Mais que um amigo, eu o considerava um irmão.
Foi meu aluno no Colégio Estadual do Espírito Santo, na década de 50 do século passado. Depois trabalhamos juntos no reitorado de Máximo Borgo, na Universidade Federal do Espírito Santo, ele sub-reitor acadêmico, e eu tendo a meu cargo a sub-reitoria comunitária, isto nos idos de 1970. sempre que aparecia uma fumacinha ameaçando a mata do imponente Mestre Álvaro ele me telefonava lembrando que era obrigação da Comunitária verificar se lá ocorria risco de incêndio. Juntos, com outros amigos, subimos o formoso Monte, símbolo do norte de Vitória, e alvo dos navegantes antigos, para, do alto, verificarmos as belas praias que de lá se avistam, desde Santa Cruz ao norte, até Guarapari, ao sul.
Fizemos (e fomos os únicos que repetimos a dose) o Roteiro do Canaã, e na segunda viagem fomos deliciados com os comentários precisos e bem humorados que Ivantir foi fazendo, aqui e ali, relembrando a primeira viagem.
Ivantir Antonio Borgo nasceu em Castelo, mas viveu sua infância em Araguaia e Domingos Martins. Veio ao mundo em 2 de agosto de 1934, e era filho de D. Margarida Lorenzoni Borgo e do Sr. Anacleto Borgo. Casou-se com Maria de Jesus Oliveira Borgo, a estimada Maje, com quem teve dois filhos, Ricardo, comerciante, e Alexandre, magistrado.
Tendo se formado no curso científico do Colégio Estadual, Ivantir fez o curso de Pedagogia na UFES, especializando-se em História da Educação, cátedra em que se aposentou. Foi membro do Conselho Estadual de Educação, e exerceu diversos cargos administrativos de relevância, na UFES, sempre com elevadíssima competência e consciência profissional. Ultimamente dirigiu o setor de ensino a distância de nossa Universidade, com tanta eficiência que se tornou padrão para as demais universidades brasileiras.
Era um especialista na área de educação dos melhores que temos tido, porém nunca se ouviu de nosso pranteado amigo uma palavra de vaidade ou de jactância sobre seu saber notório. A modéstia era a virtude, entre tantas que distinguiam seu caráter adamantino, que mais chamava a atenção do homem simples e bom que foi Ivantir Antonio Borgo, seguidor do preceito de Pascal de que “se você quer que os outros pensem bem de você, não lhes fale sobre sua pessoa”.
Em tantos anos de convívio, só uma pequena divergência histórica tive com meu amigo que se foi. Dizia respeito, no que tange a seu livro UFES 40 anos, sobre a data de fundação da Universidade. Coisa de somenos, em que, felizmente, chegamos às boas, na tertúlia do Sabalogos do dia 6 de março passado, o que foi testemunhado por diversos companheiros, de vez que me rendi à ponderação de Reinaldo Santos Neves de que o que se alicerçara em 1954 foi o espírito universitário nascente, em nosso Estado, que só fez, em parte pelo esforço de Ivantir, crescer e brilhar nos seguintes 50 anos.
Esta pequenina diferença de ponto de vista, que daqui a 100 anos será coisa de nonada, jamais empanou a força e grandeza de nossa amizade, alicerçada por mais de meio século de admiração que sei mútua, e solidificada pelo sofrimento comum de nossas pedras vesiculares.
O professor Ivantir deixou uma grande obra histórica inacabada: a História da Educação no Espírito Santo, fruto de muitos anos de pesquisa criteriosa e diligente. A meu pedido, ele fez uma síntese para o site que a Secretaria de Estado da Fazenda pretendia instalar em seu edifício-sede, e pelas seis páginas que me foi dado examinar, verifiquei o extraordinário valor do livro em construção. Se possível, em entendimento com a família do ilustre morto, sugiro que o IHGES publique as partes que estiverem em condições de serem editadas.
Na última segunda-feira, dia bonito, a que se seguiu a tempestade tropical de ontem, sentado em banco de madeira, em companhia dos amigos Douglas Puppin, Gastão de Alvarenga Rosa e de nossa prezada presidente, olhando aquelas esculturas mortuárias de bronze e de mármore, símbolos todas da velocidade com que a vida passa, cercado pelas centenas de sepulturas do primeiro plano, nós, que fôramos prestar nossa derradeira homenagem de corpo presente ao grande consócio falecido, fomos obrigados a refletir sobre a morte e seu inescrutável significado. Uma luz brilhante se apagou e, como diz Shakespeare no Hamlet (V: 2), “o resto é silêncio”.
Honremos a memória deste emérito professor, deste educador de gerações que, modestamente como sempre viveu, acaba de nos dizer adeus.
[Necrológio de autoria de Renato Pacheco transcrito da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, n. 58, dezembro de 2004. Renato Pacheco apresentou este texto na última sessão do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo a que compareceu, quarta-feira, 17 de março de 2004, véspera de seu falecimento.]