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Entrevistado: João da Cruz Cardoso

Entrevistado: João da Cruz Cardoso, apelido João do Zeco
Grupo ao qual pertence: Itapuã
Entrevistador: Maria Clara Medeiros Santos Neves
Data da entrevista: 15/10/2013

Local / data de nascimento: Vila Velha, município de Jaguaruçú, próximo a Terra Vermelha, 12/11/1926
Nome do pai: José Cardoso de Paiva, pescador
Casado, 6 filhos.

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[De onde veio esse apelido?]

Esse apelido veio dos meus pais. Meu pai tinha o apelido de Zeco. Aqui ele era conhecido por Zeco, era pescador. Mas o nome dele era Jose Cardoso de Paiva.

[Fale um pouco sobre seus pais.]

Meu pai era uma pessoa de pouca renda e viveu com muito sacrifício. Ele era pescador. Em 1945, ele passou a trabalhar no porto, naquele cais de minério, no Atalaia, e ganhava C$150,00 por mês, era o salário daquela época. Ele foi para lá em 1945. Eu estava aqui pescando, tinha tirado minha carteira em 1943. Eu estudei aqui, no Vasco Coutinho, e completei até o 4º ano. Quando completei o 4º ano fui lá para a Escola Técnica, na inauguração da Escola Técnica, foi em 1943. Lá eu estudei uns oito meses, mas não tive condições de continuar.

[Qual o curso?]

Eu ainda ia decidir. Tinha todas as profissões. Eu ia escolher uma profissão e estava pensando em mecânica. Quando chegou outubro, novembro não aguentei mais, porque não tinha dinheiro para a passagem e meus pais não podiam dar. Enquanto era até junho que nós estudávamos das 7h às 11h, na parte da tarde eu fazia alguma viração, alguma coisa e outra para arrumar o dinheiro para a passagem. Mas quando passou de julho em diante, depois que voltamos das férias, passou-se a estudar das 7h às 16h. Davam almoço e café. Mas tinha dias de explicações no quadro e tínhamos que sair às 5h e às 5h não tinha condições de eu fazer mais nada e aí eu terminei saindo. Saí de lá, peguei os documentos e fui dar entrada na Capitania. Dei entrada em 1943. Eu entrei lá (Escola Técnica) em janeiro e saí de lá em outubro. Em novembro eu dei entrada na Capitania para tirar minha carteira.

Isso aqui era mato puro, não tinha nada. Aqui só tinha quatro grupos de pesca, quatro grupos que tinham as turmas certas, que trabalhavam com eles. Depois, eu entrei numa, entrei para outra, na outra, eu equilibrei um pouco e foi quando eu fiz meu grupo. Daí em diante, estamos até hoje. Hoje eu não tenho esse grupo porque eu não tenho mais rede de arrastro, não tenho mais nada. A rede de arrastro, se eu não abandono, eu já tinha morrido, era muito pesada.

Eu trabalhei com bote a motor de 70 a 80. Em 1980, pedi para me aposentar. Eu tinha dois botes e me desfiz de um e fiquei com outro. Quando eu me aposentei, desfiz do outro porque a quem eu entregava não tomava conta certo. Eu me aposentei em 1988, vai fazer agora, em 29 de novembro, 32 anos de aposentado. Me aposentei com 38 anos trabalhados e essa é a minha situação até hoje. Eu não peguei a minha aposentadoria na época da guerra porque tinha uma lei de praia […] que queriam tanta documentação que não me quiseram dar os tempos de 43, me deram de 47, e já tinha acabado a guerra, aí eu perdi essa inclusão no meu salário.

Fiquei por aqui mesmo, trabalhando mesmo. Nunca fumei, nunca bebi, nunca fui de farra, só trabalhando. Quando eu me casei fiz uma casinha na Rua Sete de Setembro, em frente à Clínica Vila Velha, tem até dois filhos que moram lá. Dali eu vim […] campo em 1962, morava numa casa que não tinha luz, não tinha nada, só tinha água. Depois, trabalhando fiz uma casa ali na descida do Santuário e passei a morar ali. Com o tempo eu vim morar aqui. Eu tenho uns trinta anos aqui. Antes de me aposentar eu frequentava aqui, mas não morava aqui.

Eu morei num barraco, fiz outra coisa, fui melhorando, fiz duas casas para as duas filhas aqui, […] fiz lá em baixo que é alugado, fiz duas quitinetes lá no fundo e fui levando a vida porque eu não paro, a minha vida não para. Quando saí, meu salário minha filha recebe lá, e aquele salário é somente para fazer alguma compra e comprar remédio. Eu pago R$400,00 de plano de saúde e eu sou dependente de uma filha. Agora passou para R$400,00 por mês que eu pago, fora remédio. Eu tomo uma média de dezoito comprimidos por dia. Todo dia, não pode faltar. Agora, eu tenho seis apartamentos.

[Qual o seu problema de saúde?]

Eu operei o coração duas vezes. Tenho diabetes, mas é controlada.


[Como foi o seu aprendizado da pesca?]

Eu aprendi a pescar com meu pai. Eu pescava com meu pai. Quando eu vim pescar, meu pai já pescava aqui há três anos. Ele sempre pescou, mas não tinha material de pesca, só pescava. Era uma pessoa de pouco recursos, muito pouco. Quando eu comecei a trabalhar, comecei a ajudar em casa para poder controlar. Eu não sei com quem ele aprendeu a pescar.

[Seu avô pescava?]

Não conheci meu avô. Não conheci meus avós, nem de pai, nem de mãe, só conheci uma avó, que tinha o nome de Maria Vigília da Vitória, era a mãe do meu pai, o resto eu não conheci.

Em 1935 foi quando viemos para Vila Velha. Não tem esse roçado aqui que chamam de Coqueiral de Itaparica? Isso aí era mato puro. Só tinha a estrada no meio do mato que ia sair na Barra, da Barra para Terra Vermelha, para o Xuri. Para esses cantos não tinha estrada ainda. Depois de 1935, abriram uma roçada ali, para plantar coco e plantaram muito. Mas depois foi se acabando, e é por nisso que tem esse nome Coqueiral de Itaparica. Ele começava aqui, onde tem esse posto de gasolina, e ia até lá no Dunas, de um lado e de outro, era um coqueiral grande. Mas foi indo, foi se acabando e está nessas condições que está.

Prédios! Prédios da Praia da Costa até aqui. Eu conheci o Guruçá e um que tinha lá em frente ao Libanês, do lado de cima, tinha um hotel ali, e o Sereia que era muito antigo. O bar Sereia era dos Motta, que eram os donos daqueles terrenos todos da Praia da Costa, até quase aqui perto do Guruçá, que fica na esquina da Champagnat com a Rua Gil Veloso. É o prédio mais antigo. Eu não conheci nenhuma casa dali do Guruçá pra cá. Quando eu comecei a vida aqui não tinha nenhuma casa, nenhuma. Aqui também era mato puro. Só tinha a família dos Miranda, que morava ali em baixo. Eles foram os pioneiros daqui. Maria Miranda nasceu aqui.

Agora, quando eu cheguei aqui tinha um pessoal que falava que já pescava há 20, 30 anos. Quando eu cheguei aqui tinha Antônio Nunes, Benedito Galdino, João de Oliveira e Carlos Borges. Eram os quatro que tinham conjunto de pesca aqui. Tinha outros pescadores que pescavam só de […] Mas esses [os quatro] pescavam com rede, tarrafa. Quando eu cheguei, eu não tinha nada e comecei a fazer tarrafa. Foi indo, fui crescendo e quando eu parei eu tinha uma das melhores redes daqui. Minha vida foi toda empregada aqui, não teve jeito.  Meu pensamento era estudar, mas não tive condições.

[Com quantos anos o senhor começou a pescar aqui?]

Comecei a pescar com 17 anos, como profissional. Antes disso eu já pescava quando garoto, com meu pai, com outros. Mas, foi ele (meu pai) quem me ensinou a pescar.


[O senhor lembra-se dos que te ensinaram a pescar?]

Meu pai foi um. Tinha o Orminto de Oliveira Santos, que foi o que mais me ensinou a pescar de linha. De rede eu aprendi dentro do movimento do remo. Conheço Messias, que foi um garoto que nasceu depois de que eu estava aqui. O Zé boião. Só tem aqui os descendentes dos que eu topei aqui, não tem mais ninguém na vida. Agora de 1990 para cá, de 2002, eu parei de pescar.

[O senhor conheceu o pai do Josias?]

Conheci muito o pai do Josias, o Darli. Eles moravam aqui. Os irmãos dele, o Jorge, e tinha mais outro, o Jorge era pescador também, só pescava. O Darli era pescador, não era de confusão, teve família e ainda está vivo. Não sei se está morando em Terra Vermelha.

Tem o Valdenildo, que andou pescando durante muito tempo aqui, também está vivo, mas não mora mais aqui e nem pesca.

Terra Vermelha eu conheci quando era areia pura. Agora, não conheço nada. Quando eu vim de lá para cá, ali era tabuinha, era areia quente que tinha até a Barra. A estrada só ia da Barra a Ponta da Fruta e lá parava.

Aqui antigamente existia muito respeito. Antigamente, tinha fiscal. Quem mandava na pescaria era a colônia que ficava aqui. Depois veio a SUDESP, depois vieram tantos […] que eu nem sei quantos foram. Essa Florestal é a que mais castiga aqui. Proibiu a gente botar tarrafa aqui, nessas pontas de pedra não podemos botar tarrafa nem nada. Nos proibiu de tudo e só tivemos ajuda aqui de pescaria em 1946, mais ou menos. Quando veio um […] do Rio, mas vendia para os pescadores fiado. Teve muito pescador que ficou devendo. Teve um que abriu falência de tanto que roubaram […] perto de Guarapari era dos chefes aí, também ele e Dr. Mendonça. A gente ia lá comprar um objeto a dinheiro, ele não aceitava, era só comprado fiado e quando não tinha no depósito o material que a gente queria ele mandava o fiscal comprar […].

Teve muito pescador sem vergonha que pegava o material de lá, da Barra, esses eram da Barra e vendiam aqui no comércio de Vila Velha. Era uma armadilha que fazia antigamente, caçuá [rede de malhas largas], pra pegar xaréu. Precisava puxar o fio de três para poder fazer essa armadilha. Ela tinha 25cm de tamanho, a malha. Agora de lá pra cá, o respeito aqui é muito pouco. Aqui ninguém respeita os donos de rede. Não respeitam um ao outro, entra por dentro do outro, de rede.

Tem duas safras. A passada e a que passou agora, que não deu peixe para ninguém. Antigamente a gente parava porque não tinha venda. Parava. O peixe passava e ninguém caía em cima do cardume de manjuba, ninguém trabalhava porque não tinha valor e também dava muita qualidade de peixe. Hoje em dia não dá sarda, não dá anchova, não dá xaréu. Peixe de linha ali fora sumiu. Sumiu a corvina, o roncador, são peixes que sumiram mesmo. A peroá dava muita, até na beira daquela ilha ali dava peroá, muita peroá branca. Mas depois ela sumiu que até hoje quando um acha ela lá fora é só aquele dia, dois, sumiu, desapareceu. E aqui, saía de cima dela porque não tinha valor. Hoje em dia viver aqui só da pescaria é viver no cabresto, não é vida boa não!  Quem tem rede aí está… Pelo que eu vi e pelo que eu vejo, não tem não.

Pescaria aqui, praticamente, eu acredito que ela vai se acabar igualmente na Praia da Costa, Ribeiro, Inhoá, Vila Velha, Prainha de Vila Velha, onde é a Escola de Aprendiz de Marinheiro. Ali era uma vila de pescadores e só moravam pescadores. Fizeram umas casas em outro lugar deram para eles e fizeram a Marinha, a Escola de Aprendiz de Marinheiros. Na época da fabrica de bala, a grande fábrica de bala, a Garoto, eu trabalhava ali na prainha. Conheci aquela fábrica por dentro trabalhando com quatro motores. Tive duas irmãs que trabalharam lá. A bala era batida na parede com um gancho por um camarada até dar ponto para fazer a bala. Eu conheci muito aquilo lá. Fazia quase todo tipo de bala. Tinha bastante melado. Era ali na entrada que vai para a Marinha, onde tem um colégio hoje em dia.


[Tinha ali uma fábrica de cal?]

Tinha uma fábrica de cal em Jaburuna. Tinha também uma fábrica de sabão. Mas quando eu cheguei a conhecer só tinha a armação do prédio, não tinha mais nada. Era entre Jaburuna e a Prainha, naquele intervalo, porque a outra parte era dos Leal, que eram donos dali até a maternidade. Talvez ele ainda tenha uns dois filhos vivos ainda, uns morreram cedo […]

Eu conheci Vila Velha com poucas ruas. As ruas principais não tinham. A Sete de Setembro não era completa. Da Sete de Setembro para o lado sul não tinha nenhuma rua completa.  Essa que passa pelo Santuário, aquela que passa pelo cemitério, aquela nas costas do cemitério, o que tinha era caminho. […] Hoje eu não conheço mais.

[Além das casas dos pescadores o que mais tinha na Prainha?]

Eram duas casa para chegar à areia da Prainha. Ali tinha uma fábrica de bala. […] Tinha a casa da D. Celeste, que morava numa beira de casa, e o pai do Dr. José Luís Schneider. Eu estudei com ele. O pai dele morava lá perto da fábrica de bala. Fizemos do 1º ao 4º ano juntos no Vasco Coutinho e o diretor era Ernane de Sousa. Ali eu fiz do 1º ao 4º ano.

[Fale um pouco do centro de Vila Velha]

Do centro de Vila Velha eu me lembro pouco. Me lembro do aterro que fizeram que era até na beira do Fórum.  O mar vinha ali. Por ali eu botava arrastão, botava rede de noite. Quando a coisa estaca ruim aqui a gente corria para lá. Era rede de arrastro de um canto a outro. O Batalhão não tinha nenhuma área ali ainda e nem a Marinha. Aquilo era água pura. Era um local que de vez em quanto eu me recordo que era pra nunca ter sido aterrado porque foi aonde pisou o primeiro donatário do Espírito Santo.

Aquele portão do convento,  a entrada antiga, hoje em dia ninguém quase pode subir mais por ali porque o Exército tomou conta de tudo.

A Praça de Vila Velha, não tinha. A Rua Duque de Caxias, não existia. Conheci ali tirada de areia. Aquele local era pra ser mar seco.  Porque numa enchente que deu que a água foi lá em cima foi quase perto da praça. Foi a enchente de 1960. Eu andei nessa baixada aqui todinha de canoa, passando por cima de cerca de arame. Essa é a lembrança de quando eu passo pelas ruas […] isso foi até secar. Dr. […] ele fez uma estrada  para aquele carros que andavam em areia. Ele fez uma estrada por aqui até a Praia da Costa.  Mas na metade da enchente a Praia da Costa ficou também prejudicada porque passava numa ponte que tinha ali perto do Marista e eles estouraram aquela ponte para dar evacuação às águas. Era uma baixada dali da beira da ponte, na beira do Marista até cá em cima perto do corpo da praia. Tinha lá, uma baixada grande, que era banho de burro muito era baixa, até hoje a gente sai da Henrique Moscoso para Praia da Costa tem um elevado ali. Aquilo ali foi aterro. Foi o Campanelli que fez aquele aterro para asfaltar para a Praia da Costa, até isso eu lembro. Não me lembro de quando asfaltaram.

Quando eles asfaltaram eu apanhei da pedreira onde está a cabeça da ponte – ali era uma pedreira e quebraram tudo. Eu apanhei muita pedra para fazer o alicerce da primeira casa que eu tinha na beira do Santuário. Arranquei muita pedra ali. Eles liberaram, e aí a gente podia apanhar. Disso eu lembro bastante.

Rua mesmo só tinha a Rua o Torrão, que era aquela rua que sai do Marista, que hoje em dia tem outro nome. Passa lá no portão do Convento, a Rua Maria Grinalda que era chamada Rua do Torrão. Ali tinha e ainda tem uma delegacia. Ali eu conhecia tudinho. Por baixo passava um valão da Praia da Costa, ali está tudo aterrado.

O matadouro era lá no pé do Convento, até pouco tempo era do Dr. Francisco que era neto do Godofredo Schneider (pai do Dr. José Luís Schneider) […]

Ali em Boa Vista eu peguei uma questão. Eu era procurador da família. O filho fez uma conta errada da mãe que estava com 86 anos. Eu era procurador da minha sogra. Os outros herdeiros que faziam parte dessa família, eu comecei uma briga porque fizeram a conta errada. Então disseram que iam vender porque não iam ganhar nada. E venderam 600m². O mais caro que eu comprei foi por 15,00 cruzados o mais barato por 10,00 cruzados. De um herdeiro eu comprei 14.800m² na faixa de 25m de largura por 186m de comprimento. Mas houve muita invasão, houve duas invasões. Estava na justiça, mas tiraram e eu vendi por pouco e mais ou nada. Desses 600m eu comprei seis pedaços de 600m e quando vendi, vendi barato e fiz uma casa e fui melhorando de situação.

No meu tempo de novo foi muito sacrifício que eu fiz na minha vida. Quando eu me casei em 1950, eu já tinha uma casinha ali, de alvenaria. Me casei com Angélica Gomes Cardoso. Tivemos seis filhos: um homem e cinco mulheres. Três moram em Vila Velha e duas moram aqui. Meu filho mora em Vila Velha também.

[O senhor gostaria de falar mais alguma coisa de Vila Velha, de Itapuã?]

Cheguei aqui era mato puro e topei esses cinco que já dei o nome deles.  Morador mesmo quando eu cheguei era só o pessoal dos Miranda.  Tinha o velho e mais as filhas que tinham uns barracos, perto daqueles prédios altos, e tinha um outro, que tinha uma casinha aqui. Daí em diante foi chegando gente, foi chegando. Isso daqui não tinha dono. Diziam eles que eram donos. Uns diziam que eram donos, mas nunca provaram na justiça que eram donos. Tomaram conta, entendeu?

Eu fico pensando na quantidade de gente que vai vir para essas construções. E vai ser muita e está se estendendo por aí a fora, Ponta da Fruta, Jucu, Terra Vermelha, Xuri, […] era do pa[dre] José, que só andava a cavalo. Ele era encarregado do Convento, mas também andava com dois revólveres. Ele saía daqui pra lá com dois revólveres na cintura. Era dono [daqui].

[O senhor se lembra da construção do Marista na Champagnat?]

Eu lembro muito. Aquele terreno do Marista era do pessoal do Dr. Américo, que alugou o terreno […], não me lembro do […], mas o pessoal do Dr. Américo alugou aquele pedaço de terreno […], ali onde era o sítio dos Batalha até em baixo.

Houve uma invasão, só ficou a parte do Marista e o morro que se chamava Batalha. Passei muito por ali, quando era garoto, para tomar banho no braço de rio. Antigamente era limpinho […] começaram a jogar esgoto e agora fecharam tudo. Vila Velha antigamente tinha saída de água, hoje não tem mais.

[Fale da pesca.]

Antigamente eu pescava de canoa, igual a essas canoas de índios.  Quando eu fiz o bote eu desconhecia até os lugares, a distância que eu andei fora da costa no bote.

A canoa era dessas canoas de índio, ainda tem algumas. Elas tinham quilha, só que as de índio não tinha quilha, mas as daqui tinham.  Pescava de pé ou sentado. Mas para remar era sentado e tinha três bancos: um na proa, um no meio e outro na popa. Remava sentado e também andava muito no pano. O vento, quando não estava favorável, ninguém remava, andava no pano. Tinha tempo que a gente andava no mar adentro aqui, no mínimo, umas dez milhas fora da costa. Desaparecia, sumia as praias. A gente às vezes ia até o estado de Minas. Eu não perdi a vida porque Deus abençoou.

Quando eu ia pescar na canoa, eu ia com no máximo duas pessoas, eu e mais dois.   Nesses caiaques é a mesma coisa, pescava muito sozinho. Quando eu passei a pescar em caiaque aqui, caiaque é termo novo, esse aí, eu pesquei muito no remo e pescava sozinho. Antigamente dava peixe.  Hoje em dia ninguém vê peixe. Peixe que eles estão matando aí não dá para sustentar a família.

[O senhor se lembra das pessoas que pescavam com o senhor?]

Muitos já morreram e nem lembro mais. O Orninto foi um que desapareceu no mar. Manoel Miranda também foi outro. Era o mais velho da família dos Miranda, que chegou a pescar comigo, é o bisavô do seu Damião. A Maria é filha de uma filha do Manoel Miranda, da D. Tereza, que morreu com mais de cem anos. Tinha uns que bebiam muito e morreram cedo. Ultimamente quem quase morreu foi Serafina, que é a mãe do Gilson. A filha de Serafina é que era dona do barraco, casada com o finado […] que era de Anchieta. Esse menino morreu novo.

Resultado: Quase tudo ali é dos Miranda. O resto daqui veio chegando muito depois. […], outros já morreram. Antigamente não tinha esse calçadão, não tinha nada. Quem fez isso foi o prefeito Jorge Anders. Foi quem deu vida aqui. Colocou luz e água. Fez essa rodovia aqui, ele tinha aqui um terreno que hoje em dia tem aqueles dois prédios.

[Como o senhor pescava além das 10 milhas?]

A gente pegava muita pouca coisa ruim lá fora. Antigamente a gente tinha noção do tempo. O tempo estava para virar […], qualquer coisa a gente já pressentia. Quando dava muito nordeste a gente não viajava. Antigamente dava muita ressaca de mar, muita mesmo, de atravessar essa estrada. Hoje em dia isso se acabou.

[Que tipo de pesca era feita lá?]

Lá pescava com linha de fundo: de alto, caixilho e enseada. Enseada é o peixe que dá aqui pela beira da praia. De alto é o mar que trabalha, e o caixilho é mais fora, a gente perde a noção de terra. A beirada então a pessoa pega serra, é mareado.

[Qual o tipo de peixe que vocês pegavam nessas áreas?]

Lá se pegava papa-terra, peroá, catuá … Era muito peixe misturado, tudo isso na linha. Cação nós pegamos partindo a linha deles, que era grande. Cação de 200, 300kg. Encontrava com eles e aí parava, um fazia […], eu mesmo encontrei muitos, mas nunca atacou. Hoje, até no alto, a gente não acha peixe quase nenhum porque botaram umas armadilhas. Hoje a pescaria moderna é que acabou com toda a pescaria de costa, o arrastão, a traineira. Arrastão e traineiras são devastadores de costa. Porque a traineira apanha, trás. Mas os arrastões não trazem peixe nenhum, só traz peixe […]. Aquela outra quantidade que vai para cima do convés joga tudo na água, joga fora. Às vezes, tem baloeiro aí que só apanha camarão. Aí o peixe miúdo eles jogam tudo fora, não deixam nada e é o que vai acabando com o movimento. Antigamente a gente dava de rede aqui e pegava seis, oito toneladas, eu dei várias vezes. Mas hoje em dia esse peixe não aparece mais. Aqui teve dois anos, uma foi em 1949 e outra foi em 1962. Apareceu enchovinha de quilo em cardume só daquele tamanho, de um quilo abaixo, cardume fazendo o roxo, igual roxo. Foi nesses dois anos, também não deu mais.

[O que é fazer roxo?]

A manjuba a gente conhece quando ela vem pulando ou vem sombreada, vem só em cima d’água sem pular, sem nada. Ela faz um roxo em cima d’água. Aí, a gente conhece os cardumes de peixe por isso. Aqui não se cerca à toa, muito difícil cercar à toa.

A rede de fundo é uma rede que se bota gancho e o que tem de fundo ela vem trazendo, e aquilo a gente não vê. Só vê em terra. Agora as outras redes poeiras, só se vê cercando: se vê, se cerca, se não vê, não se cerca. A boieira fica em cima d’água que tem as boias, já as de fundo vem por debaixo d’água.

[Fale um pouco de cada uma delas]

Quando vamos pescar de canoa fazemos a pesca de linha de fundo, ou pelo contrário, quando vai mirar alguma malha pessoal. A malha? acabou-se. Caboclos que trabalhavam com ela aqui, na beira da praia, pararam. Nessas pontas de ilhas a Florestal proibiu tudo. Se tomar, carrega. É o IBAMA e a Florestal. A Florestal nos castigou muito. Tomou o material de pescador aqui que valia mais de R$20. 000,00. Tomou, prendeu e ainda está respondendo processo e perdeu o direito de botar. Aí, acabou essa pescaria.

[Como ela era?]

Nós colocávamos ela parada. As moitas que seguram ela ficavam lá fora e ela era parada. A moita hoje em dia se chama de galhateira. Essas galhateiras têm de gancho que ficam em baixo.

A Florestal está querendo, mas o pessoal não está obedecendo: se tirar a carteira para pescar um peixe, ele não pode pescar outro. A gente vai lá pra fora para procurar e o que der, pegar. Se ele disser que ele vai pescar dourado, ele só vai pescar dourado e assim por diante. Hoje em dia é muito difícil encontrar garoupa, sumiu tudo. Aqui dava sarda em quantidade nessas beiras de pedra. Hoje em dia não dá nada… Sumiram esses peixes, desapareceram e, a cada tempo que passa as coisas mudam…


[Descreva cada técnica de pesca]

A linha de fundo é o […] que desce de baixo, chumbada. Ali se amarra a linha de um lado e amarra três anzóis para baixo. O peixe quando balança nos anzóis, lá em baixo, acusa lá em cima. […] tinha vezes que estava em lugar diferente e quando batia um peixe diferente, que não era daquele lugar a gente conhecia.

Hoje em dia os caras andam com a sonda, a sonda vai acusando tudo no fundo. O peixe que tem no fundo, que é alto ou baixo, tudo isso é acusado. Antigamente a gente marcava um lugar e passavam cinco, seis anos voltava em cima daquele mesmo lugar. Eu conheci muitos pescadores. Eu peguei um pouco dessa prática. Mas tinha muitos mestres acima de mim, que tinham 30, 40, 50 lugares com marcas diferentes que faziam isso. Levavam anos sem ir a um lugar, o dia que dava para ir naquele lugar eles iam em cima daquele lugar certinho. Isso eu conheci muito.

É uma pescaria que só pesca com aquele material. Quando ele desconhece que tem um perfil maior, algum olho de boi, algum peixe grande que está tomando peixe das linhas, que vai sumindo, aí a pessoa entra com outra linha mais grossa e anzol maior pra pegar aquele peixe. Às vezes é cação, às vezes é […] de meia-água. Tem vários peixes de meia-água. A espada hoje em dia de fartura quando aparece é espada, baiacu e pescadinha. Quando aparece, aparece muita. A espada é perigosa de se trabalhar com ela. O baiacu também não é muito fácil de trabalhar, tem que ter cuidado. A pescadinha não pesca à vontade.

A rede de espera tem gente que chama de rede de malhar. O peixe fica pegado naquela rede. A rede de arrastro, a pessoa cercou o cardume de peixe, joga pra terra e daí leva para o mercado. A rede de fundo é a mesma coisa, quando apanha em quantidade leva para o mercado.

[Descreva a colocação da rede]

A rede de fundo tem o local próprio de se trabalhar com ela porque reconhece o local que não tem pedra. A rede de armar, que dá em beira de pedra, a gente sabe os pontos certos de armar e deixa ela lá. A de arrastro é a de puxar para a praia, e a de fundo puxa para a praia também.

O barco sai, vai lá fora. A boieira vai a uma distância de 100m, 200m , é a maior distância. Tem uma rede aí que toma pé, tem uma rede aí tralhada de doze metros de altura e as outras tem seis, oito metros de altura. Os peixes passam por baixo se ele trabalhar em distância.  Já a rede de fundo lança ela com 400, 500m de distância e ela bate lá em cima d´agua e vai direto para o fundo. Aí vem trabalhando e puxando na praia na hora, não fica lá esperando. Rede de arrastro de fundo não fica esperando, tem evolução. A de armar, de malhar fica vários dias, e todo dia a pessoa mira de manhã e de tarde. Quando nós pescávamos aqui na beira da praia, mirava três vezes por dia.

[o que é exatamente mirar?]

Mirar é puxar a rede da parte que está no fundo, ir puxando e tirando o peixe. Vai mirando, tirando o peixe e largando ela para trás para ela fica no lugar que estava. Vai correndo de uma ponta a outra vendo se tem peixe e ela fica arreada de novo na mesma posição. Costuma ficar dois, três dias, se não deu peixe, tira. Às vezes trás para terra […]. Se a rede está rasgada, remenda, trás para remendar. Ela pode ter os buracos que tiver o camarada tem que remendar tudo.

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