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I. Plano e realização da viagem

O tratamento do problema da aclimação encontra dificuldades, na maioria dos países tropicais, porque os imigrantes europeus misturam-se mais ou menos rapidamente com os elementos nativos, tornando-se impossível o estudo dos fenômenos de adaptação, na população miscigenada. Do maior interesse, portanto, são as regiões em que uma população oriunda da Europa se tenha radicado, há muitas gerações, sem se misturar com os nativos. A pesquisa das condições de vida e de saúde dessas populações oferece também a possibilidade de se observarem as condições econômicas, socais, culturais, que, juntamente com fatores climáticos e sanitários, regem a manutenção e o desenvolvimento da etnia transplantada para os trópicos.

No estado oriental brasileiro do Espírito Santo vive, há várias gerações, uma população de colonos alemães, que permaneceu imune à miscigenação. A idéia que já surgiu, noutras ocasiões, de pesquisar todo o espaço vital desses descendentes de imigrantes alemães, situados às bordas dos trópicos, pareceu mais sedutora por se poder recorrer às observações de Wagemann,[ 1 ] do ano de 1915, e ser possível comparar as atuais condições de vida e de sanidade com os resultados a que ele chegou. Estamos diante de uma tarefa que ultrapassa o campo das pesquisas climato-biológicas e da higiene tropical, de interesse para os estudos étnicos relativos aos alemães, no estrangeiro, tanto mais, que o Espírito Santo tem sido pouco visitado por pesquisadores, e não possuímos dessa região conhecimentos tão exatos quanto os que temos das áreas extensas de colonização teuta, de maior progresso, situadas nos sub-trópicos, no Brasil-meridional (Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná).

Em virtude do pequeno espaço de tempo disponível e dos escassos recursos concedidos em moeda brasileira, pareceu adequado, desde o início, restringirmo-nos a zonas determinadas, de pequena extensão geográfica. Em virtude da dificuldade dos caminhos, no interior do Espírito Santo, estava fora de cogitação uma visita a todos os lugares de colonização teuta. Era necessário fazer uma escolha, no que fomos orientados pelos dois médicos alemães que clinicam no Espírito Santo, doutor Schröder, de Vitória, e doutor Saettele, de Santa Teresa. As comunidades onde se previa uma permanência maior, ou eram zonas de colonização antiga, situada na região alta, ou eram comunidades novas, situadas na região baixa, tendo-se em mira comparar esses dois tipos de colonização. Convinha escolher colônias que servissem como exemplos, para as diversas zonas do Espírito Santo. Em várias comunidades, o doutor Saettele examinara[ 2 ] em série, escolares, e podíamos nos reportar a esse trabalho ampliando suas verificações e realizando novos exames.

Os lugares escolhidos para estada mais longa eram:

1. Pontal (Pastor Weber) Região Baixa
2. Laranja da Terra (Pastor Grottke)
3. Santa Maria (Pastor Rölke) Região Alta

Além disso, foram visitados os seguintes lugares (comunidades e filiais de comunidades):

Região Baixa Região Alta
Lagoa (Pastor Ballbach) Limoeiro – Jatiboca (Pastor Knoch)
Crciúma (Pastor G. Weber) Jequitibá (Pastor Hunemörder)
Guandu (Pastor Fischer) Lamego
Palmeira (Pastor Wustner) Recreio
Tancredo
Tancredinho
Taquaral

Em Porto Cachoeiro de Santa Leopoldina visitamos um religioso católico, padre Henrich Otte (Missão de Steyl, dos Irmãos do Verbo Divino), que nos proporcionou informações valiosas sobre as condições em que vivem católicos de origem teuta, nas zonas de colonização mais velhas (Campinho, Tirol, Schweitz). Infelizmente tivemos de desistir de visitar essas zonas, assim como as penetrações mais novas do povoamento, ao norte do Espírito Santo, além do rio Doce. Uma viagem de carro, difícil e cheia de tropeços, pela região que, ao norte, confina com o rio Doce, constituiu o remate de nossa permanência, onde pudemos, pelo menos, colher uma impressão das zonas setentrionais, ainda pouco exploradas.

Excetuados os exames, em série, de escolares, pareceu-nos inexequível e inadequado, em face das condições reinantes, a pesquisa em grandes grupos demográficos, isto é, abrangendo um número considerável de indivíduos em zonas determinadas. Por isso, procuramos, desde o início estudar famílias isoladas, não só com o fim de obter um quadro da atual situação sanitária e econômica dessas famílias, mas também para acompanhar, tanto quanto possível, o destino das famílias ou de toda uma parentela, desde a imigração. Além das visitas às colônias (distantes várias horas a cavalo, em regra e, às vezes, ainda mais afastadas), eram necessários levantamentos exatos, que realizávamos na base de um questionário relativo à ascendência da família, ao número de filhos, propriedade, renda, condições de saúde, nível de vida etc.

Os pastores organizaram parte das visitas, informando as pessoas, juntando, tanto quanto possível, todos os membros da família, e acompanhando-nos. Noutras colônias aparecíamos sem nos fazer anunciar, tendo oportunidade de ver os colonos em meio às suas atividades diárias, e de formular um quadro vivo do trabalho, das condições de existência e da habitação. No curso das pesquisas, comprovou-se o acerto desta orientação, sendo-nos possível, ainda, completar nossas observações com as informações dos pastôres e com os assentamentos nos livros de igreja. Aproximaram-nos, ainda mais, do colono, os pernoites, as permanências de vários dias em suas casas, a participação nas refeições e em todos os acontecimentos de sua vida diária. Foi possível visitar, ao todo, mais de 40 famílias, nas respectivas colônias, e estudá-las precisamente; só se poderá avaliar o que esse número representa, conhecendo-se as distâncias e as condições das estradas no interior do Brasil. Acreditamos ter atendido melhor os ângulos raciais e biológicos e melhor focalizar as qualidades e a história hereditárias dos colonos, escolhendo famílias representativas de toda a população de origem teuta (famílias de origem diversa pomeranos, hessienses, saxônios etc., em boa média e má situação econômica), sendo as observações grupadas por família, que, com a ajuda dos pastores nos era possível entrevistar. Organizamos árvores genealógicas exatas de algumas famílias, retroagindo à época da imigração, as quais proporcionam um quadro interessante da propagação) e da multiplicação da família, ou melhor, de toda uma parentela. Outras pesquisas planejadas dentro de orientação estabelecida, considerando os fatores hereditários e as influências imediatas do meio, forneceriam, por certo, muito material precioso à investigação racial.

Não só realizamos observações sobre o nível de vida, capacidade econômica, usos e costumes, manifestações espirituais e culturais, mas também, a fim de obter dados referentes aos característicos físicos dos colonos, tomamos medidas antropométricas numa série de indivíduos de ambos os sexos e de idades diversas, das famílias examinadas. Estatura, peso, dimensões do rosto, cor da pele e dos olhos, forma e cor do cabelo etc.). Elevou-se a 40 o número de pessoas que foram submetidas a esse exame antropométrico, tendo sido fotografadas de frente e de perfil. Embora não sejam aceitáveis quaisquer conclusões relativas à modificação do tipo racial, na base do pequeno número dos indivíduos examinados e em face do tempo relativamente curto decorrido desde a imigração, — trata-se, em regra, de três a quatro gerações — os resultados presentes poderiam ser, talvez, explorados, e mais tarde, em combinação com os estudos genealógico e antropológico a serem empreendidos nas gerações seguintes, proporcionar certos pontos de partida. Seria interessante e valioso fazer averiguações comparativas sobre os descendentes da mesma família, que vivem na Alemanha.

Dirigimos nossa atenção para as condições gerais de salubridade e de higiene, para as doenças, especialmente para as doenças infecciosas tropicais e para os seus transmissores. As observações feitas nas pesquisas em famílias foram completadas por grande número de exames das fezes e do sangue, inclusive a determinação dos glóbulos brancos e vermelhos em garotos e em adultos. Uma pesquisa mais ampla em série, em escolares, foi realizada em conjunto com o doutor Saettele, em Santa Maria.

Juntamente com o estado geral de saúde, estudaram-se as condições de alimentação e de abastecimento de água. Deu-se atenção especial à existência de doenças hereditárias ou taras, e procurou-se verificar a frequência de casamentos entre parentes e os indícios das uniões consanguíneas.

Uma tarefa fundamental e difícil foi a de obter material estatístico e a de comparar os números, coligidos através das publicações, dos livros de igreja e dos relatórios paroquiais, relativos à população de descendência alemã, crescimento demográfico, nascimentos, óbitos, causa-mortis e mortalidade infantil. Pareceu-nos do maior interesse, reexaminar os dados colhidos e elaborados por Wagemann, em 1912, durante uma. viagem de estudos ao Espírito Santo, e confrontá-los com as condições atuais, conforme as fixamos em nossas observações. Por isso, reportamo-nos, constantemente, em nosso relatório, aos registos de Wagemann, merecedores de confiança, mas não completados por publicações recentes.

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NOTAS

[ 1 ] Ernst Wagemann, A colonização alemã no Espírito Santo. Tradução de Reginaldo Sant’Ana. Edição do Conselho Nacional de Geografia.
[ 2 ] R. Saettele: Untersuchugen an deutschststämmigen Schulkindern im Staate Espírito Santo in Brasilien und kurze Erörterung der Haupterkrankungen dieser Volksgreuppe. Archiv fur Schiffs und Tropenhyg. 1936, vol. 40, caderno 11, p. 495.

[GIEMSA, Gustav, NAUCK, Ernst G. Uma viagem de estudos ao Espírito Santo: pesquisa demo-biológica, realizada, com o fim de contribuir para o estudo do problema da aclimação, numa população de origem alemã, estabelecida no Brasil Oriental. Trabalho publicado pela Universidade de Hanseática, Anais Geográficos (continuação dos Anais do Instituto Colonial de Hamburgo, vol. 48), série D, Medicina e Veterinária, vol. IV, Hamburgo, Friederichsen, De Gruyter & Co., 1939, traduzido para o português por Reginaldo Sant’Ana e publicado no Boletim Geográfico do Conselho Nacional de Geografia, n. 88, 89 e 90, 1950].

Gustav Giemsa nasceu na Alemanha a 20 de novembro de 1867 e faleceu a 10 de junho de 1948. Foi químico e bacteriologista e alcançou notoriedade pela criação uma solução de corante conhecida como “Giemsa”, empregada para o diagnóstico histopatológico da malária e outros parasitas, tais como Plasmodium, Trypanosoma e Chlamydia. Estudou Farmácia e mineralogia na Universidade de Leipzig, e Química e Bacteriologia na Universidade de Berlim. Entre 1895 e 1898 Giemsa atuou como farmacêutico na África Oriental Alemã. Em 1900 tornou-se chefe do Departamento de Química Institut fur Tropenmedizin em Hamburgo.
Ernst G. Nauck nasceu em São Petersburgo, Alemanha, em 1867, e faleceu em Benidorm, Espanha, em 1967. Especialista em doenças tropicais. 

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