a) Geologia-geomorfologia
A Praia de Camburi é o resultado de fenômeno geomorfológico comum ocorrente na costa leste e sul brasileira. O seu processo gerador é aquele que dá origem às denominadas restingas. A maior parte da área aqui estudada não é mais do que o resultado de um processo de transporte e deposição, de duração compreendida por alguns milhares de anos, de areias marinhas vindas em ondas sucessivas, no seu trabalho diuturno e construtivo. Na seção localizada mais para o interior da orla marítima atual — portanto, mais a oeste — estão, naturalmente, os sedimentos continentais e fluviais depositados desde um passado longínquo. Assim, a deposição arenosa está, esquematicamente falando, relacionada com o tempo de sua formação na sua área espacial, apresentando depósitos paralelos à praia, cada vez mais antigos, à medida que nos deslocamos de oeste para leste. A força das ondas, carreando o material arenoso, variou na sua potência durante o passar dos milênios e, inclusive, a própria altura da maré apresentou, com o passar do tempo, seu maior ou menor grau de elevação, fato este que determinou os pequenos desníveis encontrados na planura da restinga como se apresenta hoje.
Os ventos e as correntes litorâneas são elementos naturais de grande importância em toda essa formação arenosa quer quanto à direção quer quanto à força com que percorrem suas direções. Para a própria formação dos cordões litorâneos que constituíram, com o passar dos tempos, a restinga de Camburi, em muito contribuíram também as próprias correntes d’água internas que são, por assim dizer, um subproduto das correntes litorâneas. Pudemos detectar, pelo exame dos fotogramas, a existência bem nítida dessas flechas na área do que é hoje o bairro Jardim Camburi, a uns 250-300 metros das areias da praia. Também constatamos um belo alinhamento de flechas ao norte desse mesmo bairro, prosseguindo esses alinhamentos até a pista antiga do aeroporto de Goiabeiras. Ao que nos parece essas correntes internas, que ajudaram na formação dessas flechas, tiveram seu movimento no sentido horário.
A Ponta de Tubarão teve, é evidente, tudo a ver com a formação dessa restinga, vez que foi ela o ponto de amarração para que dela se desenvolvesse todo o fenômeno geomorfológico subseqüente. Havia a necessidade de um ponto fixo, resistente e estável para que a língua de areia seguisse adiante, secundado por outros fatores físicos que linhas atrás mencionamos. Outro acidente geográfico que auxiliou na determinação do desenho da orla da praia foi representado pela Ponta Formosa, para, desta maneira, o processo geomorfológico ter o seu processamento completo. A colmatagem existente por toda a área onde a restinga se formou teve, entretanto, que deixar passar um dasaguadouro natural, o canal e o rio da Passagem — na verdade uma corrente d’água de composição química bem variada — em busca de uma saída para o mar.
A restinga ali está com sua topografia plana e seus pequenos núcleos de vegetação característicos, verdadeiros testemunhos dos tempos idos em que não havia a presença do maior depredador de todas as épocas, o homem civilizado. Há que se destacar também que foram anexados, à restinga e aos mangues, aterros artificiais, sendo todos eles localizados a oeste e a leste. Um dos grandes aterros foi aquele realizado no Campus Universitário (a oeste) e outro com o propósito de alargamento da praia de Camburi (a leste).
Pudemos anotar e delimitar no recobrimento aerofotográfico executado em 1970 que a restinga tem, a grosso modo, limites de sedimentos areno-quartzosos de texturas diferentes, graças a pequenas variações do material depositado quando do processo de formação da aludida restinga. Existe uma marca bem definida desses sedimentos entre o bairro de Jardim Camburi e as proximidades da avenida Adalberto Simão Nader. Ocorrem várias manchas de áreas úmidas nos terrenos da baixada sedimentar espalhadas entre as pistas do aeroporto Eurico Salles e o bairro de Jardim Camburi, até os limites do platô. Trata-se, evidentemente, de alguma capa de material menos poroso pouco abaixo da superfície ou, mais precisamente, na subsuperfície. As áreas envolventes dessas manchas, além de toda a superfície central da restinga, constituem uma zona deprimida, embora de pouca expressão. Essa zona deprimida tem muita relação com a área de transição localizada entre a restinga de constituição areno-quartzosa propriamente dita e a área de mangues situada mais para oeste. Daí o porquê da presença da maior umidade das manchas a que nos referimos e daí o porquê da presença de canais artificiais para drenagem, próximos ao aeroporto, que vão desaguar nos mangues.
De maneira esquemática propomos a divisão da área estudada, como um todo, dentro de conceito geológico-geomorfológico, da seguinte maneira:
A — Seção da Era Terciária. Pertence à porção norte-nordeste da área, constituída pela formação Barreiras, representada pela Ponta de Tubarão e adjacências. Sua altitude média está em torno de 15-20 metros. Apresenta encosta abrupta em toda a sua linha voltada para o sul, embora em alguns pontos o homem já tenha retirado ou acrescentado material dessa formação, para possibilitar o acesso ao platô.
B — Seção da Era Quaternária, Período Holocênico. Pertence à superfície ocupada pela restinga. Esta é bem caracterizada pelo material arenoso em toda a sua extensão, além da sua marcante vegetação original, embora esta vegetação, conforme detalhamos cartograficamente, já se apresente com exuberância apenas em espaços exíguos, atualmente.
C — Seção da Era Quaternária e do Período Holocênico. Convencionamos chamar esta seção de zona intermediária, engastada que está entre a restinga propriamente dita e a área ocupada pelos manguezais. A textura do material aerofotográfico mostra a distinção entre essas duas partes, a intermediária e a da restinga embora ambas constituam quase que uma só unidade geomorfológica, na prática. Todavia, nota-se que o material areno-quartzoso apresenta uma leve mistura com os elementos rochosos desagregados fornecidos pelo manguezal, fato melhor constatado nas faixas próximas deste.
D — Seção do Quaternário. São desta Era também as áreas dos terrenos de cotas mais baixas de todo o conjunto de interesse deste trabalho: os manguezais. Eles estão sujeitos às constantes investidas das marés, sofrendo concomitantemente a influência das águas doces. Os mangues ocupam precipuamente o sul e o oeste de todo o conjunto da superfície abrangida pelo nosso estudo.
E — Seção do Pré-Cambriano. Demarcamos as áreas visíveis da Era pré-câmbrica, a qual se apresenta como que em ilhas esparsas, indo do antigo núcleo populacional do bairro de Goiabeiras, em direção sul. Constatamos a presença de dois alinhamentos distintos, um deles começando entre a avenida Fernando Ferrari e o bairro Morada de Camburi, emergindo possivelmente na ilha do Socó, na enseada de Camburi. O outro alinhamento pré-cambriano, com a mesma direção do anterior, NO-SE, pode ser observado nos limites a oeste do Campus Universitário da Ufes (Caixa d’água — Observatório Astronômico), passando pelo prédio onde está instalada a sub-reitoria de pós-graduação, que está construída justamente sobre rocha pré-cambriana. O alinhamento continua num pequeno outeiro de mesma origem geológica que se encontra ao lado da ponte da Passagem. Este alinhamento termina — considerando-se apenas nossa área de estudo — no morro do Colégio Sagrado Coração de Maria, na Praia do Canto.
b) Solos
Esquematicamente, os solos da área de nosso interesse são os seguintes, observando-se que, no presente caso, sua origem é mais precipuamente devida a fatores geológico-geomorfológicos, sem nos esquecermos da existência dos outros fatores que contribuem para a formação dos solos considerados pela Pedologia. A nordeste estão os Latossolos Vermelho-Amarelos, típicos dos platôs litorâneos, representados pela formação da Série Barreiras. Estão eles representados e delimitados neste trabalho [ver acima a imagem cartográfica].
Descendo os 15-20 metros dessa formação vamos encontrar os solos oriundos da restinga de Camburi. Aí constatamos a presença daqueles solos que englobam a chamada “associação de areias quartzosas marinhas”, tanto na área da restinga propriamente dita, quanto na área intermediária, à qual já nos referimos anteriormente, onde notamos a existência, embora em pequena proporção, de sedimentos finos. Estes sedimentos mais finos, é bom que se frise, são originários do tempo da formação inicial da restinga, quando o manguezal já estava consolidado, e, desta forma, o manguezal trazia sua contribuição para as primeiras flechas da restinga, na porção mais a oeste.
É nessa seção intermediária, de sedimentos finos, que o relevo é mais deprimido; e é nela que estão as manchas mais úmidas a que já nos referimos e que observamos nas aerofotografias examinadas.
Continuando nossa caminhada em direção a oeste vamos encontrar os solos halomórficos que constituem, por assim dizer, os “solos indiscriminados de mangue”. Conforme frisamos, trata-se de área em que os mangues exibem toda sua vegetação típica, sofrendo, aqui e ali, o avanço das obras de aterro e a miúdo sua depredação e degradação. Nessas áreas de mangue encontramos como particularidade o depósito argiloso de partículas muito finas, de cor escura ou esverdeada, pegajosa, com forte odor de ovos podres (gás sulfídrico). Constituem os chamados bancos de vasas ou lamas, próximo a fozes de rios. Prosseguindo mais para o oeste, sempre nos manguezais, deparamo-nos com os limites de nossa superfície terrestre de estudo — o rio da Passagem. Este serve para demarcar nessas paragens o que constitui a ilha do Lameirão, hoje estação ecológica do município de Vitória. Do lado oposto dessa pujante estação ecológica está o delta daquele que foi, num passado não tão distante, um importante escoadouro de riquezas do município de Santa Leopoldina, o rio Santa Maria da Vitória. Como curso d’água corrente é um dos coadjuvantes na formação dos manguezais, carreando materiais continentais para essas áreas.
Pequena porção de mangue aparece também na parte sul do espaço compreendido por nosso estudo. Trata-se dos manguezais localizados junto ao Canal da Passagem, que, na verdade, nada mais são que a continuação dos manguezais atrás referidos.
Por fim, detectamos a existência dos solos devidos à decomposição das rochas do pré-cambriano — Latossolo Vermelho-Amarelo Distrófico, como o encontrado no morro Boa Vista, área densamente povoada, encravada em Goiabeiras, junto à avenida Fernando Ferrari. Continua o Latossolo na colina anexa, em direção sudeste, serpenteando parte desta avenida, onde também aparecem rochas nuas do pré-cambriano, próximo ao conjunto do PRU e do depósito da Cia. Queiroz Galvão, separada do Campus pela mesma avenida. Inseridos nos terrenos da Universidade observamos a existência de solos litólicos e latossólicos [ver acima a imagem cartográfica]. Desse local que estamos tratando, em linha reta, em direção sudeste, vamos atingir o morro onde está localizado o Colégio Sagrado Coração de Maria. Neste local, no passado, havia vegetação arbórea em profusão, com certeza, no seu solo latossólico, havendo também afloramentos de rochas nuas, principalmente nas bordas e ao nível do mar.
Ainda incluído nas áreas de rochas pré-cambrianas, pudemos verificar a presença de solos litólicos, bem assim como de afloramentos artificiais de rochas (pedreiras), como são aquelas que observamos no bairro Morada de Camburi, junto à avenida Desembargador Demerval Lírio, que faz a ligação entre Jardim da Penha e Goiabeiras, ou mais precisamente, o bairro República, que está inserido naquele.
[Reprodução autorizada pelo autor]
Ricardo Brunow Costa é geógrafo formado pela UFRJ, tendo vários livros e artigos publicados. Para outras informações, consulte a listagem de pesquisadores. (Para obter mais informações sobre o autor e outras de suas publicações, clique aqui)