Giovanni Papini, o vulcânico escritor que, de 1917 a 1950, iluminou o mundo das letras italianas e cujos lampejos coruscaram em todas as latitudes culturais, esgrimiu-se com muitos dos espadachins intelectuais que não fumavam do mesmo tabaco de seu cachimbo. Porque vaidoso, sarcástico, irreverente, não poupou os tímidos e indecisos. Escudou-se em sólida e brilhante cultura humanística.
Pessimista e agnóstico na mocidade, teve a lisura de consciência de confessá-la em L’Uomo Finito, onde externou corajosamente seus complexos de feiura e de incompreendido. É dolorosamente cético.
No Crepúsculo Dei Filosofo ensaia seus pendores de pensador autônomo. Em Parole e Sangue, põe sua alma inquieta à mostra, sem segredo. Procurando a verdade, encontra-se com Deus e converte-se ao catolicismo, torna-se polêmico, escreve a Vida de Cristo em linguagem vigorosa, como se o Filho de Deus vivesse hoje, neste mundo de misérias, de ambições desmedidas, de orgulho e egoísmo. É sua obra máxima, que o consagra entre os ortodoxos do catolicismo.
Como bom toscano estuda a vida de Dante Alighieri — Dante Vivo — em que o poeta do cristianismo medieval ressuscita com todas as características humanas de seu tempo: pecados, paixões, partidarismo político e religiosidade. É o mais belo e realístico retrato do imortal autor da Divina Comédia. Com toda ênfase de polemista italiano, no prefácio ele diz com arrogância peninsular que, para se escrever a biografia do sumo poeta, é preciso ser italiano, fiorentino, católico, artista e poeta. Porque só um italiano, fiorentino, poeta e católico pode compreender Dante.
Achei pretensiosa mas lógica a sua afirmativa e encontrei, não obstante a minha humildade, justificativa para escrever este ensaio sobre a imigração italiana no Espírito Santo. Com efeito, sou capixaba, filho de imigrantes e historiador, circunstâncias que reputo necessárias e indispensáveis ao cometimento.
Julgo-me capaz de rememorar o drama vivido por aquela falange de aventureiros marcada pelo destino que, abandonando seus maiores, nas aldeias onde nasceram e amaram, vieram povoar o sertão bruto do Espírito Santo e o elegeram como a Pátria da Promissão.
Cem anos são passados. Sucederam-se três gerações e representamos hoje, os descendentes, trinta por cento do milhão e oitocentos mil habitantes do Estado. Desbravamos possivelmente a metade do território. Cabe-nos grande parte do progresso e civilização que o Espírito Santo desfruta na federação brasileira. Orgulhamo-nos desta obra porque a porfia foi incomensurável: vencer a agressividade da natureza, os caprichos orográficos, a impotência e abandono dos governos. Só mesmo a perseverança e a fé dos filhos da península dos Apeninos poderiam realizar.
Confronte-se a prosperidade das colônias italianas de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul… A raça é a mesma e oriunda das mesmas províncias. Por que a diferença do bem-estar e fortuna? O meio físico, o solo, a proteção que receberam das autoridades respondem à pergunta.
Porém tudo passou. Somos felizes por integrar a comunidade espírito-santense, parcela ponderável da pátria brasileira.
[In DERENZI, Luiz Serafim. Os italianos no Estado do Espírito Santo. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. Reprodução autorizada pela família Avancini Derenzi.]
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Luiz Serafim Derenzi nasceu em Vitória a 20/3/1898 e faleceu no Rio a 29/4/1977. Formado em Engenharia Civil, participou de muitos projetos importantes nessa área em nosso Estado e fora dele. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)