Mário Aristides Freire nasceu em Vitória a 29 de outubro de 1886, filho do professor Aristides Brasiliano de Barcelos Freire e de D. Maria Francisca Freire.[ 1 ] O seu pai era pessoa importante na política, no jornalismo e na intelectualidade espírito-santense nos finais do século XIX e início do seguinte. Aristides Freire era dono do Ateneu Santos Pinto, e foi nele que Mário Freire fez os cursos primário e secundário e ajudou seu pai na instrução de alunos. Dele herdou o gosto pelo jornalismo, mas não enveredou como ele pelas artes do teatro e da poesia. Bacharelou-se em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro em 1908. No ano seguinte casa-se com Ondina Meireles de Figueiredo Rocha, tendo o casal cinco filhos: Ítala, Ilma, Celso, Maurílio e Paulo.
Desde cedo trabalha na Prefeitura do Distrito Federal, onde seguiu brilhante carreira, tendo ocupado as diretorias de Estatística e Arquivo, do Contencioso Fiscal, e do Tesouro, além da chefia de gabinete de diversos prefeitos. Dentre suas iniciativas, podem ser citadas a criação do Museu da Cidade, na Gávea, e a publicação do Livro Tombo da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Nunca se desliga de sua terra natal, pois sempre manteve colaboração regular em periódicos de Vitória, como o Diário da Manhã, Vida Capichaba, A Gazeta e A Tribuna. durante certo tempo usou os pseudônimos de “Marius” e “Ruy Diniz” e colaborou também em diversas publicações do Rio de Janeiro. A partir de 1932, convidado pelo interventor João Punaro Bley para secretário de estado da Fazenda, volta a residir em Vitória. Encontrou “em atraso o pagamento do funcionalismo, dos fornecedores e dos empréstimos do Estado”.
Providenciou para que fossem colocados em dia os salários dos servidores estaduais e as dívidas para com os fornecedores, afora ter resgatado grande parte da dívida externa do estado, fato que o notabilizou. “Interinamente, exerceu por diversas vezes, a interventoria, durante a ausência do interventor Bley”.
Nos anos de 1930 e 1940 participou intensamente da vida intelectual do estado, num período histórico depois denominado de Era Vargas. Ajudou a reerguer o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo – IHGES, e colaborou em eventos como as conferências promovidas pela Prefeitura Municipal de Vitória naqueles anos, o que revela uma atividade em prol dos estudos espírito-santenses. Os tempos eram outros, mais difíceis, de maior contenção econômica e limitações intelectuais; para se ter uma ideia, Vitória ainda não possuía livrarias, nem a universidade. No entanto, e dentro das possibilidades de então, Mário Freire propugnou pela valorização da história capixaba – publica documentos históricos e artigos na Revista do IHGES, por exemplo. Essas e outras ações de sua iniciativa alinhavam-se para formar o que depois se denominou de “identidade capixaba”. Ele era contemporâneo de si mesmo, atualizado para a sua época e, assim, também contribuiu para o tombamento dos primeiros bens espírito-santenses de importância histórica e artística em âmbito nacional – o convento da Penha em Vila Velha, as residências jesuíticas em
Nova Almeida (Serra) e Anchieta, a capela de Santa Luzia em Vitória, etc. O que se soma, de certa forma, à busca daquela determinada (ou incerta?) “identidade capixaba”.
No serviço público do estado do Espírito Santo, além de ser um competente secretário da Fazenda, teve atuação destacada nas altas funções de primeiro presidente do Banco de Crédito Agrícola do Estado do Espírito Santo, atual Banestes. Fez construir a primeira sede própria do banco, à praça Oito de Setembro em Vitória. No início de 1943, nomeado titular da Secretaria do Interior e Justiça, pasta a que esteve subordinado por muitos anos o Arquivo Público, não é difícil entrever a participação do historiador no incentivo às primeiras publicações da entidade: O Catálogo, organizado por Moysés de Medeiros Accioly e editado em 1944; o Livro Tombo da Vila de Nova Almeida, vindo à luz em 1945, e os trabalhos enfeixados numa só obra publicada em 1946, quando Mário Freire já não era mais secretário: Parecer na questão entre o Estado do Espírito Santo e os Banqueiros J. Loste & Cia., de Rui Barbosa; A Ordem de São Bento na Capitania do Espírito Santo, de D. Clemente Maria da Silva-Nigra, e Orquidáceas Novas do Estado do Espírito Santo, de Augusto Ruschi.
Por volta de 1945, Mário Freire retorna definitivamente ao Rio de Janeiro. Depois de aposentado pela Prefeitura do Distrito Federal, exerceu a advocacia em companhia de seu filho, Paulo Rocha Freire, até poucos dias antes de falecer, em 5 de janeiro de 1968, naquela cidade.[ 2 ]
A trajetória deste projeto foi acidentada, com longas interrupções desde 2001, e não tivemos oportunidade de consultar a correspondência ativa e passiva de Mário Freire, e as diversas obras por ele compulsadas e que compõem o acervo do Setor de Coleções Especiais da Biblioteca Central da Ufes. Assim, não conseguimos realizar, como pretendíamos inicialmente, uma edição crítica desta obra; isto é, estabelecer até que ponto as aproximações tentadas por Mário Freire em relação ao seu objeto de estudo, o Espírito Santo colonial, ainda possuem validade, e em que aspectos elas foram superadas pelos avanços historiográficos. Como tal estudo não pôde ser feito, convidamos o especialista interessado a empreendê-lo. Também não encetamos uma pesquisa sobre a possível existência de uma “fortuna crítica” do texto. Mas é fora de dúvida que muitos pesquisadores que abordaram a história do período colonial no Espírito Santo se valeram deste livro.
O trabalho de Mário Aristides Freire como historiador foi realizado a partir de suas colaborações como articulista em diversos periódicos – chegou à história por meio do jornalismo. Devido provavelmente à sua modéstia, Mário Freire somente publicou em vida duas obras: A República no Espírito Santo, que saiu em 1939 como separata do número XII da Revista do IHGES, e esta que vem a ser agora reeditada. Os seus interesses intelectuais não se limitavam à história, mas compreendiam o direito, a educação, a geografia e a estatística. No âmbito da ciência histórica, também pesquisou e publicou muitas crônicas sobre a cidade do Rio de Janeiro. Mas o maior empenho do autor era com sua terra natal e com tudo o que lhe dissesse respeito. Essa forma de entranhado amor ao estado, no momento presente tão necessitado de atitudes como essa, o fazia esquadrinhar nas obras que consultava as possíveis menções ao Espírito Santo. Trabalhava com fontes primárias e secundárias, geralmente impressas, pois utilizava muito pouco os documentos de arquivo em seu estado original. Ele quase não ia aos arquivos; os arquivos é que chegavam até ele por meio das publicações, numa antecipação da realidade que já vivemos nessa era da Internet. Em torno de si reuniu uma preciosa coleção de documentos, publicações e fotografias raras sobre o estado, e era muito solicitado por todos que pesquisavam a história do Espírito Santo. Nos livros que lhe pertenciam, anotava com sua letra miúda e regular observações pertinentes, depois aproveitadas em novos estudos e pesquisas.
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NOTAS
[ 1 ] Diversas informações sobre a biografia de Mário Freire foram obtidas de um escrito intitulado “Vida de Mário Freire” existente no Setor de Coleções Especiais da Biblioteca Central da Ufes e elaborado por um seu descendente, como tudo leva a crer.
[ACHIAMÉ, Fernando. O sistema colonial e a “boa tradição”. In FREIRE, Mário Aristides. A capitania do Espírito Santo: Crônicas da vida capixaba no tempo dos capitães-mores – 1535-1822. 2.ed. Vitória: Cultural-ES; Flor & Cultura, 2006, p. 15-17.]
Há de se notar grande semelhança de Ney Freire Corrêa com Mario Freire.