48 anos, escritor, natural de Vitória, reside na Mata da Praia e trabalha no Centro. [29/08/2007]
– Eu vejo esta cidade crescer, modificar-se, e como toda cidade do mundo inteiro passa por um processo de degradação e com tentativas de se revitalizar. Um processo difícil, mas não impossível – um processo dinâmico atrelado às condições econômicas em que ela está inserida, então, a partir de quando grandes bancos, grandes empresas, passam para a Praia do Canto, para a Enseada, você tem uma mudança dessa dinâmica do Centro da cidade, não só aqui, você vê isso em São Paulo, no Rio de Janeiro. Agora essa retomada o futuro vai dizer como ela vai se dar porque o Centro não é mais o pólo. Depende do estado, das empresas, das próprias pessoas, veja, há uns dois anos atrás você comprava um apartamento no Centro por um bom preço, agora a valorização está grande, basta pegar o caderno de imóveis de A Gazeta para sentir.
– Ontem a Prefeitura anunciou uma intervenção urbana no Centro, eles hoje estão pondo tapetes vermelhos em frente às lojas… Intervenção deveria ser muito maior como a retirada desses fios elétricos de iluminação etc.; isso fizeram recentemente na Oscar Freire em São Paulo e Vitória é isso, são duas ruas, uma que vai e uma que vem…
– O comércio por aqui, não sei, não sou consumidor, mas acredito que seja mais barato do que em outros lugares. Vejo todo tipo de gente por aqui, com uma cor morena, para não dizer parda. Essa coisa horrorosa, aqui tem de tudo, uma cidade relativamente limpa, apesar de ter sido mais limpa uns tempos atrás, mas comparada com outras cidades do Brasil, é limpa. Agora essa parte de educação do cidadão tem que repensar, com exceção no bairro de Jardim da Penha, que é uma ilha, bem assim só na praça ou numa ou outra rua. Se você atropelar alguém lá vai ser linchado.
– Eu me sinto seguro andando por aqui, não tenho muito medo. Agora quando dá seis, sete horas da noite o Centro vira um deserto. A gente aqui tem um imaginário que se perdeu, de um casario que se perdeu, que foi destruído pela especulação imobiliária apesar de uns dez, quinze anos atrás estar se tentando recuperar fachadas, conservação de prédios, mas se você comparar com o Rio de Janeiro, que tem um número maior de prédios, comparativamente, lá se preservou muito mais. Aqui gosto muito daquele espaço do Teatro Carlos Gomes, da Curva do Saldanha.
– Muita coisa se perdeu na cidade, as referências, aquele bar Britz, onde tudo acontecia ali, o crescimento diluiu tudo, bem verdade que o Britz terminou antes mesmo de fechar, já não era o mesmo – deve ter durado uns dez anos a mais. É uma dinâmica própria das cidades. Agora é Jardim da Penha, Praia da Costa, mas isso é um fenômeno de todas as cidades brasileiras. Hoje, Jardim da Penha, Praia do Canto, são os pontos principais da atividade cultural, da boemia, e o crescimento dá novas referências, temos agora a televisão, a internet, as pessoas saem menos de casa, tem a questão da violência e as manifestações de hoje são diferentes.
– O povo de Vitória eu acho que não é muito fiel, ele é muito volúvel. Essa coisa de não termos estabelecimentos antigos preservados. O povo é muito novidadeiro, adora o que vem de fora. Antigamente o povo ia até o Rio até pra cortar cabelo, ver show, comprar roupa. Isso mudou e agora o pessoal já usufrui tudo aqui mais pela situação de hoje, global, o Rio já não influencia tanto. E isso de capixaba não dar valor a gente famosa que é daqui, como o Roberto Carlos, por exemplo, mas temos a Elisa [Lucinda] e a Viviane [Mosé]. A Bahia legitimou a sua identidade pro Brasil e pro mundo, isso mais recentemente, e se você considerar tudo trata-se de uma representação simbólica. Outro dia estava em Ipanema, naquelas ruas de dentro, e percebi que são ruas como tantas outras de tantos outros lugares se não houvesse aquela construção de Bossa Nova, Tom Jobim, Vinicius. Você vê a Praia do Canto hoje, ruas do Leblon, etc., é a mesma coisa, lojas, árvores, prédios. Mas você constrói. Lá você tira foto em frente àquele monumento porque ele já esteve na mídia enésimas vezes. Jorge Amado acho que criou um conceito de baiano. Isso que estou falando é inédito, mas ele legitimou aquele jeito de ser baiano. A panela de barro é legitimamente um símbolo nosso, assim como o Convento da Penha já foi por muitos anos. Você tem que reforçar isso, porque as novas gerações não são obrigadas a ter o Convento como símbolo. Isso se constrói e o Convento hoje está fora da mídia.
– Eu acho que o peixe não é o prato do capixaba, assim como não é do brasileiro, pois as pessoas não têm hábito de comer peixe. Elas comem mais é carne e frango e o peixe no restaurante aqui não é barato.
– Neste momento passamos por um caos urbano devido às obras da ponte de Camburi e da Fernando Ferrari, mas geralmente Vitória é limpa, comparando com o Rio, São Paulo, o Nordeste como um todo. Temos diversão em Vitória, tem muita música ao vivo, cinema, mas o ponto negativo são as livrarias, só tem best-sellers. Agora a moda aqui são os cafés. Na Praia do Canto temos uns três cafés que são padrões internacionais com jornais, revistas, mas aqui em Vitória você não vê muita gente lendo não.
– Pelo que já viajei poderia citar como cidade semelhante fisicamente a Vitória é Florianópolis, no Brasil, só que o pessoal aqui é mais moderno, pois lá a turma é mais provinciana e, no mundo, geograficamente, Amsterdam, que tem milhares de bicicletas. Aqui poderia ser assim. Impossível uma cidade que só tem duas ruas viver assim cheia de carros, sem metrô, as pessoas comprando cada vez mais carros. A cidade vai ficar inviável, ela já está inviável. As pessoas têm vergonha de usar transporte público. Vi na TV a entrevista de uma administradora do sistema de transporte público dizendo que aqui as pessoas consideravam esse transporte como coisa de pobre. O entrevistador perdeu a oportunidade de perguntar a ela se ela utilizava transporte público porque, coincidentemente, eu a conheço e tenho certeza de que ela jamais usou transporte público e também o próprio entrevistador não usa. As pessoas podem até ter consciência, mas, entre a consciência e a prática, tem uma distância. O transporte individual em Vitória é uma aberração porque daqui a alguns anos você não vai ter mais condição de andar de carro. Mas sou otimista quanto a Vitória, mas a população tem que mudar seus hábitos, aprender a viver em comunidade.
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