No município de Vitória a área que mais sofreu verdadeiro processo de expansão horizontal acelerado de urbanização foi, sem dúvida, o que denominamos de Setor Norte de Vitória. Novos bairros surgiram e outros tiveram notável crescimento, e, conseqüentemente, tanto a área ocupada como o aumento populacional deste setor experimentaram grandes modificações (consultar quadro população, inserido neste estudo). Queremos lembrar mais uma vez que seguiremos, também aqui, o mesmo critério adotado nas observações relativas à urbanização do Setor Norte de Vitória, concernente ao ano de 1970. É imprescindível que o leitor siga as observações com o desenho cartográfico sob os olhos. Iremos deste modo constatar a abertura de ruas, avenidas, construções de grande porte, preparação de áreas para construção de prédios e casas etc., tudo isto sempre reportando-nos à presença da vegetação existente nos locais descritos. Entretanto, não nos cabe discriminar e delimitar espécies vegetais — uma vez que existe inserido neste trabalho um quadro próprio elaborado sobre espécies de vegetação que deve ser consultado pois fugiríamos aos nossos objetivos traçados, no momento. Assim sendo, apresentamos uma classificação própria, o mais geral possível, cujo critério é aquele do local onde a vegetação surge. Falamos, então, de vegetação de mangue, vegetação de platô, vegetação de restinga e de vegetação dos morros cristalinos. Dentro desta classificação simplista acrescentamos apenas mais um item, a densidade com que a vegetação se apresenta. Este foi o mesmo critério aplicado quando explicitamos o item III deste estudo. Com estes critérios e métodos vamos iniciar as considerações deste item IV.
A paisagem que descrevemos do bairro de Fátima em 1970 apresenta-se bem distinta agora, no final de 1986. O que não passava de um loteamento vazio de no máximo 70 (setenta) construções, hoje não só configura um preenchimento de todos os vazios do antigo projeto de loteamento, como aumentou em muito a área de sua malha urbanizada. Enquanto em 1970 o bairro de Fátima guardava certa distância do bairro de Jardim Camburi, hoje eles estão praticamente ligados, o que vem provar o crescimento que tiveram durante este lapso não tão longo de tempo.
Hélio Ferraz, bairro que não existia em 1970, atualmente está unido ao bairro de Fátima, sem solução de continuidade. Em seguida ao Hélio Ferraz há uma descontinuidade na urbanização de apenas poucas centenas de metros, fato devido ao relevo sofrer um desnível de vários metros e possuir escarpa abrupta, o que dificulta a urbanização. Em seguida a este último bairro, já em território fora do distrito de Goiabeiras, mais precisamente, no distrito de Carapina, surge o conjunto residencial de Eurico Salles, que, em 1970, ainda não existia.
Sobre o platô, mais exatamente, na sua encosta, existe atualmente construído o conhecido Conjunto Residencial Atlântica Ville, cercado por todos os lados pelos terrenos da Cia. Vale do Rio Doce, exceto pelo lado sul que se comunica com Jardim Camburi.
Vamos agora deixar o platô e seguir por sobre a restinga, justaposta ao conjunto referenciado. Aí está o bairro Jardim Camburi que tem ao norte o bairro de Fátima. (Este, em 1970, na verdade apenas um embrião de bairro, pois poucas eram as casas existentes naquela época). O quadro da urbanização era precário: ruas projetadas, sem calçamento, com vegetação de restinga dispersa pela maioria dos lotes então existentes. Atualmente, a situação é totalmente diversa. O crescimento foi notável, tanto no sentido da ocupação do espaço horizontal como vertical, vez que além de casas, inúmeros são os edifícios de apartamentos, edifícios comerciais, etc. Houve mesmo o corte das encostas do platô, talhadas verticalmente, para a expansão do bairro.
Imaginando um grande polígono cujos lados seriam constituídos por parte da avenida Fernando Ferrari até o aeroporto e daí continuando pela rodovia federal até a linha divisória Vitória-Serra; os trilhos da CVRD; as avenidas Dante Michelini e Simão Nader, temos que dentro dessa superfície as únicas áreas que sofreram grande modificação em relação ao crescimento e urbanização foram justamente Jardim Camburi e Atlântica Ville. Outras alterações que pudemos observar devido à atividade humana neste polígono, depois de 1970, são representadas pela área destinada à realização da Feira dos Municípios, com a conseqüente construção de vias e ruas, além de imóveis e do Kartódromo, junto à Feira, bem assim como do complexo de galpões e outras edificações hoje em estado de abandono, pertencentes ao Ministério da Aeronáutica. Todas essas construções estão próximas à avenida Dante Michelini. Não podemos deixar de fazer menção à existência de lojas e galpões de material de construção às margens da Fernando Ferrari antes da passagem do aeroporto — sentido Vitória-Serra — assim como casas comerciais do mesmo ramo instaladas na Simão Nader.
O interior da superfície desse polígono descrito acima permaneceu sem modificação, devido, é claro, à própria presença do aeroporto Eurico Salles, o qual, devido às suas atividades específicas, necessita de espaço razoável para sua operacionalidade. Nesse polígono a vegetação de restinga cobre a superfície, ora se apresentando como vegetação rasteira de pouca densidade, ora com densidade média ou alta, havendo ainda disseminadas ao norte da área manchas pequenas de mata de restinga, próximas ao platô, repetindo sua presença nas cercanias da cabeceira sul da pista do aeroporto até as proximidades da avenida Simão Nader e — o que é mais importante — uma faixa razoável desse tipo vegetal entre a Feira dos Municípios (avenida Dante Michelini) e o cruzamento desta com a avenida Adalberto Simão Nader. Esta faixa de mata de restinga tem aproximadamente 13,4 ha e está atualmente protegida por cerca de arame. É um testemunho vivo da vegetação nativa.
Seguindo em direção sul, imediatamente após a avenida Adalberto Simão Nader, está o bairro Mata da Praia, não existente nos anos setenta. Naquela época tudo era coberto por mata densa de restinga. Nos dias atuais Mata da Praia se constitui num bairro com ruas bem-traçadas e largas, com destinação exclusivamente residencial. Interessante é frisar que também neste bairro existe uma área pequena onde a vegetação original de restinga oferece a oportunidade de ser apreciada, embora, infelizmente, venha sofrendo algumas depredações. Sua área total é de aproximadamente 2,8 ha.
Em seguida, após Mata da Praia, caminhando em direção oeste, está o que é chamado nos dias atuais de Bairro República, embutido no que se chama de Grande Goiabeiras. O seu aspecto arquitetônico e urbanístico, aliás, é igual ao deste grande bairro. Cercado por este último, pelo bairro Mata da Praia e pelo de Jardim da Penha, encontramos em franco processo de expansão um novo bairro: Morada de Camburi. Sua feição arquitetônica segue a do bairro de Mata da Praia, não existindo edifícios de apartamentos, apenas casas residenciais.
Marchando em direção sul desta última comunidade descrita, indo até o canal da Passagem, está aquele que é o mais conhecido de todos esses bairros dos tempos recentes: Jardim da Penha. Em 1970, como vimos anteriormente, predominava a vegetação de restinga na grande maioria dos seus lotes. Hoje, porém, verifica-se o notável desenvolvimento experimentado nos mais variados ângulos por este bairro. A febre de construções inclusive ainda continua nessas paragens características de classe média. A princípio, conjunto de casas residenciais, depois, conjunto de edifícios residenciais, em seguida, edifícios isolados de melhor acabamento e apresentação e casas de bonitas fachadas. Finalmente, bares, lojas, supermercados, enfim, tudo o que um bairro necessita para sua vida própria. Houve inclusive expansão do bairro na margem esquerda do canal da Passagem através de um grande aterro realizado em área de terreno de marinha, com a conseqüente perda de espaço dos mangues, tão importantes para a complementação da alimentação de população de baixa renda residente noutros locais.
Vamos agora passar a analisar a seção oeste da área de nosso estudo. Imediatamente a oeste de Jardim da Penha, depois de atravessarmos a Fernando Ferrari, encontramos o Campus Universitário. Este, além de ter também experimentado aterros para sua implantação, em detrimento do manguezal, teve sua superfície ampliada, permitindo a construção de muitos prédios bem-espaçados, atendendo à demanda cada vez mais crescente dos jovens à procura da Universidade. Muitas árvores e gramados foram plantados em extensas superfícies antes desnudas. Por todos os lados, exceto a leste, o Campus está cercado pelos manguezais.
Tomando a direção norte constatamos que houve uma grande ampliação do núcleo antigo do bairro de Goiabeiras, em ambos os lados da Fernando Ferrari. Muitas das árvores dos morros cristalinos foram derrubadas, cedendo lugar a casas, ruas e ruelas. Os mangues a oeste, como sempre, foram invadidos e casas de baixo padrão foram construídas em seu lugar.
Podemos anotar a presença de grande quantidade de palafitas seguindo as margens dos mangues a oeste do bairro Maria Ortiz I. Entre este e a comunidade de Maria Ortiz II está implantado o bairro Solon Borges. Maria Ortiz I e II, bairros pobres; Solon Borges, de nível sócio-econômico mais elevado, com ruas e casas melhor construídas. Nessas imediações encontra-se mais a leste, até atingir as margens da Fernando Ferrari, em frente ao aeroporto, o bairro Jabour. Ruas largas, bem-traçadas e casas de boa apresentação. Ao norte deste continua o manguezal, seguindo toda a margem esquerda da rodovia que vai até Carapina.
A seguir apresentamos três quadros, o primeiro deles obtido pelo método aerofotogramétrico, através da grade de pontos, no qual representamos em metros quadrados a área de cada bairro ocupada em dezembro de 1970 e o crescimento até dezembro de 1986. Os dados, é evidente, são aproximados, mas a partir deles pode-se ter uma boa noção do desenvolvimento e ocupação dos espaços considerados. É interessante que se observe na cartografia anexa o que apresentamos em números. O segundo quadro é o da população dos distritos de Goiabeiras desde a década de sessenta até os anos atuais, embora haja conflito de dados. Para comparação apresentamos também os mesmos dados para o distrito de Vitória. No terceiro quadro tentamos ousar um pouco mais e fizemos um resumo da vegetação com o seu gênero, espécie e nome vulgar, tanto em 1970 como em 1986. Cartograficamente, está figurada apenas a vegetação.
Bairros
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Área aprox.
ano 1970 |
Área aprox.
acresc. 70/86 |
Goiabeiras | 957.600m² | 1.027.200m² |
Ufes | 249.200m² | 166.800m² |
Jardim da Penha | 896.800m² | 797.600m² |
Jardim Camburi | 452.400m² | 1.021.600m² |
Bairro de Fátima[=] | 207.200m² | 324.000m² |
Feira dos Municípios | (não existia) | 28.800m² |
Mata da Praia | (não existia) | 656.000m² |
Eurico Salles[x] | (não existia) | 116.400m² |
Totais | 2.763.200m² | 4.138.400m² |
Total geral aprox. áreas urbanizadas existentes em dez/86: 6.901.600m² |
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[=] Incluído o bairro Hélio Ferraz. [x] Localizado no município da Serra. |
QUADRO II – Evolução da População dos Distritos de Goiabeiras e Vitória
Anos | Distrito Goiabeiras |
Distrito Vitória |
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1960 | 1.402 | 83.840 | [x] |
1970 | 10.234 | 125.172 | [x] |
1980 | 65.089 | 149.984 | [x] |
1985 | 64.700 | 188.702 | [x] |
1986 | 68.500 | — | [=] [x] |
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[x] Fonte FIBGE. [=] Fonte estimativa de dados populacionais para cidades, vilas e povoados do Espírito Santo. 1985/2010. Obs.: Para 1986 foi feita uma composição entre as duas fontes. |
QUADRO III – Quadro Resumido da Vegetação Natural Encontrada em 1970 e em 1986/1987
Divisão natural | Vegetação | Gênero/espécie | Nome vulgar |
ÁREA DO PLATÔ TERCIÁRIO | Vegetação de platô | Tabebuia obtusifolia | Ipê[x] |
Psidium sp | Araçá da mata[x] | ||
Nectrandra spp | Canelas[x] | ||
Hidrogaster trinerve | Barriga d’água[x] | ||
Sapium sp | Liteira[x] | ||
Cedrela fissilis | Cedro[x] | ||
Eugenia sp | Batinga | ||
Eucalyptus citriodora[p.e.] | Eucalipto[xx] | ||
Leucaena Leucoce plala[p.e.] | Eucalipto[xx] | ||
Eucalyptus grandis[p.e.] | Eucalipto[xx] | ||
Gramíneas variadas | Capins dos mais variados[x] | ||
ÁREA DA RESTINGA PROPRIAMENTE DITA E ÁREA INTERMEDIÁRIA | Vegetação da Restinga | Tabebuia spp | Pau-tamanco[x] |
Genipa americana | jenipapo[x] | ||
Clusia fluminensis | Abaneiro[x] | ||
Byrsonima sp | Murici[x] | ||
Cereus sp | Cactos[x] | ||
Psidium guayava | Goiabeira[x] | ||
Stylosanthes sp | Vassourinha[x] | ||
Panicum racemosum | Capim-da-areia[xx] | ||
Sporobulas virginicus | Grama-da-praia[xx] | ||
Ipomoea pescaprae | Salsa-da-praia[xx] | ||
Schinus terebenthifolius | Aroeira | ||
Brachiaria sp | Braquiária[xx] [x] | ||
Eugenia pedunculata | Pitangueira[x] | ||
Cynodon dactylon | Grama-de-burro[xx] | ||
Coccoloba sp | Baga-da-praia[xx] | ||
ÁREA DA RESTINGA PROPRIAMENTE DITA | Vegetação da restinga | Hyparrhemia rufaemwloba sp | Capim jaraguá[x] [xx] |
Mellinis minutiflora | Capim gordura[x] [xx] | ||
Brachiaria sp | Braquiárias de várias espécies[x] [xx] | ||
Ricinus communis | Carrapateira[x] | ||
Coccoloba sp | Baga da praia[x] [xx] | ||
Sporobulus virginicus | Grama-da-praia[x] [xx] | ||
Panicum racemosum | Capim-da-areia[x] [xx] | ||
Ipomoea pescaprae | Salsa-da-praia[x] [xx] | ||
ÁREA DOS MANGUEZAIS | Vegetação de mangue | Rhizophora mangle | Mangue vermelho[x] [xx] |
Laguncularia racemosa | Mangue branco[x] [xx] | ||
Avicennia tomentosa | Mangue siriúba[x] [xx] | ||
ÁREA DOS MORROS CRISTALINOS[xxx] | Vegetação dos morros cristalinos | Primitivamente existiam matas relativamente densas de espécies arbóreas de médio e pequeno porte, hoje devastadas. Constatamos, atualmente, gramíneas; poucas espécies de árvores naturais e árvores frutíferas plantadas: | |
Musa paradisíaca | Bananeira[xx] | ||
Mangifera indica | Mangueira[x] [xx] | ||
Persea americana | Abacateiro[x] [xx] | ||
— | Gramíneas diversas[x] [xx] | ||
[p.e.] Planta exótica.
[x] Plantas existentes em tempos recuados, porém às vezes ainda encontradas. [xx] Vegetação existente atualmente entre muitas outras espécies. [xxx] Na busca de uma melhor caracterização para o tipo de vegetação dos morros cristalinos, não obtivemos o necessário enquadramento para o tipo vegetacional desses morros, vez que, salvo melhor juízo, não podemos designar a vegetação natural que existia nesses morros nem de Floresta Perenifólia Latifoliada Higrófila Costeira, nem de Floresta Latifoliada Tropical Úmida de Encosta, nem de Formação de Encosta Atlântica (Geog. do Brasil — Reg. Sudeste, FIBGE) nem mesmo de Mata de Encosta (Augusto Ruschi, 1950). Cremos que a referida vegetação seria um meio-termo dentre todas essas denominações. |
[Reprodução autorizada pelo autor]
Ricardo Brunow Costa é geógrafo formado pela UFRJ, tendo vários livros e artigos publicados. Para outras informações, consulte a listagem de pesquisadores. (Para obter mais informações sobre o autor, clique aqui)