Enquanto no Brasil meridional, a história da colonização dos alemães começa em 1818, a imigração teuta, para o estado do Espírito Santo, descoberto e ocupado pelos portugueses em 1535, se iniciou na quarta década do século passado. No tempo do imperador Pedro II, fundou-se em Santa Isabel, a primeira colônia, à margem do rio Jucu a 30 quilômetros da costa, onde se estabeleceram 38 famílias, originárias, na maioria do Hesse do Reno, de Hunsrück. Em 1857, fundou-se a colônia de Santa Leopoldina, onde se estabeleceram não a só alemães (prussianos, saxônios, hessienses, badenses, bolsacianos, nassauenses), mas também holandeses, suíços, tiroleses e alguns luxemburgueses, franceses e belgas. Essa primeira colonização começou nas mais difíceis condições e enfrentando as ameaças de assaltos dos índios selvagens, além de carências e sacrifícios. O trabalho mais árduo, um clima diferente, alimentação deficiente e insuficiente habitação, praga de insetos e doenças, insegurança econômica e a falta de colocação dos produtos levavam o colono a lutar, duramente, pela existência. O governo esforçou-se por favorecer os colonos, com dinheiro, alimentos, remédios, proteção militar ou policial e incentivar, de toda maneira, a colonização. Mas, a falta de organização, a má administração e prevaricações de funcionários brasileiros, em parte também culpa dos próprios colonos, agravaram bastante as condições iniciais até que a situação melhorou com a nomeação de diretores de colônia adequados, com a adaptação crescente às condições de vida e com o agrupamento em comunidades.
Duas foram as maiores ondas imigratórias: a verificada por volta de 1858, e a sucedida na década dos setenta do século passado (especialmente pouco depois da guerra franco-alemã, em 1873). Nessa década, predominaram os jornaleiros e lavradores que, em virtude das condições opressivas de existência na própria pátria, resolveram emigrar, apesar do restrito de v. d. Heydt, e tornarem-se proprietários, no Brasil. O deslocamento e o crescimento natural da população concorreram para espalhar mais a população dos colonos de descendência teuta e para uma maior penetração no interior, primeiro em direção ao oeste e ao sul, depois principalmente para o norte, na rede hidrográfica dos afluentes meridionais do rio Doce (Guandu, Santa Joana, Santa Maria do Rio Doce). Motivo para que se espalhassem assim era o rápido esgotamento do solo, em virtude dos métodos de lavoura, superficiais e inadequados.
A ampliação das áreas de colonização levou à dispersão dos povoadores, que prossegue penetrando cada vez mais na região acentuadamente baixa, e motiva a fundação de novas comunidades, sem possibilitar aos colonos se adensarem em aldeamentos. As ramificações desse povoamento já ultrapassaram, há muito tempo, a planície baixa, à margem do rio Doce, e exploram novas áreas ao norte desse rio, embora grande parte do solo, nas velhas áreas, não esteja cultivada, ou esteja pouco trabalhada, e as colônias abandonadas, ainda estejam aptas a produzir, com uma lavoura adequada. A ampliação da área de povoamento é uma consequência também do permanente crescimento demográfico, de que se tratará adiante, de maneira mais pormenorizada. Cada pai de família se esforça por obter terra nova e boa para seus filhos; o caçula herda a colônia dos pais. O esforço para conseguir terra nova e fértil leva a um nomadismo, que, embora contribua para explorar novas áreas da região, encerra, para os colonizadores uma série de perigos e desvantagens.
A imigração teuta para o Espírito Santo parou, praticamente, por volta de 1830, e, em época recente, fizeram-se tentativas sob a direção do estado de organizar novos núcleos coloniais. Wagemann já noticia compras de lotes, no Guandu inferior, de áreas pertencentes a alguns fazendeiros. A fundação da colônia Afonso Pena, levada a efeito, segundo dizem, principalmente pelos adventistas, em 1911, malogrou, apesar da boa instalação, e, como Wagemann observa, talvez por causa de auxílios demasiados. Parece que, no caso, não se tratava do adequado material de imigração, mas de trabalhadores de fábrica ou sem profissão definida, pouco apropriados para aquela vida. Nessa área reservada para novas colônias, instalaram-se, nos anos seguintes, povoadores alemães, de áreas de colonização antiga (formação das comunidades de Criciúma e Guandu), e brasileiros.
Malogrou, inteiramente, a tentativa de colonização teuta, em 1923, em São Mateus, na parte setentrional do rio Doce, por se tratar, segundo informações, de uma área na planície de clima ruim e infestada de malária. Parece que, atuaram no caso, interesses de negocistas.
Os italianos, principalmente, constituem, hoje ao lado da colonização teuta (que, depois da década dos setenta, não recebeu nenhuma contribuição substancial da Alemanha) grande parte da população do Espírito Santo, espalhando-se por vários pontos fronteiriços da área de povoamento alemão, havendo muitos que compraram terras que pertenciam, antigamente, a colonos teutos, como, por exemplo no chamado Vale de Canaã. Merecem menção as tentativas dos poloneses, nos últimos anos, de organizar núcleos coloniais, destacando-se pela boa organização. As comunidades polonesas instaladas no norte, eram assistidas por professores e religiosos, e até por um médico polonês. Apesar disso, grande parte desses imigrantes abandonou a região e dirigiu-se para os estados meridionais, onde esperavam encontrar melhores condições de vida.
Excetuadas as tentativas mencionadas, só se realizou, no curso dos últimos anos, a imigração de famílias teutas isoladas que procuravam estabelecer-se entre os colonos há muito tempo radicados. Esses “novos alemães”, que imigravam sob falsas qualificações não puderam, em regra, firmar-se, voltando, muitas vezes, para a Alemanha, doentes e na miséria. A população radicada dos colonos olhava esses novos alemães como estrangeiros, e desconfiava deles: conseqüência, em parte, das experiências que, infelizmente, tiveram com muitos elementos, saídos da Alemanha depois da guerra, vagabundos, trapaceiros e indolentes. O imigrante vindo da Alemanha, por seu lado, dificilmente integra-se na vida do,colono, e sente muito o atraso do ambiente. Não está em condições de suportar o duro trabalho do campo e as árduas condições de existência, talvez, ainda, pertença a outra categoria profissional que a de trabalhador do campo, de jornaleiro, e fica em dificuldades. Muitos tentam, então, ganhar a vida como artífice (mecânico, carpinteiro, marceneiro, seleiro), e vão para as cidades ou para o Sul. Só excepcionalmente, os colonos radicados no Espírito Santo se deslocam para os estados meridionais brasileiros; em diversos casos, o colono que se mudou, prefere voltar para as condições a que estava acostumado no Espírito Santo. A ampliação da área colonial, decorrente do crescimento demográfico, limita-se atualmente à parte setentrional do rio Doce e, a oeste, penetra em parte, no estado de Minas Gerais.
Uma visão de conjunto das colônias teutas, formando entre si, mais ou menos, uma unidade, só é possível do ponto de vista da sua estruturação em comunidades religiosas, que, de modo algum, corresponde à divisão do estado em municípios e destes em distritos. Segue, abaixo, a relação das comunidades matrizes, às quais se ligam filiais e locais de prédica. No seu território encontra-se entremeada, população luso-brasileira ou italiana, de modo que não se pode falar de uma região de colonização teuta, nitidamente delimitada.
Campinho | Colônias Velhas Região Alta 400 a 800 metros |
Leopoldina I | |
Leopoldina II-Jequitibá | |
Califórnia | |
Ponto | |
Santa Maria | |
Limoeiro-Jatiboca | |
Laranja da Terra | Colônias novas Região Baixa 100 a 400 metros |
Lagoa – Serra Pelada | |
Criciúma | |
Santa Joana-Palmeira | |
Pontal | |
Santo Antônio | Colônias recentes à margem setentrional do rio Doce. Região Baixa |
Mutum | |
(Região Missionária) |
Somente Campinho, alcançável por via férrea tem aspecto de aldeia. Porto do Cachoeiro, onde, inicialmente, se sediava a direção da colonização de Santa Leopoldina, tornou-se uma localidade maior, com população predominantemente brasileira, miscigenada. Nas outras áreas de colonização, não surgiu nenhuma outra localidade organizada por alemães Entretanto, encontram-se, dentro das faixas povoadas principalmente por teutos, localidades não alemãs, os chamados “Patrimônios” com população luso-brasileira, ou de mulatos, ou cuja etnia é predominantemente italiana (Patrimônio de São Francisco, Palmeira, Figueira, São João, etc.). Nelas, há vendas, máquinas de beneficiar café, artífices, seleiros etc. As famílias dos colonos teutos, vivem, agora como antigamente, entre as plantações e pastos das suas colônias, que distam, uma das outras, 1/4 a 1/2 hora, ou mais. Conforme Wagemann evidencia, esta é a forma original de colonização em qualquer parte do mundo, onde não haja necessidade de se morar junto, para a defesa contra inimigos exteriores. Na região alta, o povoamento espalhado decorre, em parte, da orografia e da estreiteza dos vales; contudo, não se observa, na região baixa, o menor indício de formação de localidades teutas. A extensão das comunidades é, por isso extraordinariamente grande às vezes os colonos que moram mais afastados dentro de uma comunidade, distam, entre si, 12 a 14 horas a cavalo. O tamanho das colônias divergem: os primeiros imigrantes recebiam lotes de 50 hectares; mais tarde, a designação colônia restringiu-se a uma área de 25 hectares. A propriedade territorial do colono, oscila, atualmente, entre 1 a 3 colônias, às vezes, 4. Costuma ser maior nas “terras frias” do que nas “terras cálidas”, porque as famílias que ficam, aumentam, progressivamente, sua propriedade, com a compra das colônias abandonadas. A qualidade do solo nas terras cálidas é melhor e proporciona maior colheita. São consideradas áreas férteis o vale do Guandu, a serra Pelada e a parte setentrional do rio Doce. A maioria dos colonos, apesar das desvantagens do clima quente, compram o terreno, em virtude da fertilidade do solo, e somente algumas famílias voltam para as áreas situadas em maior altitude, de clima mais favorável, em virtude das doenças ou da incapacidade de suportar as condições climáticas.
[GIEMSA, Gustav, NAUCK, Ernst G. Uma viagem de estudos ao Espírito Santo: pesquisa demo-biológica, realizada, com o fim de contribuir para o estudo do problema da aclimação, numa população de origem alemã, estabelecida no Brasil Oriental. Trabalho publicado pela Universidade de Hanseática, Anais Geográficos (continuação dos Anais do Instituto Colonial de Hamburgo, vol. 48), série D, Medicina e Veterinária, vol. IV, Hamburgo, Friederichsen, De Gruyter & Co., 1939, traduzido para o português por Reginaldo Sant’Ana e publicado no Boletim Geográfico do Conselho Nacional de Geografia, n. 88, 89 e 90, 1950].
Gustav Giemsa nasceu na Alemanha a 20 de novembro de 1867 e faleceu a 10 de junho de 1948. Foi químico e bacteriologista e alcançou notoriedade pela criação uma solução de corante conhecida como “Giemsa”, empregada para o diagnóstico histopatológico da malária e outros parasitas, tais como Plasmodium, Trypanosoma e Chlamydia. Estudou Farmácia e mineralogia na Universidade de Leipzig, e Química e Bacteriologia na Universidade de Berlim. Entre 1895 e 1898 Giemsa atuou como farmacêutico na África Oriental Alemã. Em 1900 tornou-se chefe do Departamento de Química Institut für Tropenmedizin em Hamburgo.
Ernst G. Nauck nasceu em São Petersburgo, Alemanha, em 1867, e faleceu em Benidorm, Espanha, em 1967. Especialista em doenças tropicais.