80 anos, professor aposentado, nasceu em Vitória e teve somente duas residências: uma no centro da cidade e outra na Praia do Canto, exatamente no centro do Triângulo das Bermudas. (03.08.2005)
– Eu moro aqui neste paraíso que é o Triângulo das Bermudas. Bem verdade que paraíso pra uns e inferno pra outros. Eu abro a porta e já estou na bagunça, êta beleza. Aqui era quase mangue e cresceu muito. Olha, eu não só gosto de Vitória como eu tenho orgulho de morar m Vitória. Carmélia mesmo dizia que “esta ilha é uma delícia”. Não posso nem falar sobre a qualidade de vida de Vitória, pois eu me acho um privilegiado. Veja, eu sou cercado de tudo aqui, padaria, farmácia, supermercado, essa brincadeira da noite e, desde o tempo em que eu morava no Centro, eu já tinha isso, mesmo que em menor escala. Eu acho que Vitória passa a ser diferente a partir do aterro com a criação dos bairros das Ilhas do Boi e do Frade.
– Os clubes de Vitória acabaram… Tem o Ítalo e o Álvares, mas não é mais a mesma coisa. A vida noturna de Vitória, e olha que eu estou no meio da rua do agito, mas converso com muita gente de fora e o pessoal elogia muito, temos um nível muito bom, muito restaurante bom, muita menina bonita, a mulher capixaba é sensacional, elegante, não perde em nada pra outra, e somos uma ilha que tem um nível cultural até de bom tamanho, temos até um monte de faculdades, isso é importante…
– Agora, a escola pública, te digo com franqueza, fui professor em escola pública a vida toda, a coisa parece que piorou um pouco. Não se nota mais aquela qualidade de ensino. E o esporte entre os estudantes não parece que exista muito, apesar de uma coisa ou outra, como a ginástica, tem um outro se destacando no basquete, veja o Varejão que está na NBA. Mas também não somos massacrados pelos outros estados. Temos até mesmo algum gabarito em relação a outras capitais. O nível cultural é bom, mas essa coisa de teatro, cinema, temos muito pouco. E capixaba às vezes penso que não gosta muito de frequentar museus, exposições, o pessoal vai mesmo é mais pra aparecer. Olha, eu fiz uma excursão à Europa com uns trinta e tantos capixabas, e quando estávamos em Barcelona, na hora de ir a um museu, somente eu e uma amiga nos dispusemos a conhecer a obra de Picasso. O capixaba ainda tá dependendo de uma porção de coisa. Preferiram assistir a uma tourada. O nível ainda é médio entre nós, precisaria talvez de mais estímulo. E tem a proximidade do Rio e São Paulo, que talvez conserte essa falha.
– Tenho notado muita gente de fora morando em Vitória. Eu tenho que ver devido à agitação. E isso talvez ajude a melhorar as coisas. E eu não acho as coisas caras pra eles não. Pra gente é diferente. Agora, você, essa coisa de degustação de vinho, por exemplo, poucas capitais têm isso. É muito bacana isso. E Vitória tá sendo um bom mercado pra restaurantes. Mas a família capixaba mesmo, tomando por base a minha própria, tem como prato básico o arroz, feijão, carne, ovo e uma saladinha. Também não é todo dia que você come uma moqueca. O custo de vida pro capixaba até que anda meio pesado, tanto no vestuário como no carrinho do supermercado, pesa um pouco. Aluguel também é pouco puxado.
– O centro de Vitória pelo menos não caiu, mantém certo nível, as ruas continuam mais ou menos iguais, a cidade é limpa. A [praça] Costa Pereira, por exemplo, você vê aquela movimentação, tudo igual, não perdeu a atividade humana. O lugar que eu achei que caiu um pouquinho, embora pra vista melhorasse, foi o Parque Moscoso. A gente nota que a presença de alguns moradores dos arredores, dos morros, concorre pra que ali ficasse mais perigoso, pra você ficar com as crianças. Mas as ruas de Vitória não são tão perigosas assim como se fala. Eu mesmo nunca vi nada. Eu ando tranquilo pelas ruas. Agora tem gente que reclama e a gente lê bastante nos jornais, mas Vitória é perigosa até certo ponto, mais nos arredores do que propriamente aqui. O que dizem é que os malandros, bandidos, do sul da Bahia, do Rio, vieram pra cá pois acharam mais facilidade. Eu gostaria de ver mais polícia na rua. Não gosto de ver aqueles cavalos. Pra que serve aquilo, meu Deus? Preferiria que houvesse mais módulos, mas com polícia dentro e não vazios como se vê às vezes. É engraçado que você vê várias esquinas sem ninguém e noutras três, quatro policiais conversando, num só ponto.
– Aqui o pessoal mais idoso não sai muito. No Rio, por exemplo, o idoso vai mais pra rua pela necessidade de viver mais as coisas. O capixaba tem isso também, mas nem tanto; o capixaba é hospitaleiro, simpático e mesmo quando converso com o pessoal de fora eles sempre elogiam, nos acham bacanas, inclusive teve uma moça, da África do Sul, que tava passando um tempo aqui, rodou pelo Rio, São Paulo, Belo Horizonte e tudo e ficou aqui em Vitória, preferiu gastar o período ao qual ela tinha direito, ficou seis meses aqui. Ela comentou o calor humano daqui, o ambiente calmo, preferiu aqui. O capixaba é indiferente a certas coisas. Prostituição por exemplo, ele parece que não vê, deixa correr, mesmo porque é muito difícil tomar uma providência quanto a isso. E ele não é preconceituoso, quanto aos homossexuais, por exemplo. Agora aqui tem muita droga, nesta região então, região de classe média alta. Tem uma turminha ai que não tem juízo.
– Eu dirijo ainda e acho que o trânsito aqui é barra pesada. Tem muito carro pro tamanho da cidade e tem muitos irresponsáveis. Não há disciplina. E também o pessoal daqui que não se mobiliza muito. Tem uns dois vereadores atuantes, mas o capixaba não participa muito. Muita gente poderia se incluir mais na movimentação, mas nesse ponto o capixaba é mais preguiçoso.
– Os hospitais aqui estão bem capacitados, uma estrutura, pelo menos pra quem tem um plano de saúde. Tem até um amigo meu que foi a São Paulo fazer uma operação de coração e o médico perguntou de onde ele era e sabendo que era de Vitória perguntou o que ele estava fazendo lá; afinal Vitória tinha bons médicos, uma turma maravilhosa. Temos bons urologistas também, que até troca de sexo eles fazem.
– A mulher capixaba, da nova geração, é bem liberada e vem aí com bastante força. Você vê aqui na minha rua, chega a sexta, tem uma quantidade de meninas relativamente novas, completamente à vontade, livres rodando aí, tem a rua da Lama também. O negócio é pra valer, umas meninas bastante liberadas. E bonitas, graças a Deus.
– Olha, Vitória é bem precária em termos de produtos culturais. Pra comprar só na internet. As lojas daqui priorizam a droga da mídia sem qualidade. Temos uma rádio universitária e por que ela tem que tocar droga? A Universitária tinha que meter na cabeça dos universitários coisa boa. Aqui eles gostam muito de música sertaneja. Agora o nível de nossos músicos é bom. O capixaba poderia ter mais autoestima, mas de um modo geral eles se influenciam muito com a propaganda do Rio, Salvador. Capixaba não conhece sua história. Pergunte a alguém na Praça Oito se sabe quem era Maria Ortiz. O currículo escolar é muito dominado pelo Ministério da Educação. Por que não tem história do Espírito Santo? E nós temos bons artistas hoje e posso citar Milson Henriques e Elisa Lucinda na área de teatro, Zé Lopes como cantor, o Grijó na bateria e o Bruno Mangueira na guitarra, o Marien Calixte e o Sergio Rocio como escritores.
– O que eu mais recomendaria à cidade de Vitória hoje é que o capixaba deva aprender a votar, escolher bem os seus líderes, pois com bons líderes a condição seria melhor. Eu não sou nem nunca fui petista, mas tenho esperança que esse prefeito do PT dê certo.
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