Praia de Camburi, 1969. Fotógrafo não identificado. |
Vamos iniciar nossas observações do Setor Norte de Vitória sob o aspecto de sua urbanização, associando-a à presença da vegetação existente à época considerada, isto porque, a nosso ver, esses dois aspectos se contrapõem muito bem na constatação da ocupação real do espaço físico pelo homem, além de oferecer um excelente efeito contrastante quando da observação dos fotogramas. Para não haver confusão na descrição que vamos encetar, concernente ao título acima mencionado, seguiremos nas nossas observações as direções norte-sul e leste-oeste, visto que faremos os comentários por seções da área total estudada. É de suma importância que nessa seqüência tenhamos em mãos a cartografia que elaboramos, para que o leitor possa acompanhar e visualizar o que vai ser relatado. Seguimos nessas considerações determinados princípios geográficos como o da descrição do fenômeno observado; o da localização do mesmo fenômeno; o da extensão da área ocupada pelo fato observado, e, em alguns casos, a causalidade do fenômeno considerado.
Após esses pequenos reparos vamos às observações, começando pelo bairro de Fátima. Em dezembro de 1970 existiam apenas 70 (setenta) imóveis construídos, entre casas e galpões, naquele bairro. A maior parte da área era composta por um traçado de loteamento sem qualquer calçamento. Predominava a mata de platô [quadro sobre vegetação] e a vegetação rasteira sobrepujava dentro do loteamento, como por toda sua volta. Ainda não havia sequer vestígios do que formam hoje os bairros Hélio Ferraz e Eurico Salles, este contíguo, porém fora dos limites da área objeto do nosso estudo. Todos esses bairros estão localizados no platô terciário. Não existia naquela época o que constitui hoje o grande conjunto denominado “Atlântica Ville”, fronteiriço com os terrenos da Cia. Vale do Rio Doce. O solo daquilo que é no presente o supracitado conjunto, estava inteiramente sem vegetação.
Descendo esse platô, no seu sopé, corre um curso d’água sem denominação própria, que vai desaguar na Praia de Camburi. Na margem direita dessa corrente d’água encontrava-se já em formação o bairro de Jardim Camburi. Naquele ano de 1970 havia ali um pequeno número de imóveis construídos, sendo que, na sua porção norte, existia uma área considerável de imóveis ainda em construção.
Deixamos, propositalmente, de mapear e de comentar aspectos concernentes ao complexo da Vale do Rio Doce e da Siderúrgica e do Porto de Tubarão, pela razão de serem consideradas áreas protegidas pela Lei de Segurança Nacional. Apenas plotamos as vias férreas e a vegetação existente circunscrita a elas, localizadas sobre o platô.
Em direção a oeste do bairro de Jardim Camburi, no centro do nosso foto-mapeamento, está o aeroporto de Goiabeiras, com duas pistas, sendo que uma delas (a de direção aproximada leste-oeste) estava, já naquela época, abandonada. Seguindo mais para oeste, atravessando a pista que liga Vitória a Carapina (município da Serra), encontramos relativamente desenvolvido o bairro de Goiabeiras — hoje, subdividido em várias denominações locais, conforme veremos mais adiante. Após este bairro, em direção oeste, vem a área dos manguezais. Por esta razão é que constatamos, nos confins do oeste do bairro referenciado, várias casas, ou melhor dizendo, barracas palafitas. Toda a área a partir desse ponto tanto para o norte, para o sul e para o oeste, é dominada pelo manguezal.
Seguindo nossas observações sobre a urbanização, comprovamos que o bairro de Goiabeiras continua para o lado sul e o lado leste, cortado pela avenida Fernando Ferrari, no sentido aproximado norte-sul, e pela avenida Adalberto Simão Nader, no sentido leste-oeste. Toda esta extensão do terreno é plana, pois está assentada sobre a restinga.
Não havia naquela época, ano de 1970, os bairros de Mata da Praia I, II e III, nem o de Morada de Camburi, localizados que estão, nos dias de hoje, entre as avenidas Adalberto Simão Nader e Aristóbulo Barbosa Leão, esta dividindo, atualmente, Jardim da Penha do bairro Mata da Praia. Toda esta extensão de terras era ocupada por vegetação própria da restinga de Camburi [cartografia anexa]. Não existia, também, a avenida Alziro Zarur, que liga Jardim da Penha à avenida Fernando Ferrari, não existindo, também, o conjunto Residencial Universitário (PRU) localizado, hoje, na primeira avenida mencionada.
O Campus Universitário, logo adiante, apresentava nesta ocasião um conjunto composto de 11 (onze) prédios, não tendo praticamente área verde; a paisagem era de um aspecto árido, empoeirado, solo desnudo, com uma área bem menor que a de nossos dias [quadro sobre o crescimento das áreas]. Fronteiriço ao Campus, ou melhor dizendo, cercando a maior parte dele, como ainda hoje ocorre, está o manguezal. A leste do sítio universitário, depois de cruzada a avenida Fernando Ferrari, encontrava-se localizado desde então o bairro de Jardim da Penha. Em dezembro de 1970 havia o traçado de aproximadamente oitenta por cento deste, mas, apenas, para efeito de vendas de lotes. Oitenta por cento do bairro, a grosso modo, eram ocupados pela vegetação de restinga. As ruas projetadas pareciam mais caminhos que vias públicas, todas sem qualquer espécie de calçamento. A vegetação avançava pelas ruas ainda projetadas e ocupava grande parte do interior dos lotes. As praças que hoje existem eram apenas áreas demarcadas para suas futuras destinações. Enfim, só nos projetos da Prefeitura e das empresas imobiliárias, o bairro tinha existência real.
Em direção ao sul, fazendo divisa entre Jardim da Penha e o bairro da Praia do Canto, portanto, separando o distrito de Goiabeiras do de Vitória, estava, como ainda permanece, o canal da Passagem. Às suas margens, do lado de Jardim da Penha, raríssimas casas; no restante, apenas vegetação natural.
Por toda a extensão da Praia de Camburi, desde a ponte ali existente, ligando a ilha de Vitória ao Continente, até o final da praia citada, uma avenida sem calçamento e com uma única pista deu origem ao que chamamos hoje de avenida Dante Michelini. A própria orla da praia tinha aspecto bem diferente da atual feição, pois que, naquela época, não existia o aterro hidráulico incorporado há poucos anos à faixa litorânea. As duas pontes, a da Passagem e a de Camburi, apesar de estreitas e antigas, suportavam até há relativamente pouco tempo um tráfego consideravelmente intenso. Em anos recentes foi necessária a construção de novas pontes para suportar o notável aumento do fluxo de veículos: automóveis, ônibus e caminhões.
A densidade populacional da área circunscrita pelo polígono formado pelas avenidas Dante Michelini, Adalberto Simão Nader e Fernando Ferrari (esta tendo continuidade pela rodovia federal que se inicia em frente ao aeroporto) — todas elas sobrepostas na restinga — e, finalmente, fechando o polígono, a linha divisória Vitória-Serra, continuando pelas linhas férreas da CVRD — no platô — apresentava-se extremamente baixa, uma vez que os bairros de Fátima e Jardim Camburi constituíam pontos isolados de ocupação, com poucas residências. A concentração populacional estava fora desse polígono, adensando-se mais precisamente em Goiabeiras Velha, ou seja, ao sul da avenida Simão Nader e a oeste da avenida Fernando Ferrari.
Vista aérea da UFES, Jardim da Penha e Praia do Canto. Fotógrafo não identificado. |
Jardim da Penha ainda não se constituía em um núcleo nem muito menos em bairro residencial digno de ser assim chamado, tão limitado era o número de suas construções. E, naturalmente, inexistiam casas comerciais ou qualquer estabelecimento público. A mais antiga construção de todo o bairro é simbolizada pelos armazéns do Instituto Brasileiro do Café (IBC). Um desses conjuntos de armazéns foi inaugurado em 1961, com área de 15.000 m², e outro anexo, com área de 6.200 m², foi inaugurado em 1964. Naquela época considerava-se que os aludidos armazéns estavam localizados em paragens desertas do distrito de Goiabeiras; hoje, vinte e poucos anos após, os referidos armazéns estão encravados num bairro totalmente urbanizado e desenvolvido da cidade de Vitória. Depois desse exemplo, a parte mais antiga do bairro é aquela denominada de conjunto 106, cujo início de construção data de 1970. São casas duplex que tiveram sua construção próxima dos supra-referidos armazéns. O primeiro estabelecimento público do bairro, construído após a realização da cobertura aerofotográfica com a qual fizemos este estudo, foi criado e entrou em funcionamento em 27 de outubro de 1971. Trata-se da Escola Álvaro de Castro Mattos, da rede municipal de ensino.
Para que possamos ter um quadro ainda mais real da paisagem desse setor norte de Vitória naquela época, é interessante que associemos a urbanização existente à vegetação natural que cobria o citado setor. Vamos fazer uma exposição dos fenômenos observados adotando o critério de analisarmos sempre as observações por faixas de áreas representadas cartograficamente, seguindo as direções de leste-oeste e de norte-sul, acreditando que com essa providência haverá maior facilidade por parte do leitor em acompanhar o que vamos detalhando.
Em dezembro de 1970 o binômio vegetação-urbanização formava um quadro que, sucintamente, tentaremos descrever. Na extensão de toda a orla marítima havia vegetação rasteira, algumas semelhantes a cipós, que se apresentavam de forma emaranhada, com profusão de folhas sempre verdes por toda a areia junto à estrada (atualmente avenida Dante Michelini) que seguia paralelamente à praia. Atravessando essa pista junto à praia, imediatamente começava a surgir — desde a ponte de Camburi até o início do bairro de Jardim Camburi — a mata de restinga. A largura desta mata, nessa faixa, variava ao longo da pista, assim como variava sua densidade. Em Jardim da Penha havia dessa mata cobrindo quase cinqüenta por cento do bairro, mesmo levando-se em consideração que já havia empresas de loteamento operando desde há muito tempo ali. Essa paisagem tinha continuidade até a sétima quadra, indo da praia para a interior do bairro. É evidente que essa mata não era totalmente densa, porque, afinal, desde então existiam lotes com algumas casas, como dissemos. Prosseguindo em direção ao interior do bairro viam-se muitos claros no manto vegetal e este tinha característica de mata rala de restinga. O sul deste bairro, junto ao canal da Passagem, era coberto por um mangue, em parte aterrado, mas que ainda conserva uma quantidade considerável de espécies vegetais próprias. Ao norte deste bairro de Jardim Camburi, onde hoje existem os bairros de Mata da Praia I, II e III, Morada de Camburi, Bairro República, a vegetação variava de mata de restinga rala até vegetação rasteira densa, assim como existiam duas grandes porções de solos desnudos. Atingimos, nesta descrição, exatamente a avenida Adalberto Simão Nader.
Desse ponto acima mencionado em direção ao norte, atravessando a última avenida acima referida, constatamos como predominante a vegetação rasteira densa da restinga, cobrindo noventa por cento da área que não se encontrava utilizada na urbanização. No extremo norte da baixada que toma toda essa superfície coberta por essa vegetação, seguindo a rodovia na direção aeroporto-Carapina, lado direito, surge um testemunho de mata de restinga densa, o mesmo ocorrendo no limite sul desta área considerada, no ângulo formado pela avenida Simão Nader com a avenida Dante Michelini.
Deixando agora a baixada, vamos alçar até o cimo do platô terciário. Neste encontramos, distante da estrada Vitória-Carapina, a mata do platô, de densidade média, que era a vegetação mais exuberante do local. Na época considerada (dezembro de 1970), havia dela em muitos pontos do tabuleiro terciário. Observamos pequenos núcleos arbóreos no limite da linha divisória dos dois municípios: Vitória e Serra; também na superfície do que era o bairro de Fátima; e nas partes ocupadas pelas linhas férreas da Cia. Vale do Rio Doce. Não podemos deixar de mencionar a presença de quantidade apreciável de vegetação rasteira do platô por entre os núcleos isolados das matas de platô [quadro de vegetação].
Detectamos, ainda, as matas que restavam sobre os morros de origem pré-cambriana que representamos na legenda como sendo mata sobre morros. Elas aparecem junto à avenida Fernando Ferrari, em frente ao Campus Universitário, como na parte mais a oeste do bairro de Goiabeiras, junto ao manguezal, bem como a oeste do Campus.
Contornando totalmente a superfície oeste do espaço estudado está a mata de mangue, com toda sua grande variedade de espécies — as mais características são a Avicennia nitida, Rhizophora mangle e Laguncularia racemosa — cortada pelo principal curso d’água, o rio da Passagem.
[Reprodução autorizada pelo autor]
Ricardo Brunow Costa é geógrafo formado pela UFRJ, tendo vários livros e artigos publicados. Para outras informações, consulte a listagem de pesquisadores. (Para obter mais informações sobre o autor e outras de suas publicações, clique aqui)