o sexo feminino havia apenas três “aulas” distribuídas em Vitória, São Mateus e Itapemirim, com 14 alunas.
O ensino secundário, com 49 alunos, era desenvolvido pelo liceu da Vitória e com três “aulas” de Gramática Latina, distribuídas por São Mateus, Serra e Itapemirim. Habitualmente estas últimas não tinham alunos devido ao desinteresse, por sinal compreensível, pela disciplina. Reconhecia o presidente Pedro Leão Veloso a falta de professores habilitados, mas certificava ser impossível à economia da Província manter uma Escola Normal objetivando sua quantidade e qualidade.
Pelo diário de viagem do Imperador Pedro II, em 1860, ao Espírito Santo, denota-se a precariedade das escolas, do ensino e da habilitação dos professores. O imperador fez severas críticas às muitas escolas que visitou e onde sabatinou mestres e alunos.
Nesta época, oficialmente já se admitia que a imensa evasão escolar era provocada por condições sócio-econômicas, pois a grande maioria das crianças pobres abandonava a escola para ajudar os pais no trabalho, especialmente em épocas de colheita.
Foi no governo do presidente Costa Pereira (1861 a 1863) que se procurou diminuir os problemas educacionais. Segundo o próprio presidente da Província as principais causas da difícil situação da educação eram: a grande extensão do território, a falta de estradas, a pobreza da população, a dificuldade do aluno em se estabelecer perto de uma escola, a ignorância e os preconceitos da população que não dava valor à instrução, a necessidade do trabalho das crianças nas lavouras, a falta de inspeção nas escolas, os baixos salários dos professores e a falta de pagamento destes.
Ordenou o então presidente Costa Pereira que se reformasse a inspeção, criando cinco inspetores de distrito, que recebiam 300 mil réis por ano, e inspetores paroquiais em cada freguesia da Província do Espírito Santo. A atuação desta Inspeção e a ameaça de que os menores ausentes às escolas, por culpa de seus protetores ou tutores, pudessem ser enviados pelo Juiz de Órfãos para a Companhia de Aprendizes-Marinheiros, atingiu seus objetivos, segundo o governante.
Ao término de seu mandato havia 48 “aulas” de Ensino Primário, sendo 45 para o sexo masculino e três para meninas. Destas 48 “aulas” ou escolas “somente” seis estavam fechadas. O número de alunos totalizava 1.040, sendo 987 masculinos e 53 femininos. Havia ainda na Província do Espírito Santo quatro escolas do Ensino Primário, regidas por particulares, sendo três para meninos e uma para meninas. Quanto ao ensino secundário, era ministrado pelo Liceu da Vitória, com 33 alunos e por aulas de Latim em São Mateus, Serra e Benevente com 19 alunos no total.
O Espírito Santo, com cerca de 40.000 habitantes, possuía apenas 52 pessoas frequentando o ensino secundário e todas do sexo masculino. Somente em 1869 criou-se o Colégio Nossa Senhora da Penha, em Vitória, para ministrar este ensino às meninas. Neste mesmo ano o Liceu da Vitória passou a denominar-se Colégio do Espírito Santo, e em 1873 transformou-se no tradicional “Ateneu Provincial” que por muitos anos foi o principal estabelecimento de ensino do Espírito Santo.
Segundo informações do diretor geral da Instrução Pública, Dionísio Álvaro Rosendo, em 1872, havia no Espírito Santo 50 escolas do Ensino Primário para o sexo masculino e 14 para o sexo feminino. Interessante notar que o ensino para meninos era dividido em de primeira classe (23 aulas), com 747 alunos, e de segunda classe (27 aulas), com 398 alunos, fato que não acontecia com as escolas femininas, que eram sempre classe única e totalizavam 234 alunas.
Havia ainda três escolas de Ensino Primário, particulares, fora de Vitória: eram situadas duas em Cachoeiro de Itapemirim e uma em São Mateus. Estas escolas atendiam apenas ao sexo masculino com alunos internos e externos.
Em Vitória continuava a haver dois colégios, anteriormente citados, ministrando o ensino secundário, com internos e externos e cada um atendendo a sexos diferentes.
Mas a grande novidade em educação no Espírito Santo foi a criação neste ano de aulas noturnas para adultos. A primeira aula noturna foi instalada em abril, pelo professor José Francisco de Lellis Horta, com 33 alunos, e que nada recebia pelo trabalho. Em maio seguinte, o Professor Dr. Manoel Goulart de Souza instalou outra “aula” noturna, dedicada exclusivamente a francês.
A grande aspiração dos estudiosos de Vitória nesta época era a formação de uma biblioteca, no que resultou na iniciativa, em 1873, da Sociedade Beneficente União e Progresso de Vitória, que além da biblioteca popular, com 1200 volumes, inaugurou um liceu de Humanidades, inteiramente gratuito e com cerca de 90 alunos. Seu diretor era o engenheiro Miguel Maria de Noronha Feital. Esta instituição deu origem à Escola Normal do Espírito Santo.
Ainda nesta época criou-se em Vitória a Delegacia Especial da Instrução Pública que tinha o objetivo de realizar exames preparatórios dos candidatos a cursos superiores do Império. Estes exames foram realizados pela primeira vez em novembro de 1875, sob a responsabilidade do major Joaquim Gomes Neto.
De grande prestígio era o Colégio Cachoeirense, de D. Joana Paula das Dores, em Cachoeiro de Itapemirim e que durante décadas prestou serviços à comunidade.
Ao final do Império, contava o Espírito Santo com mais de 100 professores de ensino primário e presidente da Província Inglês de Souza, em 1882, preocupado em reformar o ensino trouxe a Vitória o professor Antônio da Silva Jardim, da Escola Normal de Santos, São Paulo, que fez uma série de conferências sobre um novo método de ensino denominado “Método João de Deus” ou “Cartilha Maternal”. Entretanto esta iniciativa não teve maior repercussão.
Vitória continuava a ser atendida pelos dois colégios secundários tradicionais: o Ateneu Provincial, com 74 alunos, e o Colégio Nossa Senhora da Penha, com 28 alunos. O currículo escolar era o seguinte:
Ateneu Provincial — Língua Nacional, Literatura, Retórica, Pedagogia, Latim, Inglês, Francês, Geografia, História, Álgebra, Geometria e Filosofia.
Colégio N. S. da Penha — Língua Nacional, Pedagogia, Aritmética, Francês, Prendas Domésticas, Geografia e História.
A rede escolar pública compunha-se, em 1886, de 103 escolas primárias, com 2.160 alunos e 625 alunas matriculados, enquanto a rede particular atendia a 345, totalizando 3.130 estudantes para uma população geral de cerca de 110.000 habitantes. O orçamento do Espírito Santo no ano da proclamação da República apresentava uma receita de 830.000$000 réis e uma despesa de 783.884$000 réis. Fora consignado 121.160$000 para o ensino e 100.000$000 para obras públicas.
Interessante para caracterizar a educação deste período era a disciplina rigorosa e os castigos violentos aos infratores. Aplicava-se a palmatória (castigo que consistia em bater com régua na palma das mãos dos alunos), o que impedia os alunos de escrever por algum tempo. Beliscões e bordoadas aos que não usavam a pena corretamente ou que não mantinham posição do corpo correta no assento eram rotina. Ainda usava-se o incrível “polvo”, que compunha-se de um chicote de tiras de couro, com pontas metálicas, que era aplicado no traseiro dos alunos após serem curvados em banco especial.
Com o advento da República pouco ou quase nada se alterou na educação do Espírito Santo. Inicialmente, apenas o primeiro presidente do Estado, Afonso Cláudio, procedeu, em 1890, a uma reorganização da Instrução Pública. Regulamentou ele o tempo para acesso, a preferência dos professores com comprovação de habilitação, melhores salários, distribuição de livros e declarou vagas as cadeiras primárias interinas, que passaram a ser preenchidas após o professor atender a algumas exigências legais.
Já no governo Muniz Freire, em 1892, alterou-se o ensino secundário, com a substituição do Ateneu Provincial e do Colégio Nossa Senhora da Penha pelas Escolas Normais, com cursos masculino e feminino. O curso masculino preparava o aluno para ingressar em curso superior e tinha a duração de cinco anos. O curso feminino, com quatro anos, formava apenas professoras. Foi Henrique Alves de Cerqueira Lima o primeiro a dirigir as “Escolas Normais”.
Com a posse do primeiro bispo diocesano, D. João Batista Nery, tentou-se, em 1897, criar o Ateneu Diocesano que funcionou por pouco tempo e ainda neste final de século os professores Aristides Freire e Antônio Aguirre criaram o Ateneu Santos Pinto (1898).
De grande importância e conseqüência para a Educação no Espírito Santo foi a abertura do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, no Carmo, em 1900, e que prestou relevantes serviços por várias décadas.
Outras escolas surgiram, como o Colégio Diocesano, em Cachoeiro de Itapemirim, fundado por D. Fernando Monteiro no de 1905. O que se passou no final do século XIX e no início do século XX foi a repetida abertura de colégios que procuravam se afirmar. A pressão social intensa foi o principal agente para esta contínua, mas ainda escassa oferta educacional.
No governo do Coronel Henrique Coutinho (1904 a 1908) esboçou-se uma nova didática educacional com a reorganização da Escola Normal, a instituição do Ginásio Espírito-santense e a abertura de novas escolas primárias no interior. Mas a grande reforma e modernização educacional só se efetivou no governo seguinte e assim findou-se uma fase da história da educação caracterizada por uma metodologia ortodoxa e se iniciou um novo período com largas conseqüências para a Educação.
A grande transformação e reforma do ensino no Espírito Santo foi promovida no governo Jerônimo Monteiro, pelo professor Carlos Alberto Gomes Cardin, que veio de São Paulo com este objetivo. Em resultado, criou-se o Departamento de Ensino ficando a ele subordinados os serviços referentes ao “ensino primário, secundário, profissionalizante e secundário propriamente dito”. No elenco das principais medidas tomadas pela reforma Gomes Cardin tem-se: a reorganização da educação primária e secundária, a uniformização dos programas escolares, a criação da Escola Complementar, a criação do cargo de inspetor escolar ambulante, a reorganização da Escola Normal, a fundação da Escola Modelo, o ensino profissional a cargo da Escola Normal, introdução de um programa de noções de agricultura, o ensino secundário propriamente dito, a criação do Ginásio Espírito-santense, o Ginásio Espírito-santense foi equiparado ao Ginásio Nacional, tornou-se obrigatório o ensino de Português, Educação Cívica, Geografia e História do Brasil, o ensino primário obrigatório dos 7 aos 12 anos, os maiores de 12 anos teriam ensino noturno, foram construídas diversas escolas isoladas, criou-se o Grupo Escolar Gomes Cardin, além de escolas noturnas.
Ao lado de todas essas medidas foi realizado um “Congresso Pedagógico”, com a participação dos professores públicos e que tinha por objetivo despertar no magistério novas técnicas e maior gosto pela missão de ensinar.
Mas devido aos pesados encargos financeiros com a Educação, o Estado reuniu-se com os governantes municipais com o objetivo de auxilio mútuo. Em resultado ficou decidido que cada município participaria 15 por cento das despesas em seu território.
Ainda nesta ocasião, construiu-se uma série de prédios escolares que ainda hoje prestam serviços com uma arquitetura característica da época, onde a influência francesa clássica se fazia sentir. Entre estes prédios ressaltam-se: o Grupo Escolar de Cachoeiro de Itapemirim, de São Mateus e de Santa Leopoldina, a Escola Normal e o Grupo Escolar Gomes Cardin.
Um problema constante era o de regiões de colonização especialmente alemã, onde as crianças também não sabiam falar Português, possuíam professores estrangeiros, se diziam estrangeiros e conseqüentemente recusavam-se a cantar o Hino Nacional e a canção “Sou Brasileiro”.
A filosofia básica da “Reforma Gomes Cardin” se resumia nesta sua expressão: “A cultura geral é a razão de ser das escolas primárias, comum a todos e assim também dos estabelecimentos de ensino secundário, onde a mocidade se dedica ao estudo de humanidades que resumem, por assim dizer, os elementos essenciais da educação.” Como complementação e reforço desta filosofia o presidente de Estado Jerônimo Monteiro disse aos deputados: “Não posso deixar de pedir que proporcioneis ao executivo meios de exigir que em todos os colégios públicos e particulares se ensinem, de modo especial e preferencial a qualquer outra disciplina a língua, a história e a corografia do país. Deste modo, poderemos evitar o triste espetáculo que ainda hoje assistimos…”
De imediato este foi o resultado da reforma:
1908 – Número de escolas: 125; alunos: 2.740.
1912 – Número de escolas: 271; alunos: 7.340.
A Educação voltou a ser alvo de interesse no governo Nestor Gomes (1920 a 1924), quando a então Diretoria de Ensino foi elevada à condição de Secretaria da Instrução Pública. Com o bom preço do café, nosso principal produto, teve o Espírito Santo condições de ampliar, no Governo Florentino Avidos (1924-1928), a rede escolar. Era secretário da Instrução Pública o Professor Mirabeau da Rocha Pimentel, que procurou atualizar o ensino com novas metodologias e ampliando sua abrangência. Ao findar este governo, das 392 escolas públicas encontradas, o número chegou a 593, para 13.900 e 21.500 alunos respectivamente.
Subsequentemente assumiu a Secretaria o Dr. Atílio Vivacqua, que empreendeu uma reforma visando introduzir no Espírito Santo os métodos da Escola Ativa. Procurou-se aperfeiçoar a didática e estimular o magistério, mas os resultados não foram atingidos com a mesma proporção do esforço reformista. Logicamente esta programação foi prejudicada pela queda do preço do café e pela reviravolta política promovida pela Revolução de 1930.
A partir de 1930 tornou-se marcante a influência do Governo Federal, com suas diretrizes educacionais, no contexto estadual. Novo período histórico se abriu para a educação principalmente em reflexo da Reforma Francisco Campos, de 1931.
No Governo do Capitão João Punaro Bley a Secretaria de Instrução Pública foi legalmente transformada em Secretaria de Educação e Saúde Pública (1935) e Secretaria de Educação e Saúde (1943). Um dos mais difíceis, dos muitos problemas da educação neste período, foi o da nacionalização do ensino nas regiões de colonização alemã. Este trabalho foi realizado sob a orientação direta do então secretário Fernando Duarte Rabelo. A nova Escola Técnica de Vitória e a Escola Prática de Agricultura, de Santa Teresa, foram produtos da época.
Ainda no Governo Bley (1930 a 1943), pelo Recenseamento Geral de 1940, o Espírito Santo contava com 925 escolas primárias, com 68.663 matrículas e 15 escolas secundárias, com 2.434 alunos. As Leis Orgânicas do Ensino, elaboradas na década de 40, repercutiram na educação em geral do Espírito Santo, assim como as leis subsequentes, Lei 4.024/61 e Lei 5.692/71, conseqüência desta nova fase histórica, caracterizada por uma maior centralização, na área federal dos assuntos educacionais.
No Espírito Santo, em 1947, com a criação da Secretaria de Saúde, surgiu a Secretaria de Educação e Cultura, que finalmente foi transformada em Secretaria de Estado da Educação por força da lei 3.043, de 1975, que realizou a Reforma Administrativa do Estado.
A criação da Universidade do Espírito Santo, principal responsável pelo ensino superior, deu-se no Governo Jones dos Santos Neves, em 1954, sendo federalizada seis anos depois.
Bibliografia
NOVAES, Maria Stella. História do Espírito Santo.
OLIVEIRA, José Teixeira. História do Estado do Espírito Santo.
ROMANELLI, Otaiza de Oliveira. História da Educação no Brasil.
Documentação Educacional. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
Documentos Coloniais. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa, Portugal.
[Artigo publicado composto de duas partes e publicado na revista Educação 80, sendo a primeira parte publicada em julho de 1980, p. 6 e 7, e a segunda em agosto daquele mesmo ano, p. 5-7. Reprodução autorizada pelo autor.]
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© 2004 Texto com direitos autorais em vigor. A utilização / divulgação sem prévia autorização dos detentores configura violação à lei de direitos autorais e desrespeito aos serviços de preparação para publicação.
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João Eurípedes Franklin Leal é natural de Cachoeiro de Itapemirim, ES, historiador, pesquisador e professor livre-docente de paleografia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – Uni-Rio.