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Memória estatística da província do Espírito Santo escrita no ano de 1828

Vitória, 1860. Foto de Jean Victor Frond.
Vitória, 1860. Foto de Jean Victor Frond.

Autor: Inácio Acióli de Vasconcelos

Edição de Texto, Estudo e Notas: Fernando Achiamé
Les meprises d’un impartial excitent une
discussion d’où sortira la lumière de la vérité

PROVÍNCIA DO ESPÍRITO SANTO

1. Limites

A província do Espírito Santo, compreendida entre os rios Itabapoana e São Mateus nas latitudes austrais 21° 23′ e 18° 45′, contém, com pouca diferença, cinqüenta léguas[ 1 ] de costa de mar, que a limita pelo leste; é separada da província de Minas Gerais por uma linha de norte a sul entre os rios Guandu e Manhuaçu, uns dos que engrandecem o rio Doce. A primeira divisão e demarcação da província principiou na ponta austral do rio Mucuri até Santa Catarina das Mós, meia légua ao sul do rio Itabapoana, compreensão da carta de doação do Senhor D. João III a Vasco Fernandes Coutinho em 1525 pelos seus serviços feitos na Índia. Foi possuída pelos seus descendentes até que o Senhor D. João V a comprou a Cosme de Moura Rolim por escritura de 6 de abril de 1718, a quem pertenceu por sentença da Relação[ 2 ] da Bahia pelo falecimento do donatário Manuel Garcia Pimentel.

Por auto, celebrado em 8 de outubro de 1800, de acordo entre os governadores de Minas e desta província se regulou os limites dela pelo rio Doce e pela dita linha de norte a sul que passa pelo sertão entre ambas as províncias, o que foi aprovado por carta régia de 4 de dezembro de 1816; ignora-se, porém, a longitude desta dita linha.

Por portaria de 10 de abril de 1823 da Secretaria dos Negócios do Império ficou pertencendo São Mateus a esta província até a decisão da Assembléia, estando desligada [da província da Bahia] pela dita carta régia.

2. Atmosfera

A sua atmosfera podia passar por saudável se não aparecessem na primavera e outono febres de diferentes caracteres[ 3 ] , cuja causa se pode atribuir aos muitos lagos, ao alimento salgado, e às matas vizinhas que contornam as povoações, o que em parte se podia corrigir com esgoto daqueles e decote destas. O máximo de calor e frio nos quatro anos mais próximos não tem excedido a 88° e 63° do termômetro de Fahrenheit na cidade da Vitória, capital da província. Os ventos dominantes desde março até setembro são sul, sueste e su-sueste, e desde setembro até março são norte, nordeste e leste com algumas variações para outros quadrantes, sendo os mais prejudiciais em toda a costa [os ventos] sueste, leste e su-sueste chamados travessia[ 4 ] pelos marítimos, sendo os do mar úmidos e frios e os outros pelo contrário. As marés têm o seu máximo e mínimo nos meses de março e agosto, e a sua elevação seis para sete palmos. As geadas e neblinas são raríssimas, e de mui poucas horas, e só aparecem nas vizinhanças das montanhas com os ventos sul e leste nos meses de junho e julho. A seis para sete anos a esta parte rara é a trovoada, tendo sido, aliás, mui freqüentes. As chuvas quase têm faltado nos anos desde 1820 até 1826, o que fez tornar em pastagens o que antes eram terrenos impraticáveis, e secou regatos, aliás, em outros tempos perenes; ignoram-se as causas, sendo certo ser uma delas as contínuas derribadas de matos virgens, deixando os montes escalvados.[ 5 ] Os tempos das chuvas eram desde setembro até dezembro, mas em 1827 parece ter passado de outubro para janeiro.

3. Aspecto do país

É montanhoso, desigual, alto, cortado de rios, o terreno em geral é argiloso e areento sobre pedra quartzosa[ 6 ] e micácea,[ 7 ] oca e cascalho; [os solos são] úmidos e leves enquanto novos, mas compactos e secos depois de trabalhados e estragados pelos fogos, do qual método se não afastam. A grossura média da terra vegetal é quatro palmos.


4. Serras e montes

A costa toda da província é acompanhada por uma cordilheira de montanhas, de que como espinha dorsal fazem de vértebras todas as mais, havendo, contudo, isoladas como a serra do Mestre Álvaro, utilíssima aos navegantes por ter a propriedade de apresentar por todos os lados o mesmo aspecto, o monte Moreno, a Penha e outros muitos. Esta cordilheira se aproxima mais a Guarapari que a outro ponto da costa, e dela distará talvez oito léguas. Não consta que curioso algum investigasse a altura de algum deles, à exceção do da Penha que está acima do nível do mar 100 varas.[ 8 ] São raras as montanhas descobertas, suposto que todas em geral são riquíssimas de pedras, e talvez bem preciosas, como a serra das Esmeraldas, de que ninguém do país[ 9 ] dá notícia, mas que de fato existem. As que são cobertas e ainda incultas possuem excelentes madeiras de construção.

5. Fontes

A pouca cultura da província por pessoas de instrução tem, sem dúvida, obstado ao conhecimento das fontes e da natureza de suas águas. De maneira que apenas consta por tradição que em uma fazenda denominada Santana, pouco mais de légua distante da Cidade,[ 10 ] há um pequeno regato de águas férreas, tais asseveradas pelo ex-governador, o ilustríssimo Antônio Pires da Silva Pontes, sendo comuns as de que se servem os habitantes. A cidade da Vitória contém três: a da Capixaba, a Fonte Grande e a da Lapa, pequenos regatos que vertem entre morros contíguos, aproveitados por canos que rematam em chafarizes, mas tão pobres em tempo seco que têm chegado os moradores a mandá-las buscar em canoas no rio Marinho, quarto de légua distante da Cidade. Os mais habitantes das vilas e povoações ou se servem dos rios e regatos contíguos ou de fontes denominadas cacimbas. As águas da cidade passam por boas, não obstante principiarem ao terceiro dia de guardadas a alterarem-se, adquirindo um gosto aluminoso[ 11 ] ou nitroso.

6. Rios

A província é toda cortada de rios, em geral piscosos em abundância, tendo as suas vertentes pelos sertões de Minas e desaguando ao mar, onde tomam os nomes seguintes principiando da parte do sul.

Itapaboana – vindo da serra do Pico ou dos Guarulhos perto de Muriaé, é na sua barra de três a nove palmos[ 12 ] no máximo baixa-mar e preamar; seu fundo e margens areentas e variáveis e de largura na barra de 24 braças;[ 13 ] para cima tem mais largura e fundo, e corre de oeste a leste.

Itapemirim – formado dos rios do Castelo e Muqui, é na sua barra de 4 a 11 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar; seu fundo e margem esquerda de areia e a direita de pedra, de largura na barra de seis a sete braças, tem para cima mais largura e fundo.

Piúma – formado pelo Piúma propriamente e rio Iconha; é na sua barra de natureza do Itabapoana, é célebre pelas ilhas que tem fora da barra, que abrigam com todos os ventos todos os navios de porte; as suas matas contêm excelentes madeiras de construção e sem moradores, e por isso próprias para uma colônia.

Benevente – é na sua barra de 5 a 10 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar; sua margem direita de pedra, a esquerda de areia dura e seu fundo de lama e areia solta, a sua largura dezoito braças; corre de oeste a leste e é formado dos rios Três Barras, Pongal e Quatinga.

Guarapari – é na sua barra de 34 a 40 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar; margem de pedras e fundo de areia, de largura de trinta e cinco braças, corre de nordeste a sudoeste.

Perocão – de 3 a 9 palmos na sua barra no seu máximo baixa-mar e preamar, de largura de quatro braças, fundo e margem de areia, quinhentas braças acima tem uma ponte de madeira sobre pegões[ 14 ] de pedra e cal.

Jucu – tem a sua barra de 3 a 10 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar, de largura de quatro braças, fundo e margens de pedra, e cinqüenta braças acima tem muito maior largura e fundo; sempre tem tido ponte de madeira, mas atualmente está desconsertada.

Espírito Santo[ 15 ] – braço de mar, é um dardanelo[ 16 ] até a cidade da Vitória distante uma légua da sua barra, que tem de fundo 17 a 24 palmos no seu baixa-mar e preamar; recebe as águas do rio Santa Maria que é formado dos rios Mangaraí, Caioaba, Curubixá Mirim e Açu, São Miguel, Tauá e Jaculû, e as águas do Cariacica, e um braço do rio Jucu que é formado dos rios Tanque, Santo Agostinho, Pimentas, Manducongo e Araçatiba.

Rio da Passagem – braço de mar com ponte de pegões de pedra e cal e madeira sobreposta, de largura de vinte braças que com o rio Espírito Santo forma a ilha onde está a capital da província.

Jacaraípe – pequeno rio cuja barra se seca todas as vezes que há falta d’águas, ou ventos do mar que a entulhem d’areias, mas navegável para o sertão por espaço de cinco léguas.

Nova Almeida – recebe o rio Sauanha, é de 10 a 16 palmos de fundo na sua barra no máximo baixa-mar e preamar, margem e fundo d’areia, de largura de 25 braças, corre de sudoeste a nordeste, acima tem mais largura e fundo.

Aldeia Velha – de largura de 90 braças, de 10 a 16 palmos de fundo na sua barra no máximo baixa-mar e preamar, fundo e margem de areia, e corre de oeste a leste, e é formado do Piraquê-açu e Piraquê-mirim, da esquerda e margem direita.

Riacho – formado do pequeno rio Comboios e das lagoas seguidas e continuadas do Campo do Riacho, de Aguiar e de Anadia, tem a sua barra de 3 a 8 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar, margens e fundo de areias e pedras, de largura de quatro braças, corre de oeste a leste.

Rio Doce – de largura de um quarto de légua pouco mais ou menos na sua barra, e de 16 a 20 palmos no seu máximo baixa-mar e preamar, de muita velocidade, de margens de areia e fundo de areia e lama, cheio de baixios e ilhas acima da barra, corre de oeste a leste, recebendo da parte direita as águas dos rios Preto, Anadia, Santa Joana, rio d’Alva, e da parte esquerda dos rios Juparanã, Juparanã-mirim, Pancas, Santo Antônio, São João e Mutum, ficando todos do Porto de Souza para baixo, [local situado a] vinte léguas da barra e daí para cima recebe as águas de outros rios como Manhuaçu, Guandu no território desta província, o ribeirão do Carmo, etc. da província de Minas.

Barra Seca – pequeno rio que nasce no rio Mariricu, um dos que deságuam em São Mateus, e da mesma natureza do Jacaraípe respeito à barra.

São Mateus – formado do rio Mariricu, que vem da lagoa Juparanã, e dos rios Itaúnas, São Domingos e Santana, sendo o primeiro da parte direita; tem na sua barra 6 a 12 palmos d’água no máximo baixa-mar e preamar, margens e fundo de areia, e mudável o seu canal de largura de seis braças; a largura do rio é de 25 braças, e corre do oeste a leste.

Cada um destes rios, nos quais nada tem a arte feito em benefício seu, serão talvez formados por muitos outros, cujo número, situação e nomes se ignoram, bem como os seus produtos pouco ou nada explorados até esta época.

7. Portos e enseadas

Todos os rios acima oferecem portos de desembarque mais ou menos consideráveis em razão do fundo das suas barras, havendo nalgumas delas enseadas, bem como a enseada de Itapemirim cheia de baixios e pedras; de Piúma excelente abrigo para todas as embarcações e com todos os ventos; a de Benevente de pouco fundo; a de Guarapari não abrigada, mas de bom fundo para entrar a barra, excetuando de noite, pelo que se verá no número oito; a de Perocão inabrigável[ 17 ] pelas pedras ocultas e baixios; a de Nova Almeida de baixios e pouco fundo; a de Aldeia Velha de bom fundo, mas de pedras e baixios; a do rio Doce, de nome Concha, boa para fundear toda a qualidade de barcos, mas com bonança ou nordeste; a de São Mateus de bom fundo, onde se espera para entrar ventos ou enchentes.[ 18 ]

Há além destas as seguintes enseadas: a de Itabapoana, três léguas ao norte da barra deste rio, espaçosa, mas de baixios e pedras, podendo fundear quaisquer barcos na distância de duas léguas da praia; a de Ubu, duas léguas ao norte de Benevente, insignificante e de pouco fundo; a de Meaípe duas léguas ao sul de Guarapari, mas de pouco fundo e inabrigável com vento sul; a de Una duas léguas ao norte de Guarapari e a da Ponta da Fruta quatro léguas; a da Costa meia légua ao sul do Espírito Santo; a de Piraém uma légua ao norte do Espírito Santo; a de Carapebus duas léguas; a de Jacaraípe cinco; a de Capuba seis léguas ao norte do Espírito Santo; a de Flecheiras uma légua ao norte de Nova Almeida — são todas insignificantes por cheias de baixios e pedras. Em geral, todas as enseadas acima se não podem demandar sem risco, sem prático[ 19 ] delas.

Tábua das Latitudes e Longitudes dos Lugares mais Notáveis da Costa da 
Província do Espírito Santo referidas ao Meridiano da Capital do Império do Brasil

Lugares Latitude Sul Longitude a Leste
Barra de Campos 21° 35′ 40″ 2° 26′ 55″
Riacho Guaxindiba 21° 35′ 00″
Santa Catarina das Mós 21° 24′
Barra de Itabapoana 21° 23′
Barra do Siri 21° 13′
Barra de Itapemirim 21° 10′ 30″ 2° 31′ 45″
Ilha do Francês 21° 07′ 30″ 2° 31′ 45″
Barra de Piúma 21° 00′ 00″
Barra de Benevente 20° 56″ 00″ 2° 35′ 25″
Barra de Guarapari 20° 45′ 2° 39′ 25″
Barra de Perocão 20° 50′ 00″ 2° 39′ 55″
Ponta da Fruta 20° 28′ 00″ 2° 43′ 55″
Barra do Espírito Santo 20° 10′ 00″ 2° 42′ 25″
Colégio da Cidade da Vitória 20° 17′ 2° 42′ 25″
Ponta do Tagano 19° 52′ 2° 44′ 25″
Barra de Almeida 19° 49′ 30″ 2° 41′ 45″
Barra de Aldeia Velha 19° 43′ 2° 42′ 05″
Rio Doce 19° 30′ 2° 40′ 45″
Barra Seca 19° 09′ 30″ 2° 40′ 45″
São Mateus 18° 45′ 2° 40′ 45″



8. Ilhas

Em Itapemirim há duas ilhas fora da barra, uma denominada dos Ovos fronteira a ela, e outra denominada Escalvada ao norte dela. Três léguas ao norte do rio Itabapoana, meia légua distante da praia, há a ilha das Andorinhas, pequena, mas agricultada pelo destacamento das Barreiras, que está defronte aquartelado. Neste lugar constantemente aparecia gentio e fazia estrago nos passageiros, o que se corrigiu com este destacamento, do qual saem dois soldados armados a encontrar com quem avistam, tanto de uma parte como de outra, e o acompanham até ficar livre de perigo.

Piúma tem duas ilhas defronte da barra, e a ilha do Francês ao sul dela. Esta ilha continha um poço natural e de mui boa água, e foi mandada atulhar em 1827 pelo Comandante de Itapemirim por se terem dela servido os piratas que infestaram a costa este ano. Guarapari tem a Rasa, Escalvada, outra à terra dela de nome Raposa, e duas pedras alagadas que se descobrem com a maré ao nordeste da Escalvada denominadas Feiticeiras, por causa das quais se não pode à noite demandar este porto. Perocão, ao norte, tem três ilhas e muitas pedras descobertas. Jucu tem uma ilha a leste da barra e entre esta e a barra do Espírito Santo existem as seguintes: Tanguetá, Itatiaia, Pitauã, Jorge Fernandes e Pacotes. O Espírito Santo tem as ilhas do Boi e dos Frades e pelo rio acima se encontram várias; a dos Frades é agricultada. Nova Almeida tem quatro ilhas defronte da barra; a que está à terra se denomina Raposa e as outras mais ao mar, Três Irmãos. Todas estas ilhas são inabitadas[ 20 ] e de pouca consideração pela sua grandeza e produtos, sendo a maior parte de pedras e não produzindo mais que pequenas matas, cardos e musgos.

9. Lagos e pântanos

Sendo os lugares cultos[ 21 ] da província a costa do mar, de que talvez se não tenham apartado os moradores três léguas, e pelas margens do rio acima quando muito em alguns lugares dez léguas, só se conhecem os lagos que nestes sítios estão, e são os seguintes. Lagoa Salgada ao sul de Itabapoana, junto ao mesmo rio. Morobá, duas léguas ao norte de Itabapoana, junto ao mar. Tabua, meia légua ao norte de Morobá. Tiririca, meia légua ao norte de Tabua. Cocolocage, quarto de légua ao norte de Tiririca. Campinho, quarto de légua distante da Cocolocage ao norte. Siri, quarto de légua distante do Campinho ao norte. Lagoa d’Anta, perto de meia légua do Siri para o norte. Lagoa Funda, quarto de légua distante da antecedente da parte do norte. Piabanha, meia légua ao norte de Itapemirim. Iriri, meia légua ao norte de Piúma. Maimbá, duas léguas ao norte de Benevente. Abaí, meia légua ao norte de Maimbá. Lagoa de Meaípe, quarto de légua ao norte de Abaí. Graçaí, meia légua ao norte de Meaípe. Lagoa do Campo do Riacho, quatro léguas ao norte de Aldeia Velha, e duas distante do mar; esta se comunica com a lagoa de Aguiar, meia légua para o oeste. Juparanã, sete léguas distante do mar e uma do rio Doce da parte do norte é a mais célebre pela sua grandeza, que tem pelo menos uma légua e meia de diâmetro. Juparanã-mirim, distante desta três léguas [para o lado contrário] do mar e contígua ao rio Doce. Lagoa de Aviz, meia légua ao norte do rio Doce, e oito distante da barra. Lagoa dos Patos, na mesma margem e para o mar distante da antecedente um quarto de légua. Juparanã da Praia, contígua ao mar e duas léguas ao norte do rio Doce.

Todos estes lagos abundam de peixe e nunca secam; é bem provável que pelo interior não haja poucos, os quais inda são desconhecidos, sendo todos acima de água comum, à exceção de Juparanã, que se diz conter muito antimônio.

Não há pântanos memoráveis mais que algumas pequenas margens destas lagoas; há porém alguns lugares paludosos em terrenos tão balofos que qualquer corpo, entrando neles de súbito, quase desaparece; tais são as vertentes do rio Mariricu e rio Preto, e a margem do meio-dia[ 22 ] da lagoa Juparanã. Em geral, há imensos brejos pelas margens dos rios e lagoas e entre montes, que produzem juncos, tabuas, lírios e tiriricas, em algumas das margens, dos quais se fazem belas plantações de arroz. Nas margens do mar tais brejos estão cheios de mangues de diferentes qualidades.

Com bem pouco trabalho se podiam tornar estes terrenos excelentes para as lavouras e criação, o que se não faz ou por indolência, ou pela abundância de terras.

10. Planícies baldios e matas

Bem como as montanhas, possui também a província muitas planícies, sendo em geral as margens dos rios tão próprias para a agricultura como para a criação, mas as mais notáveis pela sua extensão são as seguintes. A Muribeca, de nove léguas de costa de mar e seis de largo mais ou menos, pertencente à fazenda do mesmo nome junto ao rio Itabapoana. Campo da vila do Espírito Santo,[ 23 ] baldio de duas léguas de extensão em comprimento e uma de largura, de que se servem os moradores vizinhos para a criação. Carapina, distrito da Cidade, tem um baldio de três léguas de extensão e uma de largura, de que se servem os moradores contíguos para criação. Desde o rio Doce até São Mateus há um baldio de vinte léguas, de imenso gado montado,[ 24 ] nenhuma parte dele é empregada em cultura nem criação; o Marquês de Baependi aqui possui uma sesmaria de três léguas que as houve por compra. O Campo do Riacho possui um baldio de duas léguas em quadra, de que se servem os índios tanto para plantações como criação.

À exceção do que está descrito, quase tudo o mais são matas virgens, e riquíssimas em madeiras de toda a qualidade e de outros mil produtos incógnitos até esta época, e só habitadas por feras e selvagens. [Como] muitos anos de esforço por hábeis naturalistas não seriam suficientes para a completa descrição dos produtos vegetais, referirei das madeiras indígenas as mais triviais, e geralmente conhecidas no país. Madeiras de construção da ribeira: sucupira, maraçanatiba, grapiapunha, jataí-peba, caubi, pequi, guaiti, sapucaia-mirim, guanandi-carvalho, sobro, peroba, amarelo, tapinhoã, canela, araribá, angelim, cerejeira, sapucaia-açu e camará. Madeiras de construção de edifícios civis: inhuíba de rego, dito[ 25 ] pimenta, dito cheirosa, dito funcho, dito canela, dito tapinhoã, cedro, guaticica, guarabu-roxo, dito mirim, imbiriba, ubatinga, caingá, bicuíba, paraju, maçaranduba, arariba, caixeta, jequitibá, ouri, taicica-roxa, ubapeba, pequiá de duas qualidades, ipê, paratudo, ingá, óleo, cubixá, aderno, faia, guaraná, pimentinha, brasil, tatagiba, vinhático, roxinho, jacarandás de diferentes qualidades, jiriquitim, louro, guarabu-açu semelhante ao sebastião-arruda, [mas que] em lugar de vermelho tem as ondas sobre-escuras.


11. Sesmarias

O governo, por carta régia de 17 de janeiro de 1814, é autorizado para conceder sesmarias[ 26 ] e, com efeito, as tem concedido [em número de] cento e setenta e quatro, sendo cada uma de meia légua quadrada[ 27 ] (excetuando algumas) das quais a maior parte não está nem cultivada, nem confirmada,[ 28 ] pertencendo todas a súditos brasileiros.

No rio Doce e margens de Juparanã estão concedidas oitenta e duas, das quais apenas são cultivadas duas, e nenhuma confirmada. Em Monsarás há duas não confirmadas. Em Aldeia Velha, compreendendo a povoação do Riacho e Nova Almeida, há uma toda cultivada de doze léguas [de comprimento] e seis de fundo pelo sertão, concedida a 6 de novembro de 1610 pelo donatário Manuel Garcia Pimentel aos índios destas aldeias, confirmada pelo alvará de 2 de janeiro de 1759; há dentro desta uma de meia légua concedida pelo governo em razão de não estar por eles cultivada, a qual inda não está nem cultivada, nem confirmada. Na freguesia da Serra há sete cultivadas, mas uma só confirmada. No termo da Cidade há quatorze cultivadas, mas só quatro confirmadas.

Na povoação de Viana, à esquerda do rio Santo Agostinho, há cinqüenta [sesmarias] de 112 braças de testada e 500 de fundo cada uma concedida pelo governo em 1812 aos colonos vindos das ilhas dos Açores por ordem da polícia de 17 de novembro daquele ano, as quais são cultivadas e confirmadas; há mais seis não confirmadas, porém cultivadas, pertencentes aos descendentes dos mesmos.

Em Guarapari há uma só cultivada, mas não confirmada. Em Benevente[ 29 ] há dez cultivadas, e destas só duas confirmadas. Em Itapemirim há seis cultivadas, e destas só três confirmadas. Na Estrada de Minas há uma só, de quarto de légua, cultivada e não confirmada.

O cumprimento exato das leis relativas a sesmarias talvez pusesse a maior parte delas em mãos de quem as trabalhasse e cultivasse.

Há na província porções de território denominados indivisos,[ 30 ] isto é, terrenos em que muitos têm posse sem saberem o quantum nem o ubi,[ 31 ] mas as porções lavradas deles lhes pertencem particularmente, e só as perdem passando 10 anos sem as cultivar. Desta sorte cada um dos possuidores procura lavrar muitas terras para lhes chamar suas, e com elas crescendo a ambição, e não podendo cultivar tantas, se tornam capoeiras; outro as roça com o mesmo intento — eis a origem das demandas em que se despedaçam, puxando cada um todas as pontas, que lhe subministra[ 32 ] a sua ambição e a chicana[ 33 ] ordinária. O meio de evitar tais pleitos era demarcar e dividir o indiviso na proporção do que cada um tem nele. Esta divisão não pode ser feita por juízes leigos, e só o poderia ser sendo geômetra, e por isso seria bom haver para este fim um juízo privativo, para que tais divisões se fizessem de modo que cada um tivesse igual parte nas vantagens, inconvenientes e desigualdade das terras, e no bem ou mal que produzem, sendo preciso que em terras variáveis e sujeitas a inundações as porções desiguais em quantidade difiram em qualidade: uma braça de terra, por exemplo, que produz 100 por 1 equivale a duas que produzam 50 por 1. Por tal juízo se devem fazer as medições, e não se confiar em simples pilotos[ 34 ] e infiéis bússolas e cordas.[ 35 ] Seria também muito bom que ninguém chamasse sua certa porção de terras sem ter a planta delas, registrada no mesmo juízo onde se notariam as vendas e compras; e da reunião destas cópias se formaria exata e insensivelmente a topografia do país. Para se fazer alguma idéia basta dizer que o indiviso que pertence a vários, fuão[ 36 ] tem 1$000 réis[ 37 ] e fuão tem 16$000 réis, e outro tem igual, maior ou menor parte, e com igual direito; ignora-se se em outras províncias do Império acontece o mesmo. Os indivisos mais notáveis são os seguintes: Campo Grande de 4 léguas quadradas com pouca diferença, Carapina e Laranjeiras 3 quadradas, Costa da Praia 2 léguas quadradas, Curipé e Mulundu duas quadradas, e quase todo o terreno da ilha da Vitória que contém ¾ de légua quadrada.

Além das terras ditas há as fazendas do Conde de Vila Nova de São José junto ao rio de Guarapari de 4 léguas de costa de mar; a Muribeca de 9 léguas de costa de mar e 8 de fundo; a fazenda dos Falcões denominada Araçatiba, de 2 léguas quadradas à margem do Jucu e a fazenda Jacaruaba de 2 e ½ léguas de comprimento e 2 de largura, que foram dos extintos jesuítas, e provavelmente concedidas pelos donatários, como sempre o fizeram, dando, aforando e vendendo como lhes convinha qualquer parte do território e marinhas.

As câmaras se arrogaram o direito de conceder foros sem princípio ou motivo, mas este procedimento foi mandado obstar pelo governo.


12. Agricultura

É a agricultura em que se emprega a mor parte dos habitantes da província, onde com preferência se cultiva a cana-de-açúcar, mandioca, algodão, milho, café, feijão e arroz; o único meio de preparar as terras para este fim é roçar, derribar, queimar, depois de secas suficientemente, e plantar.

Preferem-se as terras baixas e alagadiças para arroz, e matos virgens para mandioca, porque nestes são mais volumosas as raízes e se conservam mais tempo incorruptíveis quando a falta de tempo não lhes permite colher no próprio, além de que em matos virgens se faz até três plantações sem incômodo das formigas, que em terra velha não deixa vicejar a planta; quanto para as mais plantações todo o terreno é bom, com pouca diferença.

O valor das terras é mui variável e dependente do seu estado, da sua posição e do seu benefício, podendo-se computar em 500$000 réis uma sesmaria de meia légua quadrada. As primeiras plantações se fazem de março até abril, e as segundas de setembro até outubro, não esquecendo a lua nova que muitos querem que influa nelas. A sua colheita se faz sem a menor arte.

Os transportes se fazem em carros com bois, em cargas com animais cavalares e a maior parte se transporta em canoas símplices.[ 38 ]

Os instrumentos de que se servem para as plantações são enxadas, foices, facões e machados.

Os agrícolas pouco ou nada se empregam em plantas alimentárias; sem embargo fazem alguns mais curiosos suas plantações de abóboras, alfaces, batatas, couves, ervilhas, favas, mostardas, inhames, repolhos, pepinos, melões, melancias, ananases, mandubis,[ 39 ] gergelins, bananeiras de árvores frutíferas, laranjeiras, limeiras, limoeiros, cidreiras e figueiras, mangueiras, jaqueiras, romeiras, tamarindos, coqueiros de diferentes qualidades, sendo espontâneas as goiabeiras e cajueiros, agriões, beldroegas, bredos, serralhas e erva-moura.

Acham-se também muitas plantas medicinais como artemísia, alecrim, arruda, malvas, avenca, babosa, alfazema, mechoacão ou batata-de-purga, boas-noites, salsaparrilha, cardo-santo, cocleária, mastruço, chicória, dormideira, endro, saião, feto-macho, grama, erva-de-bicho ou cataia, erva-capitão, lírio-de-florença, quina, labaça-aguda, língua-de-vaca, orjevão, parietária, sabugueiro, salsa-da-praia, tanchagem, trevo-azedo, balsameira, almecegueira, fedegoso, pau-de-óleo, pariparoba ou capeba, poaia, joanésia, copaibeira, bicuíba, pinhão-purgante, jandiroba-oleoso, fumo-bravo ou saçoaiá ou erva-colégio, mentrasto, maririçó, cordão-de-frade, bucha-dos-paulistas; especiarias como a alfavaca, alhos, manjeronas, baunilha, salsa, cebolas, coentro, erva-doce, gengibre, hortelã, pimentas de todas as qualidades, pau-cravo, cuja casca tem o próprio aroma de cravo-da-índia.

Também se acham em algumas hortas as flores boninas, bem-me-queres, malmequeres, saudades, cravos, cravelins, cravos-de-defunto, esporas, jasmins, girassol, melindres, perpétuas, rosas cheirosas e da índia, suspiros, angélica, sensitivas, açucenas e alecrim.

Também se acham tinturarias como açafrão e casca de arariba que produzem escarlate com pedra-ume; urucum e a casca de aroeira, que produzem vermelho; tatagiba que produz amarelo; guaraúna, cujo cozimento é preto; pacoba que produz roxo; pau-brasil e casca do ingá que produzem vermelho; casca de sapucaia-mirim que faz roxo, e com lama faz preto; fruta do pau-ferro que é talvez a verdadeira noz-de-galha; o anil, que já aqui se fabricou muito e se desusou este ramo de comércio porque houve anos em que as folhas foram todas estragadas por nova espécie de insetos, que talvez agora não apareçam; um arbusto no Porto de Souza cuja maceração das folhas produz lindíssimo roxo, não se lhe sabe o nome e nem se descreve por falta de tempo, e não se achar com prontidão que se deseja.

Também se encontram plantas venenosas como o tingui, tipi, oficial-de-sala, esponja, aqui chamada coronha-triste[ 40 ] e outras muitas.

As de fiação são as seguintes: algodão, tucum, gravatá e piteira. O tempo de florescência é em setembro e da maturação, abril e maio. Viveiros de plantas unicamente se faz para café, que desta província não é o melhor, e de fumo, que também se cultiva no país, sendo tão pouco que é gênero que inda se importa. São nocivas às plantações a paca, o caititu, a cotia, os porcos-do-mato, os guaxinins, a maitaca, a nandaia, o papa-juá, que comem as espigas de milho e algodão antes de sazonado,[ 41 ] o grumará e a rola que arrancam o grão do milho e do arroz quando começa a nascer, o papa-arroz que o come desde que começa a granizar,[ 42 ] as lagartas de diferentes cores, a formiga, que é imensa, o grilo, o tortulho, que debaixo da terra se transforma em inseto e come a raiz das plantas, o gorgulho, de nome provisório, de figura de um percevejo preto que se cria no feijão e o arrasa, e finalmente a broca que fura todo o pau. Ora, estes inimigos, o sistema de queimar as terras depois de escalvadas, a nenhuma arte de adubá-las faz que seja módico o rendimento da lavoura que já seria nulo se não houvesse ainda muitas matas a derribar e queimar, isto é, para estragá-las.

Não há estabelecimento algum de agricultura e coudelaria.[ 43 ]

O milho produz 50 por um alqueire[ 44 ] e custa em termo médio 440. O arroz 100 por um alqueire que custa a 320. O feijão 40 por um alqueire que custa 1$200, e o algodão 25 por uma arroba[ 45 ] que custa 960 réis. O arroz se planta com palmo e meio de intervalo, o feijão com três palmos, o milho com cinco e o algodão com seis; donde se vê que há desvantagem em plantar algodão, mas é compensada porque quando se planta o milho ou feijão, se planta o algodão, e este fica quando algum daqueles se colhe. A braça quadrada dá nove covas de mandioca; dezesseis covas dão um alqueire. Um carro de cana caiana plantada dá vinte e cinco carros; cada carro de cana dá duas arrobas de açúcar. Um carro de milho descascado dá vinte alqueires. O feijão, arroz e milho dão de três meses; o algodão e mandioca de ano, e a cana de ano e meio.

Tal ou qual particular tem em sua casa dois ou três cortiços,[ 46 ] talvez só por ter. Pela Tabela da Exportação ao fim se vê que os gêneros produzidos excedem às necessidades do país.


13. Animais

Uma parte dos lavradores se emprega também na criação do gado de diferentes espécies, de maneira que há na província, com pouca diferença, oito mil cabeças de gado vacum, dos quais se mata semanalmente nos açougues 10. Nenhuns são empregados na lavoura, mas do gênero masculino, que serão três mil e quinhentos, se empregaram mil e quinhentos em fábricas de açúcar e algumas conduções em carros. O seu alimento ordinário é o capim, que nasce naturalmente nos baldios ou em prados artificiais, nos quais se têm sem separação alguma, nem de sexo, nem de idade. O preço médio de um boi é 14$000 réis e o seu peso oito arrobas; o preço de uma vaca é 12$000 e seu peso seis arrobas. As suas moléstias são a bicheira, procedente de qualquer arranhadura, onde as moscas depositam os seus ovos, donde saem as varejas[ 47 ] que, estimulando e correndo as carnes, chegam a aumentar a chaga, emagrecer e matar o animal — a sua cura ordinária é o mercúrio doce que as mata; a papeira, que é uma inflamação na mandíbula inferior que cresce e faz emagrecer o gado até morrer — a sua cura é queimar com ferro em brasa e curar a chaga resultante com algum dessecante, ou folha, ou casca adstringente como a de aroeira ou outra qualquer; o carbúnculo, que faz inchar o gado e morrer ficando com as unhas abertas — ignora-se remédio para este mal; a falta de pastos faz também que o gado sôfrego não escolha pasto e assim come com ele ervas venenosas que o matam. O gado cavalar em ambos os sexos monta a 1.060, sendo do gênero feminino 430, e o preço médio destes é a 20$000 réis e daqueles 32$000; as suas espécies são guinilhas,[ 48 ] mestiços e sendeiros;[ 49 ] o seu sustento é igual ao do gado vacum, nenhum é empregado em fábricas, tais e quais se empregam em cargas, e tal ou qual é ferrado e de estrebaria.

O gado muar em ambos os sexos não excede a 100, o seu preço médio 32$000 réis, metade se emprega em fábricas e metade em transportes. O gado caprino há 200 de ambas as espécies, nenhum se mata nos açougues e o seu preço é 1$280 [réis]. Gado ovelhum há dois mil, nenhum vai ao açougue e o seu preço é 1$000 réis. Porcos há 800, é raro o que vem ao açougue, seu preço 8$000 réis e a libra[ 50 ] a 60 réis.

As galinhas de ambos os sexos custam a 480 réis e há 4.000 cabeças, e poucas as chamadas da índia. Patos custam a 320 e há 1.000. Perus custam a 880 réis e há 200. Marrecos custam a 320 e há 1.000. Capões custam a 560 e há 100. Frangos custam a 120 e há 6.000. Pombos custam a 120 e há 300.

Há na província muitos animais de caça, sendo os mais triviais macacos de diferentes espécies, raposas, onças, quatis, lontras, ouriços, lebres, coelhos, veados, porcos-do-mato, tamanduás, preguiças, antas, tatus, cotias; araras, papagaios, garças, mergulhões, pombas; tartarugas, cágados, lagartos. Também há muitos [animais] de pesca como são a arraia, peixe-prego, lixa, tubarão, cação, moréia, peixe-rei, peixe-espada, pescadas, galos, gudião, sarda, cavala, carapiá, salmonete, cabrinha, cornuda, tainhas, sardinhas. Insetos: besouros de diferentes qualidades, carochas, baratas, gafanhotos, grilos, louva-a-deus, percevejos, borboletas de todas as qualidades, traças, vespas de diferentes qualidades, abelhas, formigas, moscas, mosquitos, piolhos, pulgas, escorpião, lagostas, camarões. Vermes: minhocas, sanguessugas, lesmas, polvos, estrelas-do-mar e ouriço-do-mar, berbigão, mexilhão, búzios, caracóis, conchas, esponjas. Répteis: sapos, rãs, cobras de diferentes qualidades. Além dos acima mencionados existem muitos cuja zoologia ocuparia muitos anos e, talvez, muitos volumes.

14. Minas e pedreiras

Ao ex-capitão-mor desta província João de Velásquez Molina em 1693 foi anunciada a existência de ouro nas margens do rio Doce, junto ao córrego do Ouro Preto, e lhe foram apresentadas três oitavas dele que, recebendo a câmara, mandou fazer duas memórias:[ 51 ] uma para o capitão-mor e outra para o anunciante Antônio Dias Arzão, natural de Taubaté, homem empreendedor, que se recolhia[ 52 ] desse sítio com cinqüenta homens de sua comitiva; nesta ocasião se lhes prestaram o que lhes era necessário para nova entrada dos sertões. Esta foi a primeira descoberta de ouro nesta província.

Pedro Bueno Cacunda descobriu as Minas do Castelo em 1732 às margens do rio Itapemirim, doze léguas da barra, e participando ao capitão-mor desta vila, este lhe mandou ali estabelecer um arraial, nomeando provedor, tesoureiro e escrivão para melhor arrecadação dos direitos, e como trabalhavam sem arte alguma, dificultando-se a extração deste metal, e sendo incomodados do gentio, se foram retirando, de sorte que atualmente nenhum morador tem. É de fato ter recebido a extinta Provedoria em 1738 cento e vinte e uma oitavas. Consta que chegaram a ter cinco povoações, cuja maior parte formaram a vila de Itapemirim.

Em 1614 Marcos de Azeredo Coutinho foi encarregado por Sua Majestade (que então governava Portugal) com promessas de mercês de descobrir as Minas das Esmeraldas de que lhe tinha pessoalmente mostrado as amostras; e em 1644 ordenou Sua Majestade Fidelíssima a Francisco do Souto Maior auxiliasse o descobrimento e entabulamento[ 53 ] das ditas minas, de cuja existência estava informado, podendo levar os dois filhos de Marcos de Azeredo, os padres Inácio de Siqueira e Francisco de Moraes, e os índios que precisassem com licença dos padres; ignora-se porém o resultado de tais comissões, e só se sabe que o dito Marcos faleceu em 1618. São estas as únicas notícias que há de minas na província, sendo certo haver muitos e muitos lugares mais ou menos ricos de ouro, especialmente nas vertentes dos rios que deságuam no Jucu, no Juparanã, nas cabeceiras de Itapemirim, nas vertentes de Santa Maria, rio Castelo, etc. e ouro muito, e muito puro.

Não consta de minas de ferro, pois alguma pedra que contém algum óxido é em tão pequena quantidade, que não faz supor existência deste metal; nem tão pouco consta de outro algum mineral. É muito provável haverem muitos produtos, e talvez abundantes, o que se não tem explorado, sendo muito triviais cristais de rocha, com algumas variedades como ametistas.

15. Curiosidades naturais

No rio Doce foi achada uma figura petrificada de homem com mãos na cintura por João Felipe de Almeida Calmon, ignora-se a sua perfeição, e o gênero de pedra, e se existe.

Em 1815 foi achado um hipopótamo da grandeza de um cavalo, e com cauda de sete varas no rio da vila nova de Almeida, encalhado com a vazante.

Em muitos lugares da província há grutas, que não têm aqui lugar por nada conterem de notável nem pela sua regularidade e forma, nem pela matéria de que são formadas, servindo até aqui de asilo de alguns escravos fugidos, bem como a conhecida no morro da Lapa denominada de Pai Inácio. Quantos destes objetos terão sido desprezados pela ignorância!

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NOTAS

[ 1 ] Antiga unidade brasileira de medida itinerária, equivalente a 3.000 braças, ou seja, 6.600m.
[ 2 ] Antiga denominação comum aos tribunais de justiça de segunda instância.
[ 3 ] Qualidades.
[ 4 ] Vento que sopra em direção normal à costa, ou em direção normal ao rumo seguido pela embarcação.
[ 5 ] Faltos de vegetação; áridos, estéreis, calvos, descalvados.
[ 6 ] Relativa ao quartzo, ou que tem a natureza dele.
[ 7 ] Que contém mica ou é da natureza dela.
[ 8 ] Antiga unidade de medida de comprimento, equivalente a cinco palmos, ou seja, 1,10m.
[ 9 ] Região, terra, território.
[ 10 ] Quando o autor escreve a palavra Cidade com inicial maiúscula refere-se a Vitória, única localidade espírito-santense possuidora deste atributo na época em que o texto foi produzido, o que recomenda manter esta grafia.
[ 11 ] Que contém alúmen.
[ 12 ] Antiga unidade de medida de comprimento, equivalente a oito polegadas , ou seja, 22cm.
[ 13 ] Antiga unidade de medida de comprimento equivalente a dez palmos, ou seja, 2,2m.
[ 14 ] Grandes pilares de alvenaria.
[ 15 ] Atual baía de Vitória.
[ 16 ] Estreito.
[ 17 ] Que não oferece abrigo para embarcações.
[ 18 ] Fase da maré entre a baixa-mar e a preamar seguinte.
[ 19 ] Homem que conhece minuciosamente os acidentes hidrográficos de áreas restritas, e que com esses conhecimentos conduz embarcação através dessas áreas.
[ 20 ]&nbspDesabitadas.
[ 21 ] Cultivados, habitados.
[ 22 ] O ponto cardeal Sul.
[ 23 ] Atual município de Vila Velha.
[ 24 ] Com muitos animais a esmo?
[ 25 ] Mencionado, referido.
[ 26 ] Lote de terra inculto ou abandonado, que os reis de Portugal cediam a sesmeiros que se dispusessem a cultivá-lo.
[ 27 ] Légua de sesmaria – antiga unidade de medida de superfície agrária, equivalente a um quadrado de 3.000 braças de lado, ou seja, 4.356ha.
[ 28 ] Os sesmeiros só recebiam do governo a confirmação de suas terras após ocupá-las e cultivá-las.
[ 29 ] Atual município de Anchieta.
[ 30 ] Não dividido; que pertence cumulativamente a vários indivíduos.
[ 31 ] Sem saberem o tamanho e a localização exata.
[ 32 ] Fornece, ministra.
[ 33 ] Sutileza capciosa, em questões judiciais.
[ 34 ] Agrimensores, medidores de terras.
[ 35 ] Antiga unidade de medida de comprimento equivalente a 15 palmos, ou seja, 3,3m. Por extensão, instrumento de medição que tinha esta medida ou múltiplos dela.
[ 36 ] Forma sincopada de fulano.
[ 37 ] O sistema monetário da época pode ser assim exemplificado: 1 real, 10 réis, 100 réis (ou um tostão), 1$000 (mil-réis), 100$000 (cem mil réis), 1:000$000 (um conto de réis).
[ 38 ] Simples.
[ 39 ] Amendoins.
[ 40 ] Existe dicionarizada a palavra coroa-crísti.
[ 41 ] Pronto para se colher (fruto); maduro, amadurecido.
[ 42 ] Dar forma de grãos a.
[ 43 ] Haras – campo ou fazenda de criação de cavalos de corrida; caudelaria.
[ 44 ] Antiga unidade de medida de capacidade para secos, equivalente a quatro quartas, ou seja, 36,27 litros.
[ 45 ] Antiga unidade de medida de peso, equivalente a 32 arráteis, ou seja, 14,7kg, aproximadamente.
[ 46 ] Caixas cilíndricas, de cortiça, nas quais as abelhas se criam e fabricam o mel e a cera; colméias.
[ 47 ] Designação vulgar dos ovos da mosca-varejeira, antes de atingirem a fase de larva.
[ 48 ] Cavalos de andadura pesada, ou que andam pouco.
[ 49 ] Diz-se de, ou os cavalos de carga, robustos, mas de corpulência escassa.
[ 50 ] Unidade de medida de massa, igual a 0,45359237kg, utilizada no sistema inglês de pesos e medidas.
[ 51 ] Anéis comemorativos.
[ 52 ] Que voltava para casa.
[ 53 ] Início de exploração.

[Reprodução autorizada por Fernando Achiamé.]

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Inácio Acióli de Vasconcelos foi o primeiro presidente da província do Espírito Santo e governou de 1824 a 1829, período em que a província atravessava grande dificuldade econômica e decadência geral das instituições. A partir de 1858, como primeiro tenente, foi comandante do navio de guerra Ibicuí, da Marinha do Brasil.

Fernando Achiamé nasceu em Colatina, ES, em 22/02/1950 e fixou-se em Vitória a partir de 1955. Formado em história pela Universidade Federal do Espírito Santo e em língua e literatura francesas pela Universidade de Nancy II (Pela Aliança Francesa do Brasil). Especialista em arquivos pela Ufes. (Para obter mais informações sobre o autor e outros textos de sua autoria publicados neste site, clique aqui)

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